sábado, 18 de outubro de 2008

FORDISMO

Fordismo

A atual dinâmica do capitalismo contemporâneo vem trazendo grandes mudanças para as cidades e para as economias nacionais. A globalização econômica trouxe uma nova realidade para os países: o conceito de Estado-Nação vem perdendo força. Ou seja, o intercâmbio econômico e social são a tônica desse final de centúria.
Os mercados financeiros, a informação e as transnacionais, entre outros fatores, cumprem um papel preponderante na globalização: o mundo é considerado uno. As novas tecnologias também afetam as esferas econômicas e sociais; o desemprego, a desindustrialização e a reorganização industrial, chamam a atenção dos estudiosos.
Com esse quadro, as ciências sociais alimentam o debate no processo de obtenção de respostas para as indagações que surgem no espectro da pesquisa urbana. Qual o processo em curso? É possível revertê-lo? Para onde vamos? Essas são apenas algumas das dezenas indagações que surgem.
No campo teórico, várias linhas de análise vêm ganhando destaque. A primeira coloca o" processo de acumulação do capital no centro das análises de urbanização"[1][1]. Outro pólo teórico, não concorda totalmente que o aspecto econômico possa explicar a atual dinâmica dos processos sociais. Seguindo-se a essa discussão, um segundo grupo afirma que não se pode privilegiar nem o aspecto econômico nem os aspectos dos movimentos sociais e políticos somente. A questão fundamental desse grupo. A questão fundamental desse grupo, são as análises microssociológicas ou etnográficos[2][2].
Finalmente chegamos ao campo teórico que norteará o nosso trabalho: a Escola da Regulação Francesa. Em torno de todo esse debate sobre os atuais dilemas do capitalismo e sua compreensão, a teoria da regulação tomou forma através de Aglietta, Boyer e Mistral, Coriat e Lipietz. O aspecto fundamental desse campo teórico é a recusa a uma visão quantitativa-contábil da acumulação capitalista[3][3].
Dois conceitos são fundamentais para a compreensão da teoria da regulação: regime de acumulação e modo de regulação. O regime de acumulação seria,
"(...) um determinado modo de transformação e compatível de normas de produção de distribuição e de uso. Esse regime assenta-se sobre princípios gerais de organização do trabalho e de uso das técnicas que constituem um paradigma tecnológico"[4][4].
O modo de regulação compreenderia uma superestrutura, onde se daria a consolidação dos mecanismo sociais e jurídicos, para o funcionamento do regime de acumulação. Ou melhor,
'(...) o conjunto de normas (incorporadas ou explícitas), instituições, mecanismos de compensação, dispositivos de informação que ajustam , permanentemente, as antecipações e os comportamentos individuais à lógica de conjunto do regime de acumulação"[5][5].
No campo político, a coesão seria mantida através de compromissos aceitos pelos diferentes grupos sociais antagônicos, ou seja, o chamado Bloco Social.
O atual momento seria compreendido por uma crise que dita as atuais transformações do capitalismo. A crise seria do regime fordista de acumulação (do seu modelo de organização do trabalho, o taylorismo) e do seu modo de regulação (o Welfare State).
Apesar das críticas à teoria da regulação[6][6], acreditamos ser esse o melhor espectro teórico de análise na busca da compreensão da reestruturação urbana e industrial atual.

