sábado, 18 de outubro de 2008

RESUMO DO LIVRO DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISMO - ELLEN WOOD

RESUMO DEMOCRACIA CONTRA CAPITALISMO - WOOD

PREFÁCIO
1. Presença de um Movimento em direção à democracia inicia a eclodir em algumas partes do Mundo.
Enquanto esta obra estava sendo publicada no ano de 1995 ocorriam no mundo alguns sinais de oposição ao neoliberalismo e à globalização. A onda atual de anticapitalismo se manifestou em Seattle, Gênova, Porto Alegre e em outros que estava vir.

2. O que é democracia? A obra considera o que está na origem do nome: o governo pelo povo ou pelo poder do povo.
O que querem dizer os “anticapitalistas” quando lutam pela democracia?
Qual o significado e meios para chegarmos à democracia?

3. Democracia significa o desafio ao governo de classe.
compreendida como: direito ao voto como também pode significar a reversão do governo de classe, em que o demos – o homem comum – desafia a dominação dos ricos.

4. Anticapitalismo
O balanço entre os extremos e sua incompatibilidade: capitalismo x democracia.
Há os que são compatíveis com os dois conceitos e dizem capitalismo reformado. Acreditam num capitalismo humano, social, democrático e Wood contesta que é mais utópico do que o socialismo.
Há os que acreditam que o capitalismo é, na essência, incompatível com a democracia. A convicção desta obra segue aqui.

5. O que representa o capitalismo?
Capitalismo representa o governo de classe pelo capital e limita o poder do povo.
Não existe um capitalismo governado pelo poder popular.
Não há capitalismo onde a vontade do povo impere e seja atendida diante à caça da mais valia. Os imperativos do lucro, acumulação definem as condições mais básicas de vida.
É antitético à democracia e está submetido aos ditames da lógica do capital e às leis da mercadoria.
Expurga, elimina todo e qualquer sinal de melhoria d qualidade de vida para o povo.
As práticas humanas são transformadas em mercadorias e assim permanecem frágeis para a construção do poder democrático.
Destransformação da mercadoria, a eliminação da coisificação o fim do capitalismo .
O capital precisa do Estado para manter a ordem e garantir as condições de acumulação.

6. A globalização penetrou todos os aspectos de via e se espalhou para muito além do alcance de qualquer comunidade política não ter força para desafia ro capital.

7. Hoje vivemos uma contradição crescente entre o alcance global das forças econômicas e as instituições de administração e repressão locais e territoriais de que o capital ainda necessita ( guerras sem objetivos, terrorismo).

8. Ainda há esperança
Enquanto o capital depender dos Estados locais, e estes sendo um pólo de potencialmente útil para as forças de oposição, a autora acredita que as lutas democráticas visando alterar o equilíbrio das forças de classe talvez representa o maior desafio ao capital.
Os movimentos anticapitalistas necessitam muito com experiências de governo como o de POA. Quiçá além Brasil.



Introdução
As principais idéias da introdução do livro:
I – O colapso do comunismo representa o fim do marxismo.
a) É muito estranho que justamente no momento de triunfo consumista do capitalismo, alguém pudesse imaginar que houvesse na sociedade, um espaço para esboçar uma critica do capitalismo, principal projeto marxista.
b) Por que a crítica do capitalismo está fora de moda? O triunfo do capitalismo se espelhava, na esquerda e se posicionava contrário as aspirações socialistas. Se este não existe mais, qual é o triunfo do capitalismo?
c) Os intelectuais de esquerda seduziram-se por este falso triunfalismo e quando não concordam que o capitalismo é o melhor sistema possível, limitam-se a sonhar com um espaço de resistências locais e interesses particulares, sem considerar a totalidade social.
d) Exatamente no momento que faz necessário uma compreensão crítica do sistema capitalista, grandes seções da esquerda intelectual, ao invés de aprofundar os conceitos necessários à critica do sistema, desistem de criticar o capitalismo.
e) “O pós-marxismo” cedeu lugar ao culto do pós-modernismo e seus princípios de contingência, fragmentação e heterogeneidade a qualquer noção de totalidade, sistema, estrutura, processo e “grande narrativa”.

II – Todas estas hostilidades se entendem à idéia de capitalismo como sistema social, ela não evita que o pós-modernistas tratem o “mercado” como se fosse uma lei natural, universal e inevitável.
a) Por um lado, estas idéias bloqueiam o aceso à critica do sistema negando a sua unidade sistêmica e na insistência da impossibilidade de conhecimentos totalizadores. Por outro, impõe suas idéias como únicas.
b) A fragmentação e a contingência pós-modernista se unem aqui à estranha aliança com a “grande narrativa” e o “fim da história”.
c) Os intelectuais de esquerda ao invés de questionarem o capitalismo vêm tentando definir novas formas de se relacionarem com ele. Uma das formas é criar espaços para discursos e identidades alternativos.
d) Um dos discursos é o caráter fragmentário do capitalismo avançado, essa fragmentação caracteriza-se pela cultura do pós-modernismo, pela economia política do pós-fordismo e pela convicção de que o capitalismo chegou para ficar, esta é a perspectiva histórica previsível.
e) A reformulação da relação de esquerda com o capitalismo mudou o discurso tradicional da esquerda. A economia política e a história foram substituídos pelo estudo do discurso, do texto e da cultura de identidade.
III – A especificidade histórica do capitalismo
Wood propõe partir da premissa de que a crítica do capitalismo é urgente e necessária e que o marxismo histórico ainda oferece a melhor base sobre a qual é possível construí-la, e que o elemento crítico do marxismo está acima de tudo, em sua insistência na especificidade histórica, com ênfase tanto na especificidade de sua lógica sistêmica, quanto na sua historicidade.
a) É justo que um conjunto de obras do final do século XIX não seja adequado às condições materiais do final do século XX. Mas não é tão evidente que haja surgido qualquer outra coisa, durante este período, que ofereça uma base melhor para a análise crítica do capitalismo. O marxismo tem uma vantagem sobre todos os sistemas teóricos, econômicos e socais que tentaram superá-lo: o fato de submeter o capitalismo ao exame crítico e também as categorias e leis a ele associadas.
b) A economia política clássica apesar de ter explicado a mecânica do capitalismo foi incapaz, segundo Marx, de penetrar na sua superficialidade, sob as aparências reais. Daí a necessidade de uma critica do capitalismo por meio de uma critica da economia política que reconhecesse a especificidade histórica e sistêmica do capitalismo e a necessidade de explicar o que a economia política aceitava como dado.
c) Uma crítica a economia política no final do século XX teria de ser conduzida pelas mesmas linhas. Deveria levar em conta não só as grandes mudanças por que passou a economia política do final do século XIX, mas também dos novos sistemas teóricos que surgiram para incluí-las.
d) Abandonou-se a crítica da economia política, junto com as idéias do materialismo histórico. Ou seja, de que o modo de produção tem uma lógica sistêmica própria e não pode ser tratada como “leis do movimento” do capitalismo, como leis universais da história.

IV – Existem duas teorias principais da história do marxismo: (p. 15)
Materialismo histórico crítico, que tem suas raízes na crítica da economia política.
2) Uma tendência contrária de buscar na teoria marxista aspectos mais compatíveis com a ideologia capitalista, em favor de um determinismo tecnológico e da sucessão unilinear de uma sucessão de modos de produção. Nessa concepção, o modo de produção mais produtivo se sucede ao menos produtivo como uma lei universal da natureza.
a) O núcleo do materialismo histórico foi a insistência da historicidade e especificidade do capitalismo e a negação de que suas leis fossem as leis universais.
b) O outro materialismo, acrítico, repudiava tudo o que Marx afirmou contra o materialismo metafísico e a-histórico. Estes marxistas desenvolveram algumas características:
A concepção de base “econômica” e termos não sociais e políticos, incompatível coma a relação base e superestrutura;
Uma concepção de história como uma sucessão mecânica, préordenada e unilinear de modos de produção, “estágios de civilização”.
Uma concepção não-histórica de transições históricas. (transição do feudalismo para o capitalismo)
c) Materialismo histórico como teoria critica somente sofreu a ameaça de eclipse com o advento das ortodoxias stalinistas.
V - Hoje é amplamente aceito que o marxismo ocidental foi muito influenciado por uma falta da consciência revolucionária da classe operária e pela resultante superação da prática intelectual de todo e qualquer movimento político.
a) Neste contexto, a última corrente influente do marxismo ocidental, o de Althusser, entrou na discussão. A maior contribuição de Althusser foi o conceito de sobre determinação (p.18), que acentuava a complexidade e a multiplicidade das causas sociais enquanto reelegem a determinação econômica a um distante “caso último”.
b) Deve ser analisado as tendências políticas e teóricas, que muito antes do colapso do comunismo, já seduziam os neo-conservadores, afastando da crítica do capitalismo e permitiam a dissolução conceitual do materialismo histórico em fragmentos e contingências pós-modernas.

