sábado, 18 de outubro de 2008

TRABALHO REALIZADO EM CARACAS - VENEZUELA

SOARES, Sonia Ribas de S.
Mestre em Educação, Professora do Município de Porto Alegre – RS e Professora do Estado do Rio Grande do Sul.

Instituição: UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

TÍTULO: PROPOSTA DE CURRÍCULO – UMA POSSIBILIDADE PARA OS JOVENS E ADULTOS TRABALHADORES


A educação na sociedade capitalista é segundo Marx e Engels um elemento de manutenção da hierarquia social, ou como Gramsci denominou como instrumento da hegemonia ideológica burguesa.

A igualdade política é algo meramente formal e não passa de uma ilusão visto que a desigualdade social é concreta e inequívoca. Atualmente a situação não parece ser muito diferente daquela vivida e descrita por eles. No entanto, um das possibilidades de viabilizar a superação das dicotomias existentes e da emancipação do ser humano reside na integração entre ensino e trabalho.

E quando pensamos num currículo que atenta a jovens e adultos, a categoria trabalho está na centralidade. Pois a especificidade do universo de alunos da EJA, ao se tratar de trabalhadores, remete necessariamente uma reflexão sobre o tipo de currículo que atenda essa população para possibilitar a relação da educação com o mundo do trabalho.

A educação na perspectiva marxiana reside na integração entre o ensino e o trabalho, que para eles designam, ensino politécnico ou formação omnilateral. Por meio desta educação o ser humano desenvolveria se em todos os sentidos. E essa unidade deve-se dar desde a infância. O tripé básico para todos: crianças, jovens e adultos deveria se constituir-se em Ensino Intelectual (cultura geral), Desenvolvimento Físico (ginástica e esportes) e Aprendizagem profissional polivalente (técnico - cientifico). Porque o ensino é um instrumento para o conhecimento e também para a transformação da sociedade e do mundo.

Este é o potencial e o caráter revolucionário da educação. O proletário, por si só não conquista sua consciência de classe, sua consciência política, justamente pelo fato de ter sido privado, desde o inicio, dos meios que lhe permitiriam consegui-lo. Por isso, há a necessidade de um processo educativo pautado em um currículo e um Projeto Político Pedagógico definido, voltado aos interesses da grande maioria desprovida das necessidades básicas materiais.

A meu ver, é aqui que surge o papel estratégico da escola, os educadores e intelectuais, os quais são decisivos para a construção da consciência de classe do trabalhador.

A concepção de educação de Marx e Engels é pertinente, em virtude que sua proposta recupera o sentido do trabalho enquanto atividade vital e que o homem humaniza-se sempre mais ao invés de alienar-se. A educação é concebida, não como instrumento de dominação e manutenção do status quo (como acontece atualmente), mas como processo de transformação desta situação.

As obras de Marx e Engels constituem uma crítica fundamental à concepção burguesa do ser humano e de educação.

As concepções metafísicas e idealistas são fundamentalmente conservadoras, estes pensadores opõem a concepção materialista, histórica e dialética que interessam-se pelo ser humano real em carne e osso, por seus problemas enquanto vivem em sociedade, visando uma transformação positiva e humana. Esta concepção dialética histórica do ser humano toma como premissa fundamental o fato de ele não ser um dado, mas essencialmente um constante vir-a-ser.

Desse modo, a educação deve vir para corroborar esta sistematização que não é meramente teórica ou abstrata, mas real – prática.

Na sociedade contemporânea a educação reproduz o sistema dominante, tanto ideologicamente quanto nos níveis técnico e produtivo. A sociedade socialista (que almejamos) a educação assume um caráter dinâmico, transformador, tendo sempre o ser humano e sua dignidade como ponto de referência. Uma educação omnilateral é o que continua fazendo falta em nossa sociedade.

O atual sistema educativo, sobretudo no Brasil, vem confirmando o que se diz sobre reprodução, divisão social e dominação. Os projetos Políticos Pedagógicos até existem e são propostos, mas são postos em andamento aqueles que legitimam o sistema e não representam para ele uma ameaça.

Sabemos que através da educação não poderemos nunca transformar a sociedade na qual a educação serve e ajuda a desenvolver-se, ao mesmo tempo, que se desenvolve, de acordo com o mundo real na qual esta inserida, porém, é possível que seja uma das três alavancas fundamentais junto à economia e à política, sobre as quais os processos de transformação de uma realidade social avançam e alcançam maturidade.