O FORDISMO

O regime de acumulação fordista teve a sua origem nos EUA e no pós-guerra irradiou-se para o mundo. O fordismo aliou os princípios tayloristas (divisão do trabalho manual e intelectual) - pesquisa e desenvolvimento, engenharia e organização racional do trabalho/execução desqualificada - ao seu pressuposto do know-how coletivo. Harvey ressalta dá seguinte maneira o regime de acumulação fordista:
"O que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que a produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução do trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista"[7][7].
Harvey[8][8] situa hipoteticamente o início do fordismo na fábrica de Henry Ford em Michigan. O ano seria 1914, quando Ford estabelece o dia de trabalho em 8 horas e a recompensa de cinco dólares para os trabalhadores de sua linha de montagem automática. O fordismo consolida-se. na realidade o que Ford propunha era uma sociedade baseada no consumo de massa e para isso, deveriam haver condições para tal.
A linha de montagem automática facilitaria o aumento da produtividade, do lazer e conseqüentemente o consumo. Ford acreditava em um poder corporativo poderia regulamentar a economia como um todo. com essas características amplas o fordismo proporcionou uma rápida elevação do investimento e do consumo per capita[9][9].
Na realidade, o modo de produção capitalista tem como característica fundamental a incoerência de suas relações. As crises cíclicas são inerentes ao sistema. A superprodução e conseqüentemente o problema da demanda efetiva, são problemas importantes para a manutenção do sistema. Entretanto, o que Ford previra antes da Depressão só foi visualizado, com clareza, após ela.
No período entre-guerras, o fordismo, encontrou vários obstáculos para a sua propagação. O primeiro obstáculo, segundo Harvey[10][10]foi:
"(...) o estado de relações e classe no mundo capitalista, dificilmente era propício à fácil aceitação de um sistema de um sistema de produção que se apoiava tanto na familiarização do trabalho puramente rotinizado, exigindo pouco das habilidades manuais tradicionais e concedendo um controle quase inexistente ao trabalhador sobre o projeto, o ritmo e a organização do processo produtivo".
O segundo obstáculo...
"(...) [eram] os modos e mecanismos de intervenção estatal. Foi necessário conceber um novo modo de regulamentação para atender aos requisitos de produção fordista; e foi preciso o choque da depressão selvagem e do quase-colapso do capitalismo na década de 30 para que as sociedades capitalistas chegassem a alguma nova concepção da forma e do uso dos poderes do estado".
Somente no pós-guerra esses problemas foram sanados. A principal questão a ser encarada era a conexão de controles estatais que desse uma estabilização ao sistema capitalista e superasse a falta de demanda efetiva. Assim, aliou-se a regulação estatal e a administração científica.
O fordismo incorporou a regulação econômica keynesiana que constituiu uma estabilidade considerável do regime de acumulação, onde:
"(...) O Estado teve que assumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderes institucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura; e o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativas ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção. O equilíbrio de poder tenso mais mesmo assim firme, que prevalecia entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e a nação-Estado, e que formou a base do poder da expansão do pós-guerra."[11][11]
O fordismo enquanto modo de regulação, tem as seguintes características[12][12]:
· · estabilidade nas relações de trabalho: convenções coletivas, o Welfare State, a legislação;
· · relações entre bancos e firmas amenas: subcontratações de empresas para tarefas especializadas:
· · controle da moeda pelo Banco central e
· · participação importante do Estado na regulação econômica.
Como regime de acumulação, o fordismo privilegiou fundamentalmente a escala nacional. Toda a sua produção é voltada para o mercado interno, já que a padronização dos produtos e as técnicas repetitivas da linha de montagem, barateia os custos da empreitada.
Numa perspectiva global, o fordismo consolidou nos países desenvolvidos de maneira desigual. Alemanha ocidental, França, Inglaterra e Itália, traçaram caminhos diferenciados no tocante às relações de trabalho, ao investimento público, às políticas monetárias e fiscais, etc. Apesar dessa variedade de caminhos, os EUA mantiveram o domínio político e, conseqüentemente econômico, sobre a economia mundial. Em Bretton Woods (1944), o dólar passou a ser moeda-reserva mundial, configurando a supremacia norte-americana.
A globalização do fordismo nos países desenvolvidos da Europa, foi facilitado pela ajuda norte-americana no período anterior à Segunda Guerra. Os EUA deslocaram os seus excedentes produtivos para o Velho Mundo, incorporando-o ao regime de acumulação fordista.
Em termos de relações de trabalho, nos deteremos aos EUA. Sob o fordismo, estas relações sempre estiveram ligadas a um paradoxo: o grande contingente de trabalhadores nas fábricas, trazia o perigo de um aumento do poder da classe. Para eliminar tal possibilidade, a burguesia direcionou uma política de ataques ao movimento sindical sob o argumento de “aparelhamento comunista” dos sindicatos.
Em 1933, os sindicatos haviam adquirido o poder de negociação coletiva, com a Lei Wagner. Agora no pós-guerra, esta lei dificultava os objetivos da burguesia. No auge da histeria macarthista, os sindicatos sucumbiram ao controle da Lei Taft-Hartley[13][13].
Entretanto, os sindicatos mantiveram um relativo poder nas indústrias de produção de massa, seja no Nordeste ou no Meio-Oeste. Deve-se assinalar que tal poder, resumia-se às questões meramente sociais e não políticas.