VI – Wood busca retomar e engajamento com o materialismo histórico e a sua crítica do capitalismo. Não se trata de um estudo técnico da economia e nem uma crítica da economia neoclássica, nem uma intervenção nos debates sobre a teoria do valor ou sobre a taxa de lucro crescente, muito pelo contrário, propõe definir a especificidade do capitalismo como um sistema de relações sociais e como um terreno político, enquanto considera os fundamentos teóricos do materialismo histórico. É uma crítica que quebra os hábitos conceituais e teóricos que ajudam a obscurecer a especificidade do capitalismo.
a) A principal questão histórica é a tendência generalizada, quase universal nas descrições não marxistas do desenvolvimento capitalista, e que são partilhadas por alguns marxistas, no sentido de descobrir na história os princípios capitalistas, suas leis, movimentos e de explicar o surgimento do moderno capitalismo. No cap. Classe como processo e como relação, Wood aborda esta questão.
b) O projeto critico, que Wood esboça, exige que se trate o capitalismo como um sistema de relações sociais, isto significa a necessidade de pensar algumas formas como foram concebidos os conceitos principais do materialismo histórico: forças produtivas e relações de produção, base e superestrutura, etc.. (esta é a I parte do livro)
c) A crítica original do capitalismo não pode ser executada sem a convicção de que existe alternativas, e isto se realizou a partir da antítese do capitalismo, o socialismo. Isto exigiu uma crítica não apenas do capitalismo ou da economia política, mas também da oposição ao capitalismo existente, o que implicou o exame crítico da própria tradição socialista.
d) O objetivo principal dessa crítica foi a transformação da idéia socialista, de um aspiração a-histórica, num programa político baseado nas condições históricas do capitalismo. O ponto de orientação ainda é o socialismo, mas as aposições e resistências são de tipos diferentes e exigem crítica específica.
e) Hoje existe um tema unificador, mas totalmente fragmentado que é a democracia. Na parte II do livro, Wood aprofunda a questão da democracia como o desafio do capitalismo, mas do ponto de vista histórico, e não da democracia liberal, dos direitos universais.
f) O capitulo: A separação entre o econômico e o político no capitalismo é a parte mais importante do livro e o fio condutor de toda a reflexão proposta pela autora. Segundo ela, é uma tentativa de identificar o que é específico do capitalismo e do processo histórico que o produziu. E também, de examinar as categorias conceituais desse processo histórico específico.
g) A idéia central da I parte do livro, não é fazer uma simples retrospectiva do capitalismo, mas compreender as formas pelas quais a história passada do capitalismo afetou a nossa compreensão, tanto, da história, quanto, do capitalismo em particular.
h) No capitulo “Classe como processo e como relação” Wood retoma a interpretação de classe como processo, proposta por Thompson, em oposição a classe como localização na estrutura produtiva, ou seja, o lugar que o indivíduo ocupa na produção, como produtor ou expropriador de excedentes, muito utilizado, de forma generalizada, como critério de diferenciações sociais.







A separação entre o “econômico” e o “político” no capitalismo (p. 27-49)

Idéias principais:

O materialismo histórico teve sua origem na intenção de oferecer fundamentação teórica para se interpretar o mundo a fim de mudá-lo, objetivando oferecer um modo de análise especialmente preparado para se explorar o terreno tem que ocorre a ação política (p. 27).

Muitas vezes, depois de Marx, o marxismo perdeu de vista esse projeto teórico e seu caráter essencialmente político, havendo uma tendência a perpetuar a rígida separação conceitual entre o “econômico” e o “político” que atendeu à ideologia capitalista perfeitamente, desde a descoberta da “economia” na teoria pelos economistas clássicos, esvaziando o capitalismo de conteúdo político e social (p. 27).

Tentativa de reexame das condições históricas que tornaram possíveis e plausíveis essas concepções, entendendo o que aparece, na sua natureza histórica, como uma diferenciação de “esferas”, principalmente a “econômica” e a “política”. Diferenciação é um problema teórico e prático (p. 27).

“Economicismo” da classe operária corresponde às realidades do capitalismo, às formas pelas quais a apropriação e a exploração capitalista realmente dividem as arenas da ação política e econômica, e transformam certas questões políticas essenciais em questões claramente “econômicas”. Essa separação “estrutural” talvez seja o mecanismo mais eficiente de defesa do capital (p. 27-28).

Marx apresentou a crítica da economia política tendo o propósito de revelar a face política da economia que havia sido obscurecida pelos economistas políticas clássicos. O segredo fundamental da produção capitalista revelado por ele refere-se às relações sociais e à disposição do poder que se estabelecem entre os operários e o capitalista para quem vendem sua força de trabalho (p. 28).

Para Marx, o segredo último da produção capitalista é político. Trata a economia como a esfera política, como um conjunto de relações sociais (p. 28).

Depois de Marx, os marxistas adotaram modos de análise diversos, relacionando a base e a superestrutura como esferas mais ou menos fechadas, separadas, ou como algo externo (p. 28-29).

A economia política burguesa, para Marx, universaliza as relações de produção quando analisa a produção abstraindo suas determinações sociais específicas. Isso quer dizer que a base produtiva em si existe sob o aspecto de formas políticas, sociais e jurídicas – em particular, formas de propriedade e dominação (p. 29).

Marx adota as categorias da economia política burguesa como ponto de partida porque elas expressavam uma realidade histórica na sociedade capitalista, através de uma elaboração crítica e transcendência (p. 30).

Wood argumenta em favor da superação da falsa dicotomia em que se baseia a caracterização do “marxismo político”, permitindo a alguns marxistas acusarem outros de abandonar o “campo das realidades econômicas” quando estes de interessam pelos fatores políticos e sociais que constituem relações de produção e exploração. A premissa existente é que o modo de produção não existe em oposição aos “fatores sociais”, e que a inovação radical de Marx em relação à economia política burguesa foi precisamente a definição do modo de produção e das próprias leis econômicas em termos de “fatores sociais” (p. 31).

A diferenciação da esfera econômica no capitalismo pode ser resumida assim: as funções sociais de produção e distribuição, extração e apropriação de excedentes, e a alocação do trabalho social são, de certa forma, privatizadas e obtidas por meios não-autoritários e não-políticos – por mecanismos de intercâmbio de mercadorias. Os poderes de apropriação de mais-valia e de exploração se baseiam numa relação contratual entre produtores “livres” e um apropriador que tem a propriedade privada absoluta dos meios de produção. Papel do Estado no processo de expropriação presente na base do capitalismo. A esfera econômica se apóia firmemente na política (p. 35).

Em nenhum outro sistema a produção social respondeu de forma tão imediata e universal às demandas do explorador (p. 36).

Há no capitalismo uma separação completa entre a apropriação privada e os deveres públicos (fins privados x sociais) (p. 36).

A diferenciação entre o econômico e o político no capitalismo é mais precisamente a diferenciação das funções políticas e sua alocação separada para a esfera econômica privada e para a esfera pública do Estado (p. 36).

Capitalismo com seu grau inédito de diferenciação entre o econômico e o político: seu processo histórico pode ser visto como uma diferenciação crescente do poder de classe como algo diferente do poder de Estado, um poder de extração de excedentes que não se baseia no aparato coercitivo do Estado; processo em que a apropriação privada se separa cada vez mais do desempenho de funções comunitárias (p. 38).

Organização capitalista de produção como o resultado de um longo processo em que certos poderes políticos se transformaram gradualmente em poderes econômicos e foram transferidos para uma esfera independente (p. 40).

Feudalismo: privatização do poder político que significou uma integração crescente da apropriação privada com a organização autoritária da produção. Capitalismo: a partir do sistema feudal aperfeiçoou essa privatização e essa integração – pela expropriação completa do produtor direto e pelo estabelecimento da propriedade privada absoluta. Necessidade de uma forma nova e mais forte de poder público centralizado. Papel do Estado (p. 43).

Capitalismo: esfera econômica especializada, modos econômicos de extração de excedentes, Estado central com um caráter público, mantém a propriedade privada e o poder de extração de excedentes sem que o proprietário seja obrigado a brandir o poder político direto no sentido convencional (p. 43), produção cooperativa contínua e sistemática, controle do capital sobre a produção é exercido de várias formas (p. 45).

Dois pontos críticos relativos à organização da produção capitalista que ajudam a explicar o caráter peculiar do “político” na sociedade capitalista e a situar a economia na arena política: 1) o grau sem precedentes de integração da organização da produção com a organização da apropriação, 2) o alcance e a generalidade dessa integração, a extensão praticamente universal a que a produção no conjunto da sociedade se mantém sob o controle do apropriador capitalista (p. 46).

Luta de classes: o capitalismo concentra a luta de classes “no ponto de produção” e transforma as lutas em torno da apropriação em disputas aparentemente não-políticas, local e particularizada (p. 47), unidade da classe operária/consciência de classe/organização (p. 48).

A divisão de trabalho entre classe e Estado significa que o Estado, que representa o “momento” coercitivo da dominação de classe no capitalismo, corporificado no monopólio mais especializado, exclusivo e centralizado de força social, é, em última análise, o ponto decisivo de concentração de todo o poder na sociedade (p. 49).

As lutas no plano da produção permanecem incompletas, pois não chegam à sede do poder sobre a qual se apóia a propriedade capitalista, que detém o controle da produção e da apropriação. A própria diferenciação entre o econômico e o político no capitalismo é precisamente o que torna essencial a unidade das lutas econômicas e políticas, e o que é capaz de tornar sinônimos socialismo e democracia.