De acordo com minha concepção teórica e política, parto do princípio da fala de Marx quando se expressa que todas as correntes teóricas já tentaram analisar, interpretar, compreender, explicar, descrever os fenômenos materiais, mas o fundamental de um trabalho se constitui em propor ao fenômeno pesquisado elementos essenciais que possam transformá-lo, com uma nova qualidade favorecendo o campo em que este está inserido, mesmo sabendo de nossa atual conjuntura social, política e econômica, do qual não somos capazes de grandes transformações, como já citei acima, mas somos responsáveis, como qualquer cidadão de elaborar propostas para transformar a realidade. Porque o que não pode se concretizar hoje, fica pelo menos como um germe de mudanças essenciais que podem ser desenvolvidas no tempo futuro.

A política neoliberal de redução das responsabilidades do estado, de redução do espaço público, e portando, de redução de direitos públicos avança rapidamente na rota da lógica de mercado com o espaço de privilégios e seleção.

À medida que a sociedade contemporânea produz mais conhecimento científico e tecnológico, a maioria da população é submetida a um processo de brutalização, expresso de forma eloqüente na desqualificação do ensino público, nos baixos investimentos em educação, na permanência dos índices de evasão e repetência, na baixa escolaridade média da população, no número de analfabetos, etc.

Por isso mesmo, hoje, mais do que ontem, é preciso manter oposição a essa política, e ao mesmo tempo, afirmar a possibilidade da esperança. Dessa forma que me proponho, sugerir algumas reflexões sobre uma nova constituição de um currículo escolar para a Escola Estadual do Rio Grande do Sul, que no atual momento está passando por reformulações no regimento. Sendo assim, há a possibilidade de mudança do currículo e do Projeto Político Pedagógico.

Nessa atual circunstância, pretendo apontar aqui alguns elementos determinantes para que se possa sistematizar um currículo voltado para a Educação de Jovens e Adultos trabalhadores, possibilitando caminhos para esta população que não teve acesso à educação.

Primeiramente, devo expressar que o currículo é responsável pelo tipo de profissional ou pessoa que se forma, ou melhor, o currículo é um instrumento de um mundo real muito maior que o mundo da escola. O currículo não surge no vazio. Ele é, em geral, organizado com elementos determinantes de um modo de produção, elementos que consciente ou inconsciente, aceitamos, apesar de que não satisfaz nossas necessidades e aspirações. E isso deve à carga ideológica que suportam os conteúdos dos currículos de formação de profissionais e pessoas. Ou porque, na realidade, não conheço outro caminho, ou sigo sem me apartar-me do longo processo de formação que, de forma inconsciente, aprovo.

Não é a sociedade ou os professores os que fazem os currículos e determinam o tipo de pessoa que desejamos formar. É a classe social dominante a que estabelece direta ou indiretamente os princípios e conteúdos dos currículos de que necessitamos. Ela usa todos os meios que possui para alcançar seus objetivos. Como nos diz Colao
[1]

[...] diminui verbas para a educação publica, forma professores com escasso nível de profundidade nas matérias em que deverá ensinar, estimula a publicação de livros que estejam, em geral, de acordo com seus princípios; paga baixos salários que limitam o poder social e cultural de educador, e atropela seu desejo de aperfeiçoamento; limita ou não apóia a pesquisa em ciências sociais; outorga bolsas de estudo que apenas permitem sobreviver às pessoas favorecidas; sucata o ensino publico, desenvolve o ensino privado formando profissionais em geral com ideologias que estão ao seu serviço,etc.(Colao, 2005)

Então o currículo que apontarei aqui especialmente no campo da EJA pode estar longe do mundo real em que vivo, ser utópica, mas é uma maneira de dizer que compreendemos a realidade da qual vivemos e que não estamos satisfeitos com ela, e também que todos os modos de produção são históricos, ai reina nossa esperança.

Partindo da realidade de que o currículo não se organiza e reorganiza num vazio, como alguns poderiam chegar a crer. Porém sabendo que existe uma realidade hostil contra os desejos humanos de satisfazer as necessidades materiais e espirituais das grandes maiorias de pessoas, eu me empenho, apesar da falta de tempo de estudar, problematizar, sou fruto da própria contradição dessa realidade que estou denunciando, pois tenho que trabalhar horas infinitas para sobreviver nessa realidade desumana, resgatando forças excedentes para poder me aperfeiçoar. E uma maneira de contribuir foi pensar um currículo juntamente com a autora Viero e outros, que para mim está mais próxima, do que até o momento, tenho sistematizado.