A CRISE DO FORDISMO

A crise do sistema fordista de produção teve início no final dos anos 60. A produtividade, capitaneada pelo taylorismo, perdeu o seu fôlego. O poder aquisitivo dos trabalhadores crescia num ritmo maior e, conseqüentemente, as taxas de lucros caíam. Paralelamente a isso, tanto o Japão como a Europa Ocidental, já haviam se recuperado, economicamente e a sua produção industrial gerava excedentes, favorecendo as exportações.
A competição internacional acirrava-se, com a inclusão da América Latina e dos países do sudeste asiático, ocasionando a queda do dólar, moeda-reserva mundial e, conseqüentemente, aumentando o problema fiscal norte americano. A solução encontrada ( como sempre ) foi a dispensa de trabalhadores. Entretanto, a rigidez do contrato de trabalho sobrecarregou a arrecadação do Welfare State. A crise do petróleo colaborou ainda mais para o declínio do fordismo. A extração da renda do petróleo acelerou esta primeira conseqüência: crise da organização do trabalho - crise de investimento - crise do Welfare state[14][14].
O fordismo e a regulação econômica keynesiana, no período de 8 anos (65 a 73), não conseguiu solucionar esses problemas. A problemática intrínseca ao capitalismo perdurou. Aliás, o problema estava,
"(...) [na] rigidez dos investimentos de capital fixo de longa escala em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes.
(...) A rigidez dos compromissos do estado foi se intensificando à medida que programas de assistência ( seguridade social, direitos de pensão, etc. ) aumentavam a pressão para manter a legitimidade num momento em que a rigidez na produção restringia expansões da base fiscal para gastos públicos. O único instrumento de resposta flexível estava na política monetária, na capacidade de imprimir moeda em qualquer montante que parecesse necessário para manter a economia estável"[15][15]
Harvey vai mais longe e afirma que:
"A profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do petróleo, evidentemente retirou o mundo capitalista do sufocante torpor da estagflação (estagnação da produção de bens e alta de inflação de preços) e pôs em movimento um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista. Em conseqüência, as décadas de 70 e 80 foram um conturbado período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político. no espaço social criado por todas essas oscilações e incertezas, uma série de novas experiências nos domínios da organização industrial e da vida social e política começou a tomar forma. essas experiências podem representar os primeiros ímpetos da paisagem para um regime de acumulação inteiramente novo, associado com um sistema de regulamentação política e social bem distinta".
Com essas contradições, inicia-se a transição do fordismo para o pós-fordismo ou a acumulação flexível.

O PÓS-FORDISMO


O processo de crise do sistema fordista de produção, desencadeou uma série de experiências que visavam dar um “novo ânimo” ao sistema capitalista. O que marca o pós-fordismo ou a acumulação flexível é a contraposição ao paradigma fordista; ou seja, a rigidez estabelecida neste regime de acumulação e que levou à sua própria deteriorização pela “flexibilidade”.
O processo de produção foi flexibilizado, desarticulando tudo o que existia até então. Na realidade, o que se observou, foi uma revolução tecnológica cuja principal meta era reverter o quadro da crise fordista: a queda da produtividade e da lucratividade. Tavares16 elucida que:
"Contrariamente à rigidez que caracterizava o taylorismo-fordismo, as novas tecnologias buscam obter o máximo de flexibilidade no que respeita a processos de produção, desenhos e produtos, bem como a ocupação da força de trabalho".
Não obstante, Harvey17 coloca que:
"A acumulação flexível (...) é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, novos mercados de trabalho, dos produtos e padrões. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego do chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas ( tais como, a Terceira Itália, Flandes, vários vales e gargantas de silício, para não falar da vasta profusão de atividades dos países recém-industrializados )".
Leborgne e Lipietz18 apontam, entretanto, alguns problemas para o uso dessas inovações tecnológicas. As panes nos sistemas, as máquinas obsoletas e os custos com a manutenção, são problemas que devem ser levados em consideração. Mas mesmo assim, salientam que:
A principal característica da revolução tecnológica atual é a invasão do microprocessador e das interfaces eletrônica não apenas em novos produtos, mas também no próprio processo de trabalho: a microeletrônica redefine o próprio significado da automação.
No bojo dessa nova dinâmica capitalista, a acumulação flexível foi tomando corpo, provocado uma grande rearticulação em todos os níveis sociais e econômicos. As relações de trabalho e a estrutura industrial, acompanharam o novo ritmo.
A flexibilidade caracteriza-se na organização do trabalho, na tecnologia e nas novas estruturas institucionais surgidas. A subempreitada acentuou-se, juntamente na sociedade entre produtos complementares. Conseqüentemente, os padrões de consumos foram fragmentados e privatizados; a desintegração vertical tomou impulso e os pequenos e médios produtores especializaram-se.
As novas bases da dinâmica concorrencial capitalista sofreram mudanças, ou seja, o eixo dessa concorrência migrou do preço para os novos modelos de produtos adaptados ao mercado. os mercados tornaram-se imprevisíveis e volúveis, ocasionado uma produção diferenciada e adequada à nova realidade. A produção procurou ocupar esses nichos lucrativos19.
A acumulação flexível visa conviver com a atual saturação decorrente da economia baseada em práticas fordistas e a seletividade; daí a variedade de tipos e tamanhos ofertados20. Dessa maneira, ocorre um aumento de importância das pequenas e médias empresas, favorecendo ao intercâmbio, as subcontratações e outras relações de interdependência.