REPENSAR A BASE E A SUPERESTRUTURA, p. 51-71


1- CRÍTICA AO CONCEITO DE BASE/ SUPERESTRUTURA DESDE O PONTO DE VISTA DO MARXISMO ESTRUTURALISTA
Neste capítulo a autora faz uma crítica ao marxismo estruturalista pelo fato que nesse princípio teórico há um determinismo rígido, quanto um excesso de contingência e arbitrariedade. De um lado, simplificações mecânicas do modelo base/superestrutura ficam intactas; de outro, desconsidera-se as questões críticas sobre os efeitos das condições materiais e das relações de produção nos processo históricos, porque o determinismo no domínio da estrutura social pertence à esfera da teoria pura, enquanto o mundo real, empírico, permanece contingente e particular.
2 - CRÍTICA AOS CONCEITOS DE MODO DE PRODUÇÃO E FORMAÇÃO SOCIAL DESDE O PONTO DE VISTA DO MARXISMO ESTRUTURALISTA
O modo de produção como estrutura determinada não existe empiricamente e formação social existente, sendo particular, “conjuntural”, e capaz de combinar os vários modos de produção, e os vários níveis estruturais “ralativamente” “autônomos”, num número infinito de formas indeterminadas.
3 - O MODO DE PRODUÇÃO DESDE A ABORDAGEM DO MATERIALISMO HISTÓRICO
A abordagem desde o ponto de vista do materialismo histórico busca uma concepção do “econômico”, não como uma esfera “regionalmente” separada que é de certa forma “material” por oposição a “social”, mas que é em si irredutivelmente social , uma concepção de lei “material” como algo constituído de relações e práticas sociais A “base” (o processo e as relações de produção) não é apenas econômica”, mas é corporificada, em formas de relação jurídicas-políticas e ideológicas que não podem ser relegadas a uma superestrutura especialmente separada. Desde esse ponto de vista o modo de produção é “expresso” simultaneamente tanto na esfera econômica quanto na não econômica, ou seja o modo de produção é ao mesmo tempo todas as coisas sociais e a “base” é também ao mesmo tempo “superestrutura”.
4 – OPERAÇÕES DE CLASSE NAS MUDANÇAS DA CONTINUIDADE DESDE A ABORDAGEM DO MATERILISMO HISTÓRICO
A autora ressalta dois aspecto da abordagem do materialismo histórico: a) um senso de processo que identifica as interações entre continuidade e mudança; b) a lógica das relações de produção não como abstração, mas como um principio histórico operacional, visível nas ações diárias da vida social, ou seja nas experiências, nas instituições e nas práticas concretas que existem fora da esfera da própria produção. Para a autora esses aspectos estão em operação na “decodificação” que indica a presença de forças de classe e modos de consciência estruturados por classe nas situações históricas em que não se pode perceber clara e explicitamente a consciência de classe.(p.65) Explica uma dinâmica histórica de mudanças da continuidade, estruturadas pela lógica das relações capitalistas. Identifica os significados sociais das tradições populares em mutação, traçando as operações de classe nessas mudanças da continuidade.

SESENVOLVIMENTO DAS CATEGORIAS IDENTIFICADAS NO CAPÍTLO REPENSAR A BASE E A SUPERESTRUTURA, p. 51-71

O PONTO DE PARTIDA DA RELFEXÃO DA AUTORA
Wood remete para a reflexão o conceito de base/superestrutura, para isso retoma as contribuições de autores marxista. Segundo a autora, Engels ao usar essa metáfora sugeriu a compartimentação de esferas ou “níveis” fechados – econômico, político ou ideológico- cuja relações entre eles eram externas. Porém, com a ortodoxia stalinista esse problema se agravou e firmou a supremacia de uma esfera econômica, independente, sobre outras esferas passivamente subordinada, transformando a história em um processo mais ou menos mecânico de desenvolvimento tecnológico.(p.51)
A autora ressalta que base/superestrutura se refere geralmente ao seu “reducionismo”, tanto a negação da ação humana quanto sua incapacidade de atribuir um lugar adequado a fatores superestruturais, à consciência tal como incorporada na ideologia, na cultura ou na política. Todavia, as leituras críticas do reducionismo geralmente assumiram forma de um marxismo “humanista” ou de uma ênfase na “autonomia relativa” dos níveis da sociedade.(p.51)
Sobre o marxismo estruturalista.
Segundo a autora, o marxismo estruturalista (Althusser e seguidores), buscou redefinir a relação entre base/superestrutura. Para isso excluiu da ciência da sociedade a ação humana e insistiu em determinações estruturais, ao mesmo tempo que admitiu a especificidade da realidade histórica. Um rígido determinismo prevalecia no domínio da estrutura social que pertencia à esfera da teoria pura, enquanto o mundo real, empírico, permanecia contingente e particular.(p.52)
A distinção entre “modo de produção” e “formação social” ilustra essa questão. O modo de produção como estrutura determinada não existe empiricamente, e formação social existindo realmente é particular, “conjuntural”, e capaz de combinar os vários modos de produção, e os vários níveis estruturais “ralativamente” “autônomos”, num número infinito de formas indeterminadas. O dualismo entre determinismo da teoria estruturalista e a contingência da história faz com que a descrição é apresentada como explicação casual teoricamente rigorosa pelo uso de categorias passíveis de expansão infinita, derivada da teoria da estrutura.(p.52)
Para a autora o modelo base/superestrutura manteve seu caráter mecânico e sua conceituação da estrutura social em termos de “fatores”, “níveis” ou “casos” descontínuos e com relação externas, mesmo com relações mecanicamente determinista entre a base e os seus reflexos superestruturais, havendo uma separação rígida entre estrutura histórica e determinação econômica. O modelo conceitual estruturalista também tendia a encorajar uma espécie de separação entre “econômico” com a tecnologia, buscando no determinismo tecnológico o dinamismo histórico em que a visão de mundo é caracterizada por uma série de estruturas estáticas descontínuas e fechadas em si mesmas(p.52)
Sobre o marxismo em Thompson
Segundo a autora as leis econômicas para Thompson dão lugar à vontade e à ações humanas arbitrárias. No debate entre estruturalistas e culturalistas, ele é um culturalista, para quem as determinações estruturais se dissolvem na “experiência” demonstra um desprezo pelo “economicismo cru” e um gosto pela ideologia e pela cultura acreditando na centralidade do conceito de classe.(p.53)
Para a autora encontra-se nos pronunciamentos teóricos e nas práticas historiográficas de Thomposson, os fios perdidos de uma tradição marxista oculta pela opção estruturalista.(p.54)
Modos de produção e formações sociais
Segundo a autora na concepção althusseriana de modo de produção e formação social, o modo capitalista de produção é explicado de forma abstrata, ao mesmo tempo representar uma “formação social na totalidade de suas relações. O conceito de formação social para os althusserianos é um conceito que sugere uma unidade, que segundo a autora é enganosa, expressando a noção hegeliana de uma totalidade expressiva circular.(p. 54) O modo de produção para os althusserianos, traz escrito em si toda uma estrutura social que contém vários “níveis” econômicos, políticos e ideológicos. O modo de produção é realmente um sinônimo daquela totalidade, e constitui a base de onde se pode teoricamente gerar uma totalidade social – capitalismo na totalidade de suas relações econômicas , políticas e ideológicas.(p.55)
A autora cita Poulantzas para explicitar a posição dos althusserianos:
“Por modo de produção vamos designar não o que em geral se entende por econômico, mas uma combinação específica de várias estruturas e práticas que, combinadas entre si, surgem como muitos casos ou níveis, isto é, com muitas estruturas regionais desse modo. Um modo de produção, de acordo com a definição esquemática de Engels, compõe-se de diferentes níveis ou casos, o econômico, o político, o ideológico e o teórico.”(Poulantzas, p.55)
A autora ressalta que o conceito de formação social implica que nenhuma sociedade historicamente existente é “pura”; por exemplo, não existe uma sociedade que represente o modo de produção capitalista. O modo de produção constitui um objeto abstrato –formal que não existe na realidade no sentido forte. Só existem no mundo real formações sociais impuras, essas sempre contém vários fragmentos “relativamente autônomos” de modos de produção. Os vários elementos que compõe uma formação social podem mesmo estar defasados entre si.(p.55)
Relações estruturais são determinadas entre níveis econômicos e superestruturais e existem num modo de produção teoricamente construído. Na história esse bloco estrutural pode ser fragmentado e se recombinar num número infinito de formas. Ë como se formações sociais históricas “reais e concretas” fossem compostas de elementos teoricamente determinados, enquanto os processos históricos apenas quebram e combinam esses elementos de várias formas. A análise histórica classifica as combinações de fragmentos de modos de produção que constituem uma dada formação social qualquer.(p.55)
A autora questiona essa estrutura teórica remetendo a abordagem de Pulantzas sobre o problema da política na sociedade capitalista. Este, depois de estabelecer o princípio de uma estrutura social, com níveis econômicos, políticos, ideológicos e teóricos incorporados no modo “abstrato-formal” de produção, passa a constituir teoricamente o “caso político” do modo de produção capitalista, o tipo de Estado estruturalmente ajustado a esse modo de produção. Isso envolve a construção teórica de ligações entre Estado e níveis diferentes do modo de produção, bem como uma elaboração das características específicas desse “tipo” de Estado capitalista.(p.56)
Nesse sentido, segundo a autora, um Estado é capitalista não em virtude de suas ligações com relações capitalistas de produção, mas em virtude de certas características estruturais derivadas da construção teórica autônoma “abstrato-formal”. Ë possível dizer que uma formação social em que relações capitalistas de produção ainda não são generalizadas pode, apesar disso, ser caracterizada como um “Estado capitalista.”(p.56)
Para a autora há nesse princípio teórico tanto um determinismo rígido, quanto um excesso de contingência e arbitrariedade. De um lado, simplificações mecânicas do modelo base/superestrutura ficam intactas; de outro, desconsidera-se as questões críticas sobre os efeitos das condições materiais e das relações de produção nos processo históricos, contrastando com Marx em relação as ligações entre relações de produção e formas políticas.
Para explicitar o seu argumento a autora cita Marx:
“A forma específica em que a mais-valia não paga é arrebatada dos produtores diretos determina a relação entre governantes e governados, pois nasce diretamente da própria produção e, por sua vez, reage sobre ela como elemento determinado...É sempre a relação direta entre os donos das condições de produção e os produtores diretos que revela o segredo mais recôndido, a base oculta de toda a estrutura social e, com ela , a forma política de soberania e dependência, a forma específica correspondente de Estado. Isso não evita que a mesma base econômica - mesmo do ponto de vista de suas condições principais - , devido inumeráveis condições empíricas diferentes, apresenta infinitas variações e gradações de aparência que só podem ser identificadas pela análise das circunstâncias empiricamente dada.” Marx (p.57)
A autora ressalta que esse trecho de Marx não transmite a idéia de determinismo mecânico do “modo de produção” althusseriano, nem a contingência arbitrária da formação social, mas sugere tanto uma complexa variabilidade da realidade empírica quanto a operação nela de uma lógica derivada das relações de produção.
A autora retoma o que Marx chama de formação social:
“Em toda forma de sociedade existe um tipo específico de produção que predomina sobre os outros, cujas relações atribuem valor e influencia aos outros. É uma luz geral que banha todas as outras cores e modifica suas particularidades. É um éter particular que determina a gravidade específica de todo ser que se materializou dentro dele.” (Marx, p.57)”
Segundo a autora essa passagem de Marx significa que:
1- “Forma de sociedade” se refere a algo como o feudalismo ou o capitalismo, não apenas um fenômeno concreto, individual e único, mas uma classe de fenômenos concretos que tem alguma espécie de lógica sócio-histórica comum.
2- Pretende enfatizar, não a “heterogeneidade”, de uma “formação social”.(p.58)
Não se trata de vários modos de produção dominados por um deles, mas de ramos diferentes de produção assimilados ao caráter específico do ramo predominante naquela formação social: Ex. a natureza particular de agricultura na sociedade feudal afeta a natureza da industria; a natureza particular da industria na “sociedade burguesa” (industria dominada pelo capital) afeta a natureza da agricultura.(p.58)
A autora busca em Thompson a explicação para o materialismo histórico conforme Marx, assim não é o fato de serem as sociedades capitalistas apenas “capital na totalidade de suas relações”, mas, “que a lógica do processo capitalista encontrou expressão em todas as atividades de uma sociedade e exerceu uma pressão determinante sobre o seu desenvolvimento e forma: Há uma diferença em falar de capitalismos ou de sociedades capitalistas pois nela está a diferença, entre estruturalismo que sugere a “idéia de capitalismo que se desdobra, e materialismo histórico, que tem haver com um processo histórico real.(p.58)
Segundo a autora, Thompson em sua crítica a Althusser coloca que os problemas do materialismo histórico e cultural no princípio teórico do marxismo estrutural não são resolvidos, mas ocultos ou evitados; uma vez que se constrói teoria para ignorá-la na prática. A distinção inseriu de uma separação entre estrutura e história, criando um dualismo rígido entre determinação e contingência, deixando as determinações estruturais mais ou menos importantes na esfera da explicação histórica, tornando sem efeito o materialismo histórico como meio de explicação do processo histórico. Para a autora foi uma forma de fugir da proposta de Marx: como abranger a especificidade histórica , bem como a ação humana , enquanto se reconhece dentro delas a lógica dos modos de produção.(p. 59)