Pensar num currículo que atenda jovens e adultos trabalhadores é necessário uma contextualização sobre esse universo de pessoas, para poder constituir as áreas de conhecimento. Para isso é necessário, segundo Viero
[2], enquanto professor, saber quem são os alunos da EJA para poder abordar o currículo. E para responder essa pergunta é necessário ter como ponto de partida um aluno real, histórico, trabalhador, que vive as relações de trabalho, no qual o ser trabalhador transforma–se na medida que as relações de trabalho mudam. Porque o trabalho entendido por Marx é uma ação transformadora do mundo material e de si mesmo como ato criativo. E os alunos da EJA vivem do trabalho, mas no capitalismo atual a pobreza e o desemprego aumentam o tempo todo, esse próprio sistema não oferece alternativas de vida digna para esses trabalhadores, pois esse fato não é importante para o sistema.

A exploração do capitalismo junto aos trabalhadores assume uma forma perversa. Pois os alunos em seus depoimentos diziam que pararam de estudar para trabalhar, chegavam atrasados nas aulas em virtude do trabalho, sendo assim os alunos trabalhadores para se manterem acreditam que o estudo pode ficar em segundo plano.

Porque na 5ª série eu rodei e então parei de estudar... e também tinha o trabalho.... os horários não batiam ...parei mesmo por causa do trabalho. Ou estudava ou trabalhava...então optei pelo trabalho. Que era minha sobrevivência.....depois de alguns anos tive minha filha...e voltei para a 5.serie...... Voltei pq as coisas evoluem e eu não era de um português muito farto..digamos assim, risos...tu precisas falar com as pessoas...no trabalho que tenho que saber escrever...etc...e isso me fez voltar a estudar.... (E6)

E esse é o objetivo do capitalista, manter uma massa de seres humanos submetidos a sua exploração que caracteriza pelo aumento abusivo do tempo de trabalho, uma das formas de expropriação da mais-valia, base da produção capitalista.

Trabalhar com os alunos da EJA, na atual conjuntura é trabalhar com pessoas que segundo essa pesquisa não tem a quantidade de elementos necessários para se ter uma vida digna, mais humana e com melhor qualidade. É uma realidade que exige de nós professores, um trabalho que se organiza e se reorganiza a partir das circunstancias em que as relações vão se materializando, e isso exige uma constante abertura de sistematização dos ´processos pedagógicos.

Dessa forma, Viero
[3] ratifica que um currículo de EJA exige a superação das generalizações abstratas, tratam as alunas e os alunos de forma homogênea, resultando em trabalhos de sala-de-aula que tem como base propostas pedagógicas compensatórias para os alunos “ideais”. E assim negando ao aluno a condição de sujeito de direito, a sua subjetividade e alteridade, tratando-os como alguém digno de pena, portando vendo-o com inferioridade.

Reinventar o currículo, no sentido de constituir o trabalho com as áreas de conhecimento, desde o ponto de vista, de um processo pedagógico planejado, para quem cria condições de inverter a situação de divisão social na educação, remete, necessariamente, para a problematização da história que caracteriza os jovens e adultos pouco escolarizados como alguém desprovido de conhecimento e sem muitas capacidades de criação e produção.

É condição essencial na elaboração de um currículo de EJA, ter como ponto de partida o aluno como alguém que ao produzir as condições de existência cria conhecimentos e ao voltar a escola busca acesso aos instrumentos da cultura letrada, que pode implicar nas resoluções da vida diária e contribuir para a ressignificar a compreensão da realidade em que vivem.

Uma das principais justificativas que os alunos da EJA procuram a escola novamente é o trabalho. As falas dos jovens e adultos geralmente manifestam que voltam a escola porque pretendem “melhorar no trabalho” ou conseguir trabalho”. Porém ao escutá-los mais um pouco, é o trabalho o motivo do seu afastamento da escola, ou o motivo de nunca estudarem quando crianças também.