FLEXIBILIDADE E TRABALHO

Com a redução das margens de lucro, o patronato procurou “flexibilizar” as relações de trabalho, visando recompor o optimum de lucratividade. Como já salientamos, a rigidez fordista colaborou para o declínio desse modelo de acumulação e a saída encontrada, entre outras, foi atacar o contrato de trabalho.
A relação rígida sofreu uma grande alteração, onde o modo de regulação (o Welfare State), foi desmantelado gradativamente. A outrora estabilidade do contrato de trabalho foi solapada, aproveitando-se do enfraquecimento do poder sindical e da mão-de-obra excedente em virtude da crise21.
O antigo trabalho do tipo regular foi ocupado por trabalhos temporários, parciais e até subcontratados. Se no fordismo o operário não participava do processo de fabricação, no pós-fordismo ocorrerá o contrário: reagrupa-se o que taylorismo havia dicotomizado, ou seja, os aspectos manuais e intelectuais do trabalho22 .
Havia que:
"O know-how adquirido por meio do aprendizado direto na manutenção e no dia-a-dia do processo de produtividade deve poder ser formalizado e assimilado pelo pessoal de Organização & Métodos e de Engenharia"23.
Dessa maneira, Leborgne e Lipietz24 localizam três tipos de relações profissionais que vão caracterizar a flexibilização do contrato de trabalho: polarização contínua, negociação individual do engajamento e negociação coletiva do engajamento. O principal ponto a ser realçado é a troca de interesses ou vantagens, quer no âmbito particular como no coletivo. Os dois salientam ainda que nenhum desses três tipos são hegemônicos.
No quadro da flexibilidade, essas relações possuirão denominações específicas, sendo a primeira a via Neotaylorista. Nela, aprofundam-se os princípios tayloristas e a automação, com a diminuição das regalias fordistas para os trabalhadores. EUA, Grã-Bretanha e França são adeptos desta via.
Na segunda via, estão o Japão, Alemanha e Itália (Norte), com a Kalkariana25. Evolução tecnológica e seguridade fordista (segurança de emprego, salários altos, etc.), compõem a via Kalkariana.
Finalmente chegamos à via Californiana, onde o engajamento individual é incentivado é incentivado, através da diferenciação salarial, além da possibilidade de “perda” de emprego. notamos nessa via o que Leborgne e Lipietz chamam de remercantilização da relação salarial.

REESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO INDUSTRIAL

O surgimento de novos distritos industriais e a reestruturação do espaço industrial, possuem a sua origem no regime de acumulação pós-fordista. Tanto a Europa Ocidental, como os EUA vêm passando por esse processo de reaglomeração da atividade econômica. O sistema pós-fordista de produção acentua-se em várias formas de flexibilidade, tanto em termos tecnológicos como na organização da produção. Os pequenos e médios produtores são especializados, ocasionando a subcontratação e a dependência. Tais processos corroboram a desintegração vertical.
A desintegração vertical reflete-se na descentralização das etapas de produção que passam a ser executadas fora da empresa, ou seja, empresas menores são contratadas. As principais razões para o fenômeno são as incertezas inerentes do mercado, que causam problemas na estrutura vertical da empresa e a possibilidade de maiores lucros com as economias externas, além da diminuição constante dos custos de produção. Assim, Boddy mostra que,
"A concentração espacial, a aglomeração, é estimulada principalmente pelos custos transnacionais espacialmente dependentes"26.
Onde,
"(...) a dinâmica da organização industrial (...), provoca o surgimento de uma tendência de aglomeração dos produtos em vários locais de paisagem da sociedade capitalista. Essas aglomerações se formaram a partir de redes compactas de inter-relações transnacionais que vão constituindo, à medida que se aprofunda a divisão do trabalho e à medida que grupos específicos de produtores são obrigados a interagir entre eles de maneira intensa e multiforme"27.
Não obstante,
"Essas transações incluem tanto fluxos de bens como de informações. A escala desses fluxos se amplia com as relações de subcontratação, cooperação e interdependência. Amplia-se também pela necessidade que o complexo de produção flexível tem de integrar a concepção e a execução-desenvolvimento do produto, produção, marketing e apoio ao consumidor. A dependência dessas articulações leva à aglomeração"28.
As mudanças tecnológicas também são responsáveis pela reorganização do espaço industrial. O principal modelo é o Just In Time, onde através da informática é possível,
Trabalhar com estoques mínimos, devido ao fluxo permanente de entrega de componentes e matéria-primas, rápidos ajustes sobre alterações de pedidos29.
Além do Just In Time, a inovação tecnológica abrange o Celular Quality Control (CRQ). Na pesquisa e no desenho, na comercialização e na administração, aparecem a tecnologia do Computer Aided Design (CAM) e Computer Integrated Global Manufacturing Systems (CIGMS).
A localização de novos centros industriais ocorrem também em função do mercado de trabalho, tanto no tocante à fartura de mão-de-obra como na debilidade da organização sindical. Ou seja, as periferias nacionais com as características acima, são procuradas com maior assiduidade.

COMPLEXOS DE ALTA TECNOLOGIA: OS TECNOPÓLOS

Com o advento das novas tecnologias, o espaço industrial vem sofrendo grande mudanças. A principal delas refere-se à criação de áreas de alto nível tecnológico no campo da microeletrônica, principalmente. Lima30 nos mostra que,
"As primeiras experiências no mundo nasceram fora do planejamento específico do Estado ou de corporações, respondendo a necessidades militares dos Estados Unidos, centros de pesquisa na Califórnia, respaldados por elevadas verbas do departamento de Estado, oferecendo condições para a implementação de empresas de alta tecnologia na área da microeletrônica". (...)
A formação de complexos de alta tecnologia, os tecnopólos, fazem parte de uma tendência mundial no bojo da acumulação flexível. Cada vez mais, abandonam-se as práticas de produção fordista. Outro ponto que deve ser destacado é a associação entre universidades e centros de pesquisa, sob o comando de empresários e pesquisadores.
O capital realoca onde haja maiores possibilidades de lucro seguro. As condições "(...) demonstram que os tecnopólos têm esse ingrediente exigido pelo capital, tornando-os lugares atrativos internacionalmente".31
O tecnopólo é um "sítio de acolhimento de complexos industriais que se fundam na associação de conhecimento científico e tecnológico"32. Entretanto, os tecnopólos não são vistos somente por esse prisma. Podem, também, possuir “outras funções”, como por exemplo, promover a reindustrialização de áreas decadentes (Turim e Boston); ou ainda, descentralizar os altos adensamentos demográficos (Tsukuda, no Japão), entre outras funções33. Para ilustrar melhor a formação dos tecnopólos, nos deteremos nos exemplos norte-americano e francês.
O Silicon Valley foi originado da Universidade de Stanford, no processo de incrementação da microeletrônica. Criou-se o Stanford Industrial Park, com toda a infra-estrutura: bibliotecas, livrarias, hospitais, etc. Tavares34 coloca que grandes investimentos foram destinados progressivamente: 500 mil dólares em 1955; 2 milhões, em 1965; 7 milhões, em 1976 e 24 milhões em 1981. A Hewlett Packard, a Varian e a Lokeed, foram as empresas pioneiras na instalação dos tecnopólos. Em 1980, eram 90 empresas.
Geograficamente, o Silicon Valley situa-se ao sul San Francisco, entre Palo Alto e San Jose. Possui uma área de 15 km de largura por 50 km de comprimento. Entretanto, as principais indústrias de alta tecnologia se localizam na área da baía de San Francisco. O principal fator para a produção do tecnopólo foram os semi-condutores e o silício como sua matéria-prima.
O mercado de trabalho compreende um grupo altamente especializado e qualificado, e outro de baixa qualificação (mulheres e imigrados). Devemos salientar que o nível de sindicalização é baixíssimo. Característica marcante na implantação do tecnopólo.
No caso francês, os anos 80 foram marcados pela presença de complexos industriais portuários, notadamente Dunkerque e Fos. Paralelamente a DATAR (Delegation de L’Amenagement du Territoire) "os tecnopólos são um meio de equilibrar o território de numerosas regiões, entre cidades de porte internacional, cidades médias e o interior"35 . Até o início da década de 90, existiam 50 tecnopólos em toda a França, sendo o principal de Sophia Antipolis (Nice). Aliás, em atividade desde 1969.
Sophia Antipolis foi inspirado no exemplo norte-americano. Em seu projeto existia a mesma preocupação do Silicon Valley: a criação de uma grande infra-estrutura que propiciasse um bom retorno em relação aos investimentos aplicados. Entretanto, a iniciativa foi individual e, posteriormente, o Estado associou-se . A concepção foi de Pierre Lafitte, político e cientista.
Em 1970, nascia o Parque Internacional de Atividades de Valbonne-Sophia Antipolis. Até 1991, 14.267 empregos estavam ligados a Sophia Antipolis, nas áreas de eletrônica-informática, telecomunicações-telemática, ciência da saúde, química, etc36 .
Dessa maneira, observamos que os tecnopólos são cada vez mais uma realidade presente nos países centrais
No mundo desenvolvido, podemos apontar como exemplo a Terceira Itália (Emília-Romana) e Corredor M 4 (Cambridge, Inglaterra). No Brasil com as devidas proporções, podemos citar a EMBRAER, o CTA/ITA e o INPE, que são alguns exemplos próximos aos tecnopólos.