Materialismo histórico versos determinismo econômico
Segundo a autora a dialética entre a especificidade histórica e a lógica do processo histórico que o materialismo histórico busca entender, exige uma concepção do “econômico”, não como uma esfera “regionalmente” separada que é de certa forma “material” por oposição a “social”, mas que é em si irredutivelmente social, uma concepção de lei “material” como algo constituído de relações e práticas sociais . A “base” (o processo e as relações de produção) não é apenas econômica”, mas é corporificada, em formas de relação jurídicas-políticas e ideológicas que não podem ser relegadas a uma superestrutura especialmente separada.(p.60)
Na citação de Thompson a autora dá ênfase na argumentação acima:
“Quando falamos do modo de relações capitalista de produção pelo lucro, indicamos ao mesmo tempo um “núcleo” de relações humanas características – de exploração, dominação e aquisição- que são inseparáveis desse modo, e que encontram expressão simultânea em todos os “sistemas”. Dentro do limite de época, existem tensões e contradições características que não podem ser transcendidas, a menos que transcendemos a própria época: existe uma lógica econômica e uma lógica moral e é inútil discutir para qual daremos prioridade, uma vez que as duas são expressões diferentes do mesmo “núcleo de relações humanas”. Podemos então reabilitar a noção de cultura capitalista ou burguesa.” (Thomposon: p.61)
A autora ressalta que a concepção de Thompson contraria tanto concepções reducionistas de casualidade que dissolvem a especificidade histórica, quanto a concepção de determinação econômica. O que interessa a Thomposon são as relações do processo, em que as relações de produção, relação de exploração, dominação e apropriação – dão forma a todos os aspectos da vida social em seu conjunto ou exercem pressão sobre eles. O processo e as relações de produção que constituem um modo de produção são expressos por uma lógica “moral” e por uma lógica “econômica”, por valores e modos de pensar característicos, assim como por padrões característicos de acumulação e de troca. Somente no modo de produção capitalista é possível distinguir instituições e práticas que são pura e distintivamente “econômica” e mesmo aqui o modo de produção é expresso simultaneamente naquelas instituições e práticas econômicas” e em certas normas e valores auxiliares que sustentam os processos e as relações de produção e o sistema de poder e dominação em torno do qual se organiza. Esses valores, normas e formas culturais não são menos “reais” do que as formas especificamente “econômica” pelas quais se exprime o modo de produção.(p.61)
Segundo a autora Thomposon argumenta sobre a simultaneidade das expressões econômicas”e “culturais”de qualquer modo de produção, as quais tem seus dois lados inseparáveis e igualmente importante, sendo que a ideologia e a cultura têm uma “lógica” própria que constitui um elemento autêntico” nos processo socais e históricos. Desde esse ponto de vista analisa-se a ideologia não apenas como produto, mas também como processo.(p.62)
Para Thompson, segundo citação da autora:
“ a ideologia tem sua própria lógica que é, em parte, autodeterminada, no sentido de que certas categorias tendem a se reproduzir em formas consecutivas. Apesar de não podermos substituir a história real pela lógica da ideologia – a evolução capitalista não é a realização de uma idéia burguesa básica – essa lógica é um componente autêntico daquela história, uma história inconcebível e indescritível independentemente da “idéia”(Thomposom: p. 62).
Para a autora o argumento não pretende negar nem reduzir a importância dos efeitos determinados do modo de produção, mas reforçar a proposição de que eles são “operacionais o tempo todo” e em toda a parte. A insistência na “simultaneidade” se apresenta não como afastamento ou correção do materialismo clássico marxista, mas como um polimento das palavras do próprio Marx.(p.62)
A autora novamente cita Thompson:
“...Estou colocando em discussão a noção de que é possível descrever um modo de produção em termos econômicos”, deixando de lado como secundários (menos “reais”) as normas, a cultura, os conceitos críticos, em torno dos quais se organizam esse modo de produção.” (Thompson: p.62)
Desde esse ponto de vista o modo de produção é “expresso” simultaneamente tanto na esfera econômica quanto na não econômica, sendo assim o modo de produção é o mesmo tempo todas as coisas sociais. Esse argumento não apenas enfatiza a autenticidade da cultura, mas também afeta a compreensão materialista da história em relação as formulações em que os “níveis” sociais são separados de uma forma que efetivamente isola a “superestrutura”dos efeitos da “base” material.(p.53). Desde essa concepção a “base” é também ao mesmo tempo “superestrutura”:
Segundo o texto de Thompson, citado pela autora:
“produção, distribuição e consumo não são apenas colher, transportar e comer, são também planejamento, organização e fruição. As faculdades imaginativas intelectuais não se resumem a uma “superestrutura” erigida sobre uma “base”de coisas (inclusive homens-coisa); estão implícitas no ato criativo do trabalho que faz um homem ser homem”.(Thompson p.63)
Para a autora o argumento que o direito, em Thompson, está “imbricado no modo de produção e nas próprias relações produtivas como direito de propriedade, definições de práticas agrárias etc.(p.53), a chamada superestrutura pertence à “base” produtiva e é a forma em que as relações de produção são organizadas, vividas e contestada. Nessa formulação, a especificidade, a integridade e a força determinativa das relações de produção são preservadas, e, em certo sentido, estabelece-se a distância necessária entre a esfera de produção e todos os outros “níveis” que tornam a casualidade possível, ao mesmo tempo, indica-se o princípio de ligação e continuidade entre as esferas separadas quando se trata a própria economia”como um fenômeno social.(p.63)
Segundo a autora, para Thompson, os costumes, os rituais e valores das classes subordinadas podem “geralmente serem vistos como intrínsecos ao modo de produção”, porque são essenciais aos processos de reprodução da vida e sua condição material. Em resumo, são em geral as práticas que constituem a atividade produtiva. Ao mesmo tempo, embora a cultura dos dominados se mantenha em geral “congruente” com o sistema predominante de produção e poder , é pelo fato de as relações de produção serem vividas à própria maneira pelas classes subordinadas que elas entram em contradição com o “senso comum de poder”; e são tais contradições que produzem as lutas que determinam a reorganização e a transformação dos modos de produção.(p.64)
Desde essa concepção, transformação histórica desse tipo, não ocorrem porque mudanças na base produzem sempre mudanças na superestrutura. Elas ocorrem porque mudanças na vida material passam a ser o terreno de luta. Se as transformações históricas são produzidas por contradições entre base e superestrutura , não é no sentido de que tais contradições representam oposições entre, de um lado, a experiência das relações de produção vividas pela classe subordinada e, de outro, as instituições e o “senso comum” de poder. (p.64)
A autora coloca que talvez a visão de Thompson pode ser resumida como uma tentativa de reafirmar a visão de Marx do materialismo histórico como contrário ao materialismo mecânico da filosofia “burguesa” ao mesmo tempo reconhecendo também que o debate marxista reproduz, de muitas maneira as mesmas falsas dicotomias do pensamento burguês. Sua formulação é uma forma de levar a sério o entendimento de Marx sobre a “base material” como algo que se corporifica na atividade prática humana que exige enfrentar o fato de ser a atividade de produção material uma atividade consciente.(p.64)
Base e superestrutura na história