Olha porque eu precisava melhorar a minha escrita, o meu jeito de falar, melhorar o meu trabalho... nesse meu trabalho tenho que ta informado de tudo. E foi pelo meu serviço que resolvi voltar para a escola.... (E4)

Pra pegar um serviço melhor e melhorar porque naquela época trabalhava de faxineira numa empresa...e era muito pesado e trabalhava muito mesmo...e a escola RGS ficava próxima então resolvi estudar pára melhorar um pouquinho... No dia que comecei a estudar me mandaram embora do trabalho...ai continuei estudando...e fui atrás de outro trabalho...mas demorou para conseguir trabalho, lembro que também fiquei doente...depois de um ano consegui outro emprego...num supermercado..(E5)


É uma contradição que o mesmo trabalho que os afastou do direito a escolarização exige a sua volta. Esse elemento também apareceu na pesquisa doutoral da Janes Siqueira, sobre os alunos que estudam e trabalham.

Viero (2004) nos coloca alguns questionamentos, será que a mesma situação que os leva a procurar novamente a escola, não pode levá-los a se afastarem novamente? As análises dos índices de evasão entre os alunos de EJA parece apontar que o trabalho é um dos motivos de evasão. Segundo os dados estatísticos da escola pesquisada, há um registro de 50% evasão.

Aqui está um aspecto fundamental para pensar na especificidade do universo de alunos da EJA para organização do currículo, principalmente por se tratar de trabalhadores jovens, adultos, mulheres, negros, índios, portadores de necessidades especiais.

Por que estou ratificando essas afirmações? Em virtude, do processo de sistematização da historia da EJA, no qual transferiram o currículo do universo do aluno criança para o jovem e adulto sem considerar sua realidade enquanto trabalhador, desprovido dos elementos fundamentais de sobrevivência.

Analisando a historia da EJA observamos que a relação com o mundo do trabalho não é neutra. Defendo, amparada em Siqueira (2005), Aguiar (2001), Viero (2004) a educação como um processo de permanente ressignificação das práticas sócias. Uma abordagem que problematiza a naturalização das relações capitalistas, fundadas numa concepção produtivista de educação, que visa a produção do lucro e não da vida. E é essa a responsável pelo afastamento de grande parte da população desse direito.

A concepção que defendo trabalha desde o ponto de vista de uma educação que resssignifique o estatuto da esperança no espaço e no tempo em que nos encontramos. Como diz Viero
[4]
[...] nesse sentido, o currículo em EJA pode se transformar em campos de experimentações, em que seja possível criar localmente alternativas de educação de jovens e adultos que a especificidade das necessidades voltadas para a produção da vida desse universo de alunos exige. (Viero, 2001)

Transformar a sistematização do currículo em experiências que tornam possíveis inúmeras alternativas que representam a gênese de um novo trabalho escolar, capaz de organizar uma nova cultura escolar fundada num processo de participação, produção e socialização do saber, contribuindo de forma significativa para um projeto de desenvolvimento alternativo.

O processo pedagógico de uma escola, organizada para atender jovens e adultos, exige um projeto em que as áreas de conhecimentos transitem entre si, de forma interdisciplinar, negando a disciplina, para que o professor e o aluno percebam que o trabalho de sala de aula é especifico daquele projeto de escola.

E para que isso ocorra é necessário que o currículo dessa escola tenha uma forma materializada a partir do diálogo com os conhecimentos que a vida desses alunos exigem. Por que se continuarmos trabalhando com estruturas fragmentadas da disciplina onde o professor garante o seu poder, não nos coloca como desafio formar os alunos inseridos de forma critica no contexto atual, isto é, no tempo em as alunas e alunos vivem.

Viero (2004) coloca que há a necessidade de se perguntar, “ser professor de área especifica é ser mais importante que ser professor”? A partir da indagação, ela afirma que ao colocar o professor antes de professor de uma área especifica de conhecimento exige de nós, professores, o desafio de assumir a problemática dos conhecimentos, que por sua vez exige romper com o desenho das estruturas fragmentadas das escolas. Aqui há um elemento essencial para a mudança, a necessidade de uma concepção diferente de professor, que parta do principio de ajudar os estudantes a compreender o mundo em que estão vivendo. E ai nos indagmaos novamente será que nós e as escolas estamos em condições de avançar mesmo que em pequenos passos em direção ao trabalho interdisciplinar? ou como aponta a autora, de um trabalho de colaboração disciplinar?