CONCLUSÃO

Como podemos observar ao longo de nossa de nossa dissertação, as grandes mudanças tecnológicas foram de fundamental importância para a introdução no pós-fordismo. O microprocessador e as novas interfaces eletrônicas assumiram um papel de ponta em todo esse processo. Inclusive, o final deste século caracteriza-se por esse aspecto: a Terceira Revolução Industrial ou a Revolução Tecno-científica, encurtaram profundamente as distâncias e a organização da produção.
O fordismo cumpriu um papel importante na formação de um grande mercado de consumo de massa, através da elevação do investimento per capita. Entretanto, o sistema chegava ao colapso no final dos anos 60 e início dos anos 70.
As relações foram profundamente alteradas, principalmente no que se refere a desarticulação do “trabalho rígido” que foi substituído pelo “trabalho flexível”. O ataque ao Welfare State, foi de fundamental importância na consolidação desse processo. Sem as amarras do sistema que permitia amplas garantias aos trabalhadores, surgiu a flexibilidade esperada. Com essa flexibilidade foi possível diminuir os custos e recuperar a produtividade.
Por outro lado, os países centrais aumentaram os investimentos tecnológicos que tiveram início nos anos 50, quando foi criado o primeiro tecnopólo, o Silicon Valley. Atualmente, quase todos os países apresentam tais centros de excelência tecnológica.
O domínio da tecnologia de ponta é uma condição sine qua non para se trilhar os caminhos do desenvolvimento econômico, servindo inclusive como uma lição para os países subdesenvolvidos industrializados, entre eles o Brasil. Infelizmente estamos atrasados no processo tecnológico.
A pouca importância dada a pesquisa e ao desenvolvimento, através da falta de recurso nas universidades, acentuam nossa dependência das “tecnologias estrangeiras”. Sem investimento nesses setores, ficamos à mercê da tirania dos altos preços das tecnologias que, não raro, são de antepenúltima geração.
Com a chegada da globalização, os mercados são disputados com grande afinco, onde a vantagem, são daqueles que possuem maior competitividade. Os Tigres Asiáticos saíram na frente e já despontam na produção tecnológica mais sofisticada.
Certamente não haverá grandes alterações no atual ranking dos países que dominam as tecnologias avançadas, cabendo ao países Terceiro Mundo tentar alcança-los. Somente uma política de investimentos no setor tecnológicos poderá romper tal perspectiva.