A autora ressalta que dois aspecto da obra história se destacam: um senso de processo, expresso na capacidade de identificar as emaranhadas interações entre continuidade e mudança; e a explicitação da lógica das relações de produção não como abstração, mas como um principio histórico operacional, visível nas ações diárias da vida social, nas instituições e nas práticas concretas que existem fora da esfera da própria produção. Essa duas competência estão em operação na “decodificação” que indica a presença de forças de classe e modos de consciência estruturados por classe nas situações históricas em que não se pode perceber clara e explicitamente a consciência de classe.(p.65) O tema que perpassa é a forma como uma tradição contínua de cultura popular foi transformada numa cultura de classe operária à medida que o povo resistia a lógica das relações capitalistas e a intensificação da exploração associadas aos modos capitalistas de expropriação.(p. 66)
Para a autora, o objetivo de Thompson e demonstrar as mudanças das continuidades para mostrar a lógica das relações de produção capitalistas em operação na “superestrutura.”. Vê e descreve uma dinâmica histórica de mudanças da continuidade, estruturadas pela lógica das relações capitalistas. Identifica os significados sociais das tradições populares em mutação, traçando as operações de classe nessas mudanças da continuidade. É capaz de descrever a emergência das formações operárias, instituições e tradições intelectuais. (p.66)
Segundo a autora a estrutura conceitual do determinismo tecnológico força-nos a atribuir um valor adicional ao processo técnico do trabalho como determinante de classe, e não nas relações de produção e de exploração que são os fatores críticos que explicam a experiência comum imposta pela lógica da acumulação capitalista sobre os trabalhadores engajados em diferentes processos de trabalho.(P.66)
Os princípios subjacentes, segundo a autora, aos processo de “decodificação” em que o objetivo é demonstrar que a luta de classes opera como força histórica mesmo quando ainda não existem consciência e noções completamente desenvolvidas de classe, que “o fato de se poder observar em outros lugares e períodos formações de classe conscientes e historicamente desenvolvidas dotadas de expressão ideológica e institucional não significa que não seja classe tudo o que ocorrer de forma menos decisiva. Esse ponto de vista exige a “decodificação” da evidência que para outros historiadores indica uma sociedade “tradicional”, “paternalista” ou “de classe única”, na qual as classes trabalhadoras carecem de consciência de classe e as divisões sociais são verticais, e não horizontais.(p.67)
A autora lembra que Marx enfatiza a unidade, não a heterogeneidade das forças sociais que entram no “campo de forças” de um modo de produção particular, buscando a explicação em Thompson:
“(...)O que Marx descreve por metáforas como “níveis e influências”, “luz geral” e “tonalidades”(...) Mas o que coloco em discussão neste texto é (no mesmo grau que no de Marx) um argumento estrutural(...)Pois todas as características das sociedades do século XVIII que atraíram minha atenção podem ser encontradas, em forma mais ou menos desenvolvidas, em outros séculos. O que, então, é específico do século XVIII? Qual é a “luz geral” que modifica as “tonalidades específicas” de sua vida social e cultural?”(Thompson: p.67)
Desde Thompson a autora organiza a resposta ao questionamento sobre o específico do século XVIII: a) a dialética entre o que é e o que não é cultura, as experiências formadoras do social, e como elas eram manipuladas culturalmente; b) as polaridades dialéticas, antagonismos e reconciliações, entre as culturas plebéias e sofisticadas da época. Uma noção mais clara do que é cultura, de forma sutil, revela-se como os padrões “tradicionais” de cultura , que aparentemente continuam os mesmos, adquirem um novo significado social quando entram no “campo de força” do “processo capitalista” e dos modos capitalistas de exploração. Thompson demonstra como comportamentos usuais e a cultura plebéia são transformados pelas novas experiências de classe, cita o Ex. a luta pela posse dos corpos dos enforcados.(p.67). O código que forma esse motins 1832 , não podem ser compreendido apenas em termos de crenças sobre a morte e seu tratamento adequado, envolve também a solidariedade de classe e a hostilidade da plebe à crueldade psíquica da lei. Ë dentro desse campo de força de classe que os gestos fragmentados de antigos padrões são revivificados e reintegrados. Por conseguinte, no século XVIII os comportamentos e rituais costumeiros adquirem um significado particular, porque a lógica do capitalismo estava sendo vivida pela plebe como um ataque aos direitos de uso costumeiro, aos padrões de trabalho e de lazer tradicionais. Rebeliões contra os processos de acumulação capitalista assumiram, em geral, a forma de “rebelião em defesa do costume”, criando o paradoxo característico do século VXIII, “uma cultura tradicional rebelde”. O conflito de classes tendia a assumir a forma de “confrontação entre uma economia de mercado inovadora e a economia moral costumeira da plebe” (p.68)
A autora lembra que os críticos de Thompson, colocam que ele tem a tendência a ver oposição e rebelião nas tradições e nos costumes populares, e o seu relato deixa pouco espaço para os impulsos regressivos da consciência popular ou para freqüência com que essa consciência é invadida por idéias de classe dominante. Todavia, a autora ressalta que sua estrutura conceitual não exige otimismo excessivo, e ela tem claras vantagens sobre os sistemas teóricos que reconhecem apenas “atraso” nas tradições populares.(p.68) Seu projeto maior é resgatar a ação das classes subordinadas de uma análise que efetivamente as relega à subordinação permanente, subjugação à hegemonia da classe dominante, a antigas superstições e irracionalidades. A ênfase que ele dá à transformação criativa de antigas tradições para atender a novas circunstâncias e para resistir a novas opressões, representa a reafirmação dos princípios materialistas, contra as teorias da história que negam sua eficiência na explicação do processo histórico. Sua análise, sutil, tira o tratamento histórico que vê nessas tradições e nesses costumes nada mais que um restolho cultural, ou que encaram sua persistência como uma prova de que classe não tem relevância para essas sociedades “tradicionais”, “pré-industriais”ou que a cultura é completamente autônoma em relação as condições materiais.(p.68)
Para a autora, esse argumento reconhece que a história não se compõe de pedaços estruturais discretos e descontínuos, com superestruturas separadas e distintas correspondentes a cada base; ao contrário, ela se move em processos nos quais as relações de produção exercem suas pressões pela transformação de realidade herdada. Busca os efeitos determinativos de “situação classes” até mesmo nos casos em que ainda não existe classes “maduras”.Dessa forma a autora questiona os marxistas que negam a classe operária sua própria atividade ao postular para ela uma consciência ideal predeterminada. Para ela em lugar das demonstrações eficazes, buscar a força de classe na sua ausência de consciência “madura” de classe.(p.69)
Segundo a autora, na formulação de Thompson “o direito sempre esteve profundamente imbricado na própria base das relações de produção, que teriam sido inoperante sem ele. E, em segundo lugar, esse direito, como definição ou como regra, foi endossado por normas transmitidas com insistência para toda a comunidade. Havia normas alternativas, esse era um lugar não de consenso, mas de conflito.”(Thompson: p.70)
Para a autora a noção da “imbricação” do direito na “própria base das relações produtivas” apesar de não negar o caráter “superestrutural”de algumas partes do direito e de suas instituições, é diferente da idéia de que a “base precisa de superestrutura, é uma forma diferente de entender a base, pois ela está corporificada nas práticas e relações sociais reais. Essa concepção recusa a distinção analítica que oculta o caráter social do “material”, além disso é uma forma de desencorajar procedimentos analíticos que tendem a obscurecer as relações históricas.(p.70)
Segundo a autora, para Thompson, importante são as relações; e, se ocasionalmente ele erra ao permitir que relações “ontológicas” se tornem misturas analíticas, erro menos danoso para a compreensão