As falas dos professores afirmam que para trabalhar com currículo interdisciplinar tem que saber as outras disciplinas para poder conversar com os outros professores. Mas o que quero ressaltar aqui, fundamentada no trabalho de Viero (2004), é que para superar essa fragmentação entre os professores de áreas e sistematizar projetos de trabalho é que a escola não deve ensinar matemática, português, história... mas, desenvolver educação história que é muito diferente da disciplina de história, ou de outras áreas do conhecimento. Por conseguinte, é possível que a educação básica seja o lugar da educação de historia, como a educação para todas as disciplinas que se diferencia do conhecimento disciplinar, que significa uma mudança de paradigma, necessitando assim, uma outra forma do fazer pedagógico.

E para que isso ocorra é necessário uma formação permanente dos professores como parte integrante do currículo. Pois para organizar projetos para compreender os sujeitos dentro da escola, na relação com o contexto, se coloca como necessário efetivar espaços em que as professora e professores em dialogo com as alunas e alunos possam, a partir dos referencias teóricos e de suas práticas, estabelecerem trocas com seus pares, organizando coletivamente o trabalho, para garantir a permanência do processo de estudo para compreender a complexa dimensão da vida dos alunos.

Para que um projeto dessa dimensão se torne possível, exigem de nós, professores, o pensar sobre os problemas cotidianos para que com essas informações, abra caminhos que se manifestem em perguntas problematizadoras, do lugar em que nos colocamos para possibilitar a invenção de soluções melhores.

Um elemento fundamental para que essa concepção de currículo aconteça é a pesquisa como parte integrante do processo educativo. Ratifico minha afirmação em Triviños
[5] e Viero (2004)[6] porque só assim, esse processo se materializará de forma a relacionar dialeticamente conhecimentos existentes trazidos pelas alunas e alunos – professoras e professores com o conhecimento que se cria no processo pedagógico.

Diante dos estudos, da bibliografia consultada, das falas dos alunos de EJA das trocas entre os colegas de pesquisa me pergunto qual é a escola que queremos para os alunos de EJA? Os depoimentos dos alunos expressam algumas sugestões interessantes que faz, nós professores, pensarmos.

[...] os trabalhadores tinham que ser tratados diferentes dos jovens e das crianças...tinha que ver o nosso lado, que chega cansado na aula, que tem que estudar, aprender, que não tem tempo de estudo em casa, e ajudar a gente a conseguir trabalho, fazer convenio com as empresas...eu acho que isso já mudaria bastante.(E3)

A escola teria que saber que eu vou pra escola pra aprender e a escola deveria aprender também com a gente...todos temos que aprender... e a escola tem que aprender a lidar com isso...com o trabalhador.(E2)

Eu acho que tinha que oferecer mais aos alunos do supletivo, trabalhar e estudar tb não é fácil, tem que ter força de vontade...né.... mas acho que tinha que ensinar coisas do tipo como batalhar por um emprego... ser mais profissionalizante as aulas.....acho que é isso do resto eu acho que ta bom.(E4)

[...] mas acho que os professores devem saber que estão lidando com trabalhadores e que estes vem cansados do trabalho....e o conteúdo ...tem que ser diferente... e a acho que tínhamos que ter mais vagas...pras pessoas estudarem....pois tem muita gente sem estudo ainda.(E7)

Bem a escola deveria ver mais o lado do trabalhador...ver que eles precisam ter um profissão...ensinar a fazer coisas diferentes pra poder ganhar dinheiro e sustentar sua vida...O que a escola devia fazer...é isso... cursos técnicos... é uma forma ... porque nem todo mundo tem condições de fazer uma faculdade... com esse salário que a gente ganha...que mal dá pra comer...imagina.(E8)


Pensar numa escola para jovens e adultos trabalhadores exige de nós, reconsiderar nossa posição na escola para superar o diretivismo. O que isso significa? Será que os alunos participam nas nossas decisões, ou melhor, quantos participam, nas decisões das professoras e professores. Será que o projeto de escola que buscamos sistematizar pode levar a democracia? Uma escola onde os alunos aprendam a cidadania? Pois uma das grandes ausências nos processos de mudanças nas escolas é ausência dos alunos, esses não têm lugar nessas mudanças, ou seja, as mudanças não contam com eles.

Organizar uma proposta de escola para jovens e adultos trabalhadores remete problematizar a própria escola e reorganizá-la a partir de novos parâmetros que contemple a especificidade dessas pessoas. Resgatando a humanidade do homem, a concretude do concreto que se organiza e reorganiza numa permanente abertura, resgatar o direito da criatividade da imaginação, inspirando leituras mais próximas do real, tradutora de possibilidades de um futuro diferente para a EJA.