NOTAS
[16][1] L. Valladares & E. Preteceille. Reestruturação Urbana-Tendências e Desafios (Orgs.), Rio de Janeiro, Nobel/Iuperj, 1990, p.7.
[17][2] Ibid, p. 8
[18][3] Ibid, p. 9
[19][4] D. Leborgne & A. Lipietz. Flexibilidade Defensiva ou Flexibilidade Ofensiva: Os Desafios das Novas Tecnologias e da Competição Mundial, In: Reestruturação Urbana-Tendências e Desafios (Orgs.), Rio de Janeiro, Nobel/IUPERJ, 1990, p. 18.
[20][5] Ibid., p. 18.
[21][6] M. Boddy. Reestruturação Industrial, Pós-Fordismo e Novos Espaços Industriais, In: Reestruturação-Tendências e Desafios, Rio de janeiro, Nobel/IUPERJ, 1990, p.49 a 54.
[22][7] D. Harvey, Condição Pós-Moderna, São Paulo, Edições Loyola, 1992, p. 121.
[23][8] Ibid., p. 121.
[24][9] D. Leborgne & Lipietz, Op. cit., p. 20.
[25][10] Op. cit., p.123 e 124.
[26][11] Ibid., p. 125
[27][12] Op. Cit., p. 20
[28][13] Op. Cit., p. 128.
[29][14] D. Leborgne & A. Lipietz, Op. Cit., p.22.
[30][15] D. Harvey, Op. Cit., p. 135 136.
16 H. M. Tavares, Complexos de Altas Tecnologia e Reestruturação do Espaço, In: Caderno IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro, V, VII, 1, 1993, p.41.
17 D. Harvey, Op. cit., p. 140.
18 Op. cit., p. 25.
19 M. Boddy, Op. cit., p. 46.
20 Op. cit., p. 41.
21 Ver D. Harvey, Op., cit., p.143.
22 Ver D. Leborgne & A. Lipietz, Op. cit., p.26.
23 Ibid., p. 26.
24 Ibid., p. 27.
25 Ver origem do termo em D. Leborgne & A. Lipietz, Op. Cit., p. 28.
26 M. Boddy. Op. cit., p.47
27 Ibid., citando Scott, p.47.
28 Ibid., p.47.
29 H. M. Tavares, Op. cit., p.42.
30 L. C. Lima. Tecnopólo: A Formação de uma nova territorialidade, In: O Novo Mapa do Mundo - Fim de Século e Globalização (Orgs.). São Paulo, Hucitec/ANPUR, 1993, p. 286.
31 Ibid., p. 288.
32 H. M. Tavares, Op. cit., p. 139.
33 Ver, Op. cit., p. 286 e 287.
34 Op. cit., p. 44.
35 Tavares cita o Le Monde Diplomatique, Op. cit., p. 45
36 Op. cit., p. 46.


BIBLIOGRAFIA

BENKO, Georges. Os Novos Espaços Industriais: a lógica locacional. In: Cadernos IPPUR/UFRJ, v. VII, nº 1.
BODDY, M. Reestruturação Industrial, Pós-Fordismo e Novos Espaços Industriais. In: Reestruturação Urbana — Tendências e Desafios (Orgs.). Rio de Janeiro, Nobel/IUPERJ, 1990.
GUNN, Philip. A Indústria Automobilística nos Anos Recentes: as inflexibilidades da globalização. In: O Novo Mapa do Mundo — Fim de século e Globalização (orgs.). São Paulo, Hucitec/ANPUR, 1993.
HARVEY, DAVID. Condição Pós-Moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1992.
LEBORGNE, D. & LIPIETZ, ALAIN. Flexibilidade Defensiva ou Flexibilidade Ofensiva: os desafios das novas tecnologias e da competição mundial. In: Reestruturação Urbana — Tendências e Desafios (Orgs.). Rio de Janeiro, Nobel/IUPERJ, 1990.
LIMA, L. Costa. A Formação de uma Nova Territorialidade In: O Novo Mapa do Mundo — Fim de Século e Globalização (Orgs.). São Paulo, Hucitec/ANPUR, 1993.
TAVARES, H. T. Complexos de Alta Tecnologia e Reestruturação do Espaço. In: Caderno IPPUR/UFRJ. Rio de Janeiro, 1993.
VALLADARES, L. & PRETECEILLE, E. Reestruturação Urbana — Tendências e Desafios (Orgs.). Rio de Janeiro, Nobel/IUPERJ, 1990.

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