CLASSE SOCIAL COMO PROCESSO E COMO RELAÇÃO

ALGUMAS IDÉIAS SELECIONADAS ( 21/10/03)

01. Existem duas concepções de classe. Uma que considera a classe como um local numa estrutura. (concepção geológica). Outra que considera classe social como uma relação social determinada pela forma específica do processo de produção capitalista. (como “se extrai a mais-valia dos produtores diretos”). A segunda concepção é especificamente marxista embora existam correntes no marxismo cuja noção de classe se aproxime mais da primeira, da concepção estrutural. (classe como relação com os meios de produção).

02. A concepção de classe marxista não foi claramente elaborada, nem por Marx, nem pelos teóricos do materialismo histórico que o sucederam. Para Ellen Wood, o autor que melhor aprofundou e esboçou uma teoria marxista de classe foi E.P.Thompson. A obra de Thompson é controvertida, tendo sido criticada por marxistas e não-marxistas. Neste capítulo Ellen Wood defende e amplia a concepção de Classe Social desenvolvida por E.P.Thompson. Ellen resgata as concepções de Thompson sobre Classe Social, dialogando com seus críticos, defendendo-o, contra-argumentando, extraindo de sua obra a essência de seu pensamento, visando esclarecer e sistematizar a teoria deste autor.

03. Thompson e Ellen defendem uma concepção de Classe Social como processo e como relação em oposição a uma concepção estrutural estratificada, para a qual, segundo Ellen, os críticos de Thompson acabam convergindo. Os críticos marxistas de Thompson acabam assumindo, eles próprios, a postura teórica que desejam atingir e que erroneamente atribuem a Thompson. Eles sofreriam de uma cegueira epistemológica que não os permitiria captar a argumentação de Thompson, interpretando sua teoria de modo equivocado.

04. Na teoria marxista existe uma formulação clássica que distingue “classe em si”, definida por referência as relações de produção e “classe para si”, definida por referência à consciência de classe e cultura. A classe em si seria uma definição objetiva, independente da vontade dos sujeitos, dependente apenas das condições objetivas em que estes se encontram nas relações de produção: os proprietários dos meios de produção pertenceriam a uma classe (burguesia) e os não-proprietários, a outra (proletariado). A classe para si dependeria da evidência de consciência de classe, na qual os sujeitos autoconscientes e ativos, organizados e em oposição às outras classes, assumiriam o papel de “sujeito histórico” das transformações sociais.

05. A concepção estrutural define classe social por referência às relações de produção (classe em si). Thompson foi acusado de crer que a classe não poderia ser definida em termos de relações de produção, uma vez que as relações de produção não determinam (mecanicamente) a consciência de classe. Para seus críticos, Thompson, rejeita a definição estrutural e se identifica com a definição de classe por referência à consciência de classe e cultura (classe para si). Ele teria desprezado com muita facilidade as determinações objetivas e estruturais, negando a existência da classe na ausência de consciência de classe e, defendendo uma concepção excessivamente voluntarista e subjetiva. Ellen Wood defende Thompson afirmando o contrário. Para ela “a grande força da concepção de classe de Thompson é ser capaz de reconhecer e explicar as operações de classe na ausência da consciência de classe”.

06. O tipo de definição estrutural, adotada pelos críticos de Thompson, seria incapaz de demonstrar a eficácia da classe na ausência de formações conscientes de classe claramente visíveis. Além disto, esta definição não teria força para se contrapor à acusação dos autores não-marxistas de que o conceito de classe social seria um construto ideologicamente motivado e sem consistência teórica.

07. Thompson considera, sim, que as classes são constituídas pelos modos de produção, mas dá ênfase às explicações para o processo de formação de classes, um processo problemático que não é constituído imediata e mecanicamente pelas relações de produção. Para ele a luta de classes precede a classe. Ele pressupõe que as relações de produção distribuam as pessoas em situações de classe que geram antagonismos essenciais, conflitos de interesses e condições de luta. Mas é somente ã medida que as pessoas trabalham e vivenciam sua situação determinada, com suas expectativas de melhoria, herança cultural e no interior do conjunto das relações sociais, que, então, o conflito se desenvolve na forma de classe. As pessoas compartilham uma experiência comum, identificam seus interesses comuns e passam a pensar a atribuir valor conforme as formas de classe. As formações de classe e a descoberta da consciência de classe se desenvolvem a partir dos processos de luta, à medida que as pessoas vivem e trabalham suas situações de classe. A distribuição das pessoas em situações de classe, a partir das relações de produção seria apenas o início e não a conclusão do processo de formação de classe. Este seria gerado pela vivência e pela experiência das pessoas no interior de uma totalidade complexa de relações sociais e legados históricos. Trata-se, portanto, de um processo histórico e não a mera contingência de uma estrutura estática. Um processo histórico materialmente estruturado, formado pela lógica das determinações materiais. A classe, visível apenas no processo, é observada ao longo do tempo, como um padrão nas relações, nas instituições e nos valores sociais.

08. A concepção de classe como processo e como relação permite compreender como os determinantes de classe influenciam a dinâmica dos processos sociais, como as pessoas se comportam em formas de classe, mesmo antes do desenvolvimento maduro de expressões de consciência de classe. As relações objetivas com os meios de produção estabelecem antagonismos, geram conflitos e lutas que configuram a experiência social em formas de classe mesmo que estas formações não sejam conscientes. Ao contrário, a consciência de classe só é possível com a existência prévia de situações de classe.

09. A definição de classe como processo ativo e como relação histórica, defende a classe contra as práticas políticas que suprimem a ação humana, em especial aquelas que negam a atividade própria da classe operária, encontrando substitutos para o seu papel político. Ao colocar a luta de classe como centro, Thompson recupera o projeto político construído “desde baixo” contra as opressões da dominação de classe e também contra um programa de socialismo “imposto desde cima”.





História ou determinismo tecnológico?[1]

1.1 Considerações iniciais: situando concepções

Para apresentar e analisar as idéias centrais em pauta na seção intitulada História ou determinismo tecnológico?, parece-nos oportuno retomar algumas considerações que Wood realiza na introdução de seu livro. A autora destaca que a questão da história ou determinismo tecnológico são concepções decorrentes de duas perspectivas teóricas diferenciadas que utilizam a mesma base, o marxismo.
Por um lado, o marxismo como extensão da ideologia capitalista. Considerado acrítico porque simplesmente buscava no marxismo aspectos consoantes com o capitalismo desconsiderando as críticas marxistas a esta ideologia assim como a sua proposição em termos de inovações. Nesta perspectiva, aparece a defesa de um determinismo tecnológico, ou seja, a visão de que os modos de produção menos produtivos vão se transformando em modos mais produtivos devido a uma sucessão linear determinada por alguma lei universal da natureza. Para a autora, “Esta versão do marxismo pouco difere das teorias convencionais de evolução e progresso sociais, ou de uma visão ‘estagista” da história como uma sucessão de ‘modos de subsistência’ associados à economia política clássica”(p.15). Algumas características deste marxismo (cf. p.16- ) :
Repúdio em relação às afirmações de Marx contra: o materialismo metafísico e a-histórico, ao capitalismo, à economia política clássica;
Concepção da base econômica em termos não-sociais e tecnicistas, incompatíveis com tudo que não fosse a aplicação da metáfora “base/superestrutura”;
Concepção de história como sucessão mecânica, preordenada e unilinear de modos de produção (comum com a economia política clássica e seus estágios de civilização);
Concepção não-histórica de transições históricas (feudalismo para o capitalismo).
Por outro lado, o materialismo histórico como teoria crítica, com raízes na crítica da economia política. Neste, a “ insistência na historicidade e especificidade do capitalismo, e a negação de que suas leis fossem as leis universais da história.A crítica da economia política visava descobrir por que e como as leis de movimento específicas do capitalismo operavam como leis” (p.16). Neste sentido, o acento na dimensão da historicidade do capitalismo configurou-se num diferencial que não está presente na economia política clássica e nem nas idéias convencionais de progresso. O foco na historicidade e lógica do capitalismo contribuiu também para a análise de outros modos de produção. O materialismo histórico não admite seqüência predefinida e unilinear. Parte do pressuposto que a origem de qualquer modo de produção é algo a ser explicado -tendo-se por base as relações sociais, contradições e lutas- e não uma lei natural, trans-histórica.
Importante destacar que ambas perspectivas existiram paralelamente, sendo que a teoria crítica sofreu ameaças com o advento stalinista. Em decorrência do contexto da União Soviética em relação ao seu desenvolvimento econômico e de forças produtivas seguindo um modelo capitalista industrial e das pressões da economia capitalista internacional, o determinismo tecnológico ganhou espaço, passando a haver a preponderância de leis universais.
Feitas tais considerações, apresentamos as idéias que, no nosso entender, são centrais. Para tanto, utilizaremos como procedimento de apresentação a apresentação de uma idéia-chave através de uma citação ou de uma síntese e, quando necessário, observações apresentadas pela autora relativas a tais idéias. Destacamos que, para a compreensão das questões problematizadas por Wood nesta seção, torna-se necessário o entendimento de conceitos tais como: determinismo tecnológico, materialismo histórico, classe, luta de classes, reprodução social, meios de apropriação, processo e meios de produção, mais-valia, trabalho excedente, relações de propriedade dentre outros que irão permear todo o texto.

1.2 Idéias centrais
Idéia 1
“O primeiro princípio do materialismo histórico não é a classe nem a luta de classes, mas a organização da vida material e da reprodução social” (p.99).