Nesse sentido o currículo para essa escola tem a participação de jovens e adultos trabalhadores que participam como pessoas históricas, porque estão inseridas numa comunidade concreta. Esses têm nomes, apelidos, rostos, histórias de vida, e desenvolverão aptidões circunstanciais em que a formação é um processo dialético de interação do homem com o mundo, que não pressupõe uma imagem ideal previa a ser atingida.

Sendo assim, a singularidade histórica de como os professores e alunos se organizam socialmente, contornando o currículo da EJA, nos apontam como os elementos fundamentais da escola foram sendo materializados de forma a criar relações significativas que amarram essas pessoas ao que elas mesmas ajudam a sistematizar, pois a escola que existe se constituiu graças as essas relações circunstanciais e prática social.

O trabalho de como os professores e alunos se organizam pode contribuir para a produção e auto-produção da essencialidade humana, como pode transformálo em objeto em que a sua produção lhes é estranha e a escolralização se transforma em sinônimo de preparação de mão-de-obra. Logo, o processo pedagógico tanto pode materializar-se em lugar de formação que humaniza, como também pode desumaniza-lo.

O currículo que queremos considera a experiência e suas relações e tona a escola permeável a propostas plurais, resultantes de práticas concretas dos sujeitos que a compõe. Portanto, toda a inovação curricular não pode ser separada da vida quem está ali acontecendo, por isso é um currículo aberto e que tem vida.

Sabemos que não é fácil colocar em prática alguns desses elementos apontados aqui, porém é uma das possibilidades de pensar e fazer um currículo para essas pessoas desprovidas das necessidades básicas de vida, que estão inseridos numa comunidade e que luta, muitas vezes sem compreender, pelo seu espaço e direito público.

Dessa forma, recriar o currículo para uma escola de EJA, remete derrubar barreiras historicamente, que vai separando a escola da comunidade e buscar recuperar a escola enquanto um espaço inserido no seu contexto, e como um lugar publico se encontra vinculada a comunidade em que os alunos tenham poder de decisão na gestão da vida da escola. Como afirma Viero (2004) nela o dizer e o conhecer são públicos, porque são assuntos de todos, professores, alunos, funcionários e comunidade.

Esse currículo busca educar a escola tencionando-a para se transformar em um espaço publico. Em educação, como ato político, que transforma os nossos gestos em gestos de organização e não delega a outros as decisões.

Fundamentada em Colao (2005) faço alguns apontamentos que creio ser importante para a sistematização do currículo da EJA.

Que a EJA em seu processo educativo consiga proporcionar elementos de compreensão sobre aspectos fundamentais na formação do ser social. Destacamos os aspectos sociais, históricos, econômicos e culturais, não de forma linear, mas tomando como base central o modo de produção capitalista no qual, atualmente, estamos inseridos possibilitando uma analise de certas categorias bases como trabalho, ideologia, mais-valia, desemprego, trabalho infantil, a partir da realidade econômica de que os alunos já conhecem e vivem.

Sabemos que não existe uma historia acabada, definitiva e linear. Esta categoria do Materialismo Histórico é antes de tudo, a afirmação da história em um contexto em que as análises enfocam os seres humanos e suas relações de forma análoga ao discurso, enfatizando as diferenças, as identidades particulares, a natureza fragmentada do mundo e do conhecimento humano, ao mesmo tempo que rejeita a idéia de progresso colocando o futuro no aqui e agora, de forma que a história parece aleatória e destituída de direção. O materialismo histórico, por sua vez, trata as transformações no contexto histórico e desmente muitos dos modismos pós-modernos. É um enfoque que analisa o capitalismo como modo de produção, por isso histórico e possível de transformação. É uma via de análise que não abandona a idéia de progresso humano, no sentido mais geral da emancipação humana, como possível resultado das lutas históricas.

Como parto de uma concepção de que a educação é permanente, e não uma educação compensatória de EJA, poderia ser trabalhados com os alunos formas de aprender a pensar, partindo de três elementos básicos: a concepção de mundo, vida e ser humano. Isso é filosofia.