Observações:
Classe: seu terreno é a organização social da produção que cria as condições da própria existência. Entra em questão quando o acesso e as condições de existência e aos meios de apropriação é organizado em forma de classe. Transferência para outros da mais-valia.
Mais-valia: por oposição ao conceito de trabalho excedente – torna clara a complexa relação entre produção, realização em troca de mercadorias e apropriação capitalista.
Idéia fundamental embutida no conceito: “trata das condições em que as pessoas têm acesso aos meios de subsistência e de reprodução, e a proposição de que ocorre um rompimento histórico decisivo quando as condições vigentes obrigam alguns a transferir parte de seu trabalho ou de seu produto para outros” (p. 99).
Papel da classe na história: natureza específica da compulsão de transferir o excedente a a natureza específica da relação social em que ocorre tal transferência.
Classe: nem sempre resulta em relação direta no sentido de um confronto entre explorador e explorado.
Conflito de classe: tem ressonância histórica particular porque implica a organização social da produção, base real da existência natural. “A luta de classes tem um potencial claro como força de transformação porque, quaisquer que sejam as motivações imediatas de qualquer conflito de classes, o terreno de luta está estrategicamente situado no coração da existência social” (p.100).

Idéia 2
Diferenças entre duas categorias de explicação marxista acerca da relação entre produtores e apropriadores: primazia às forças de produção” e prioridade às “relações de produção” e luta de classes” .
“A primeira situa as relações de produção e de classe em um contexto trans-histórico maior de desenvolvimento tecnológico. A outra busca princípios específicos de movimento em toda forma social e em suas relações dominantes de propriedade social (...) Quero enfatizar a diferença entre teorias que postulam uma lei geral, universal e trans-histórica de mudança histórica – que invariavelmente significa algum tipo de determinismo tecnológico – e as que acentuam a especificidade de toda forma social – o que geralmente quer dizer uma exploração das ‘leis de movimento’ específicas, acionadas pelas relações sociais vigentes entre apropriadores e produtores” (p.101).

Para tanto, a autora utiliza como fonte de referência para a explicação da transição do feudalismo para o capitalismo os trabalhos de Roemer e Brenner.

John Roemer
(escola do “marxismo da escolha racional”- união de sua teoria de exploração e classe à da história defendida por G.A . Cohen – marxismo como determinismo tecnológico);

História: evolução das relações de propriedade em que “um número progressivamente menor de tipos de fatores de produção permanecem aceitáveis como propriedade. (...) O mecanismo que provoca essa evolução é a luta de classes...a razão porque essa evolução ocorre é mais profunda: a evolução ocorre porque o nível de desenvolvimento da tecnologia supera a forma particular de organização social, que o limita e restringe” (Roemer citado por Wood, p. 101, grifo do autor)

Observações:
Transição do feudalismo para o capitalismo: elimina os direitos de propriedade sobre o trabalho de outros, apesar de ainda permitir a propriedade dos meios alienáveis de produção.
Socialização progressiva da propriedade: decorrente da eficiência (avanço das forças de produção). Mecanismo da evolução: luta de classes. Razão da evolução: nível de desenvolvimento da tecnologia supera a forma particular de organização social, que o limita e restringe.
Relação entre luta de classes e determinismo tecnológico Ô luta de classes: facilitador na transição quando há crise entre o desenvolvimento das forças produtivas e a estrutura econômica antiga.
Competição entre capitalista e senhores feudais pelo trabalhador. A tecnologia e forças de produção utilizada pelo capitalista viabiliza o pagamento de salários aos trabalhadores e em decorrência, a liberação da servidão. Qual a vantagem econômica em optar pelo salário? O capitalismo então seria uma opção?
Então, três níveis de explicação: “ (1) a causa profunda (determinismo tecnológico); (2) o processo histórico (a eliminação sucessiva de formas de exploração ou socialização progressiva da propriedade); (3) o ‘facilitador’ (luta de classes- embora ela só facilite um processo que mais cedo ou mais tarde fosse acontecer’)
E o modelo da escolha racional: luta de classes, causa profunda ...?
Questões suscitadas a partir da estrutura em três camadas e ligações entre os níveis:
“Serão os indivíduos racionais, vistos como os que fazem a história (mas fazem realmente?), motivados pelo desejo de aliviar a escassez por meio do aprimoramento tecnológico ou pelo desejo de fugir à exploração – ou nem uma coisa nem outra? Seria a luta de classes realmente necessária ou não; e se não for qual é o mecanismo de mudança histórica? Ou a causa profunda torna redundantes os mecanismos e facilitadores, já que a mudança, de qualquer maneira, ‘deve ocorrer, mais cedo ou mais tarde’, pelas costas dos indivíduos racionais? E onde fica a luta de classes?” (p.102, grifo do autor)
Processo de transição apresentado por Roemer: tem pouco a ver com a história.
A interpretação de Roemer conduz à consideração de que todas formas de exploração estão contidas nas anteriores, ou seja, todos os estágios históricos já existiam de forma “embrionária” desde o início. A história evolui por um processo de eliminação. O determinismo tecnológico oferece o mecanismo de eliminação.
Observações:
Formas de exploração: eliminadas para obstruir o desenvolvimento das forças produtivas. Cada forma social sucessiva existe simultaneamente com a precedente.
Esta explicação da história delega a algum fator ou força externa a responsabilidade pelo amadurecimento das formas embrionárias ( comércio, progresso...).
A chave da mudança histórica precisa ser procurada na lógica da dinâmica das relações sociais.
Trata a expansão do capitalismo
.Em síntese: Roemer trata a expansão do capitalismo como uma lei transhistórica da natureza. Uma sociedade capitalista que já existia paralelamente, simplesmente amadurece. Invoca a universalidade do desenvolvimento capitalista. Processo universal de avanço tecnológico.


Robert Brenner
( origens do capitalismo).

Objetivo: quebrar o hábito comum de aplicar à questão histórica central a petição de princípio, a prática de admitir a existência da coisa cujo surgimento deve ser explicado. Distinção entre dois tipos de teorias históricas na obra do próprio Marx: um que depende do materialismo mecânico e do determinismo econômico do Iluminismo do século XVIII, e um segundo que surge da crítica madura de Marx da economia política (cf.p. 105).

Desafio de Brenner: “oferecer uma explicação da transição para o capitalismo que dependa inteiramente da dinâmica das relações feudais e de suas condições de reprodução, sem necessariamente encontrar o capitalismo no modo anterior ne apresenta-lo como uma opção viável. Esse projeto exige também o reconhecimento de que as relações de propriedade pré-capitalistas têm lógica e tenacidade próprias, não podem ser desqualificadas pelo pressuposto convencional de que as pessoas são motivadas pela necessidade de adotar a próxima opção disponível (capitalista), uma necessidade a que as estruturas existentes não são capazes de resistir” (p.106).

Observações:
Transição para uma nova sociedade: resultado de uma transformação das relações de propriedade existentes das regras feudais de reprodução para as novas regras capitalistas.
O capitalismo não coexistiu com à economia feudal. Sua emergência não decorre de um amadurecimento. Há sim um processo de transformação onde um tipo de sociedade se transforma em outro. A transição para uma sociedade capitalista é decorrente de um processo de transformação das relações agrárias. Os produtores diretos não abandonam o campo e fazem a opção em se incorporar à economia capitalista.
Reconhecimento da especificidade do capitalismo e suas leis de movimento
O capitalismo pressupõe a existência de mercados e comércio , mas não se pode afirmar que ambos sejam intrinsecamente ou tendenciosamente capitalistas.
Necessidade de se explicar a emergência do capitalismo e do mercado capitalista como imperativos.
Desafia as premissas do determinismo tecnológico. Evita admitir sem discussão o desenvolvimento universal do capitalismo subordinando-o a uma lei qualquer de mudança tecnológica. Explica como condições historicamente específicas produziram os imperativos tecnológicas que são característica única do capitalismo e sua única motivação expansionista.
Busca na dinâmica do próprio feudalismo a força motriz de transição.Desafia a noção da teoria histórica vista como uma descrição geral de leis universais que se movem numa direção predeterminada.



Idéia 3: Capitalismo e desenvolvimento tecnológico.

“Uma coisa é dizer que o capitalismo favorece de maneira ímpar o desenvolvimento tecnológico. Outra coisa muito diferente é afirmar que o capitalismo se desenvolveu ‘porque’ favorece o desenvolvimento tecnológico, ou que o capitalismo tinha de se desenvolver porque, de alguma forma, a história exige o desenvolvimento das forças produtivas, ou que sistemas menos produtivos são seguidos necessariamente por outros mais produtivos, ou que o desenvolvimento das forças produtivas é o único princípio conhecido do movimento histórico de um modo de produção para outro. Uma vez que se admita o imperativo específico do capitalismo de aprimorar as forças de produção – como o admite até o mais renhido determinista tecnológico -, parece mais eficiente...e menos evasivo dizer que a universalidade do capitalismo demonstra a especificidade de seu impulso de aprimoramento das forças produtivas, seu impulso e sua capacidade competitivos e expansionistas, em vez de generalidade do determinismo tecnológico” (p.109).

Idéia 4: Materialismo histórico e determinismo tecnológico.
“A característica mais nítida do materialismo histórico – a que o diferencia mais radicalmente, tanto na forma como na substância , das teorias ‘burguesas’ convencionais de progresso – não é a obediência a uma lei geral do determinismo tecnológico. É, na verdade, um foco (como o que caracteriza a mais completa sistemática das obras do próprio Marx, a crítica da economia política que lê efetivamente praticou e a análise que fez do capitalismo) sobre a especificidade de todo modo de produção, sua lógica endógena de processo, as ‘leis de movimento’ específicas de cada um e sua crises características – ou, conforme a fórmula de Brenner, suas próprias regras de reprodução (...) O determinismo tecnológico assume a forma de previsões retrospectivas ou mesmo teleológicas, com o benefício do conhecimento do que realmente ocorreu, com tamanho graus de generalidade que nenhuma evidência empírica é capaz de falsifica-lo, ao passo que o materialismo histórico exige especificação empírica que não pressupõe um resultado predeterminado” (p.109).