A questão do esporte na educação, hoje atualmente na escola em estudo a educação física é oferecida aos alunos fora do horário de aula regular, é voluntária. Das 18hr as 18:45min nas terças e quintas-feiras, porém os alunos já chegam as 19:30min ou mais, atrasados em suas aulas regulares. Isso mostra que o currículo dessa escola não valoriza essa atividade singular na vida desses alunos, e também um conhecimento frágil sobre a especificidade de alunos trabalhadores. Marx sugere que uma educação deve partir da integração entre o ensino e o trabalho, que para ele é o ensino politécnico ou formação omnilateral. E um dos três elementos básicos é a atividade física.
- Ensino Intelectual - cultura geral;
- Desenvolvimento Físico - ginástica e esportes;
- Aprendizagem profissional polivalente / técnico - cientifico.
Porque o ensino é um instrumento para o conhecimento e também para a transformação da sociedade e do mundo.

A Educação Física tem por objetivo sistematizar a educação integral do homem, por meio de atividades físicas de acordo com suas necessidades bio-psico-fisiológicas e sociais. Busca entender o ser humano em todas as suas dimensões e no conjunto de suas relações individuais com os outros e com o mundo. A meu ver, deve ser organizada a partir do conhecimento das ciências físicas, biológicas e humanas.

A Língua Estrangeira nas aulas de EJA deve ser um instrumento de libertação e transformação, assim como a alfabetização deve ser precedido pela leitura de mundo como nos é apresentado por Freire, e é a partir das experiências de vida do aluno que se vai sistematizando a segunda língua. Não esquecendo o aspecto essencial do trabalho a condição de contextualização

Outro ponto a destacar é a questão da Arte na educação. Muitos devem se perguntar qual é a função da arte na EJA no cotidiano do individuo cuja perspectiva é acima de tudo a sobrevivência imediata? Seguindo esta abordagem teórica, todos devem ter acesso ao patrimônio cultural e ao conhecimento sistematizado ao longo do tempo. Por isso deve ampliar o universo cultural do aluno, a sensibilização em relação ao seu meio ambiente e a busca da expressão individual e coletiva que lhe satisfaçam e preparem para a outra busca maior de transformação da sociedade. Mesmo sabendo que a sociedade dominante centraliza a produção e o consumo da arte, não reconhecendo a produção popular. A sensibilização e a livre expressão sem a leitura crítica que avalie a produção, de nada serve.

Referências Bibliográfica

Colao, Magda. A formação do técnico e do tecnólogo no curso de viticultura e enologia do Centro federal de educação Tecnológica de Bento Gonçalves-RS e a educação Profissional. Um estudo de caso. Tese doutoral. UFRGS. Porto Alegre. 2005. p. 324.

Marx, Karl. Contribuição a Crítica da Economia Política. São Paulo, Editora Martins Fontes, 1983, p. 289

Siqueira, Janes. A luta do jovem que trabalha e estuda nas escolas estaduais de Porto Alegre/RS. Um estudo de Caso. Porto Alegre. UFRGS. 2004. Tese de doutorado.

Triviños, Augusto Nibaldo S.. A formação do Educador como Pesquisador no Mercosul ? Conesul. Porto alegre: Editora da UFRGS.2003.

Viero, Anésia. A Educação dos Professores. Reconstituindo as Dimensões do Trabalho do Educador do Serviço de Educação de Jovens e Adultos de Porto Alegre. Porto alegre. UFRGS. 2001. Dissertação de Mestrado.

Viero, Anésia; Siqueira, Janes Fraga; Viegas, Moacir Fernando. As Políticas Públicas e as Concepções de Educação de Jovens e Adultos no Brasil no contexto da reestruturação capitalista. Reflexão e Ação. V.07, nº 2 (jul/dez) 1999. Santa Cruz do Sul: Editora da UNISC. 2000.




[1] Colao, Magda. A formação do técnico e do tecnólogo no curso de viticultura e enologia do Centro federal de educação Tecnológica de Bento Gonçalves-RS e a educação Profissional. Um estudo de caso. Tese doutoral. UFRGS. Porto Alegre. 2005. p. 324.
[2] Viero, Anézia. Currículo em EJA – constituição das áreas de conhecimentos: aspectos teóricos e práticos. 2002. documento digitado.
[3] Ex-coordenadora e atual professora do Centro Municipal de Educação dos trabalhadores Paulo Freire.
[4] Viero, Anézia. Op cit. p. 03.
[5] Triviños, Augusto Nibaldo S.. A formação do Educador como Pesquisador no Mercosul ? Conesul. Porto alegre: Editora da UFRGS.2003.
[6] Viero, Anézia. Op cit. p. 07

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