Idéia 5: Crítica ao marxismo: adoção de uma visão mecânica e simplista da história. Todas as sociedades estão predestinadas a passar por uma única seqüência de estágios: comunismo primitivo, feudalismo, capitalismo e socialismo (cf p .110)

Observações:
Discussão nessa crítica: além do valor do marxismo como teoria da história a viabilidade do projeto socialista. Se há erro quanto ao curso unilinear da história, também haverá em relação a inevitabilidade ou possibilidade do socialismo.

Idéia 6: Materialismo histórico não é um determinismo tecnológico. Sua força não está numa concepção unilinear da história , mas numa sensibilidade às especificidades históricas. Necessidade de um exame detalhado da teoria marxista da história e da diferença entre determinismo tecnológico e materialismo histórico (cf. p. 110, 111).

Idéia 7: Insistência de Marx: o desenvolvimento capitalista das forças produtivas não visa reduzir o tempo de trabalho necessário para a produção material em geral, mas aumentar o tempo de trabalho excedente das classes trabalhadoras (cf. p. 112).

Observações:
Necessidade de distinção entre toda tendência geral de melhoria de forças produtivas e a tendência específica do capitalismo de revolucionar as forças de produção (cf. p.113).
Mudança tecnológica e melhoramentos da produtividade do trabalho são características específicas do capitalismo. Ele possui a capacidade e a necessidade de expulsas outras formas sociais impondo a sua lógica (cf. p. 115)

Idéia 8: O princípio da contradição entre forças e relações de produção (cf. p. 116 e 120). As forças de produção não representam um princípio autônomo do movimento histórico, externo a todo sistema de relações sociais. As estratégias de reprodução são determinadas não em isolamento mas nas relações entre apropriadores e produtores(cf. p.119).

Idéia 9 : Questão crítica paraMarx
“ ... o impulso específico do capitalismo de revolucionar as forças de produção, o que é diferente de qualquer tendência mais geral de melhorar as forças de produção que possam ser atribuídas à história como um todo. Nesse sentido, ele foi capaz de manter consistentemente os dois pontos de vista: o de que a história demonstra uma tendência geral de melhorar as forças de produção e o de que o capitalismo tinha uma necessidade e uma capacidade especiais de revolucionar as forças produtivas” (p. 123, grifo do autor).
Observações:

Marx:
Destaca que “ O impulso capitalista é ... aumentar a porção não-paga do trabalho” (p. 123, grifo do autor).
“insistiu na especificidade da exigência capitalista de produtividade e na necessidade de se encontrar uma explicação para ela” (p. 123).
“deu o salto qualitativo necessário para tornar possível uma explicação da transição, e assim estabeleceu uma base para uma teoria geral da história que também iria tratar outros modos de produção em seus próprios termos específicos” (p.123).

Idéia 10: Ponto de partida para Marx

“..o ponto de partida de Marx é a recusa de incorporar o capitalismo no processo histórico que o produziu, e especialmente de uma teoria da história em que todo modo de produção é acionado por suas próprias leis diferentes de movimento, seu procedimento caracterísitco é exatamente o oposto da explicação teleológica ou mesmo da funcional” (p. 124).

Idéia 11: Dois projetos de socialismo
“ O marxismo tecnológico-determinista tende a sugerir que o objetivo do socialismo é aperfeiçoar o desenvolvimento das forças produtivas (...) A outra versão do marxismo, que busca sua inspiração na caracterização feita pelo próprio Marx da história (ocidental) como a crescente separação dos produtores diretos dos meios de produção, sugere um projeto diferente para o socialismo: a reapropriação dos meios de produção pelos produtores diretos. O primeiro projeto... seria provavelmente impelido por impulsos antidemocráticos...O Outro projeto tem em seu núcleo as mais altas aspirações democráticas, resumidas na definição de Marx do socialismo como, nos seus fundamentos ‘uma associação livre de produtores’” (p. 125).

Idéia 12: Universalidade do projeto socialista. Tem alcance universal por ser o fim de todas as classes. O significativo do capitalismo não é somente o fato dele representar o mais alto grau de desenvolvimento das forças produtivas, mas também de ser o mais alto grau de desenvolvimento da exploração, último estágio da separação dos produtores dos meios de produção...







História ou Teleologia[2]? Marx versus Weber
(Págs. 129-154)
Contraposição: quem é teleológico, reducionista, unilinear? Marx ou Weber?
Weber, e não Marx, viu o mundo através do prisma da concepção unilinear, teleológica e eurocêntrica da história.
Marx tentou, como nenhum outro teórico, erradicar tal forma de analisar a realidade.
Posição hegemônica entre acadêmicos não marxistas:
Categorias
Marx
Weber
Causalidade do Modo Capitalista de produção
Reducionista – determinismo econômico
Causas múltiplas – autonomia ideológica e política
História
Teleológica –
Eurocêntrica
Afinada com a variabilidade e complexidade da cultura humana
Metodologia
Reducionismo: sistematizações excessivas, causa única, processo unilinear das complexidades culturais e históricas: desenvolvimento das forças produtivas
“Tipos ideais” reconhece a complexidade e multicausalidade
WOOD: Crítica à Weber - redução da teoria social a uma teleologia pré-marxista:
1. Toda a história é um movimento tendencioso em favor do capitalismo
2. O destino capitalista é sempre percebido nos movimentos da história
3. As diferenças entre as várias formas sociais estão relacionadas aos modos particulares com que incentivam ou obstruem o movimento histórico único (o capitalismo).

O progresso e a ascensão do capitalismo
Idéia de PROGRESSO no Iluminismo, constituída de 2 ramos distintos, relacionados entre si:
aperfeiçoamento humano como fenômeno essencialmente cultural e político, ascensão da razão e liberdade;
materialismo que representava a história como estágios na evolução dos “modos de subsistência” e, amadurecimento da “sociedade comercial”, o último estágio e o mais perfeito. Desenvolvimento da mente humana como decorrência da necessidade do aperfeiçoamento dos instrumentos da produção: novas técnicas (PROGRESSO TÉCNICO).
Divisão do trabalho: cidade-campo cada vez mais refinada, na especialização das profissões e nos setores de trabalho.
Acompanharam tais melhorias:
a) Plano cultural: racionalidade crescente, afastamento do que não é lógica cartesiana (superstição).
b) Plano político: avanço da liberdade.
Segundo tal premissa, o embrião da “sociedade comercial”, que seria origem da sociedade capitalista, já existiria desde os primórdios da humanidade. Assim, o capitalismo seria o “estágio maduro” da sociedade comercial e da divisão do trabalho (técnica), por tal processo de amadurecimento.
Feudalismo europeu representaria um “hiato” no desenvolvimento da sociedade comercial, uma vez que estivera bem enraizada e sofrera conseqüências das invasões bárbaras, sendo considerado a “Idade das Trevas” em tal desenvolvimento.
Ascensão do capitalismo assume características diferentes na Inglaterra e França. Enquanto na primeira, se desenvolveria o capitalismo no campo, pois os barões das terras “deram lugar” aos fazendeiros mais progressistas e o comércio obrigou à reorganização da agricultura, na França, o projeto da burguesia se contrapôs à aristocracia atrasada, “obrigando” ao desenvolvimento do capitalismo na cidade.
Antítese burguesia Û aristocracia e as formas de propriedade que representavam, passou a ser vista como a FORÇA MOTRIZ DA HISTÓRIA, conforme paradigma burguês.
Marx, “jovem”: assume tal dinâmica de análise, fazendo parte desta tradição burguesa. Entretanto, entre a escrita de “A ideologia alemã” e “O Capital”, tendo como marco “Grundisse”, a FORÇA MOTRIZ DA HISTÓRIA não é mais o progresso, a divisão natural do trabalho, mas passa a ser a transformação das relações entre senhores e servos, nas relações de propriedade pré-capitalistas em capitalistas. As relações de propriedade subjugam os produtores diretos aos ditames do mercado como nunca.
Conceito de MODO DE PRODUÇÃO: forma social, modo específico de atividade econômica, com suas próprias leis, sua dinâmica e lógica própria de processo, contrapondo-se às concepções anteriores de desenvolvimento econômico como o progresso natural, inevitável, de uma lógica econômica universal.
Crítica da Economia Política: Marx conduz análise, libertando-se das categorias da ideologia capitalista, a economia política clássica. Teóricos burgueses universalizam aplicação de categorias próprias, específicas do capitalismo, de forma que atividades econômicas das formações pré-capitalistas sejam consideradas como capitalismo em fase imperfeita, “inferior”. Isto, além de ocultar as especificidades do capitalismo, oculta também as de outras formas de organização da sociedade.
METODOLOGIA: Marx, analisa o MODO DE PRODUÇÃO capitalista, jogando umas categorias contra as outras. Sistematiza sua análise revelando as diferenças entre diferentes atividades econômicas, diferentes MODOS DE PRODUÇÃO e revela que o capitalismo é uma forma social única, exclusiva, que se constitui não somente como amadurecimento de outras formas sociais, mas como sua transformação.
Em “O Capital”, Marx esboçou formas através das quais “os produtores camponeses, especificamente na Inglaterra foram expropriados, criando, de um lado, uma classe de fazendeiros arrendatários capitalistas sujeitos aos imperativos do mercado e, de outro, um proletariado de trabalhadores agrícolas obrigados a vender sua força-de-trabalho em troca de salário” (pág. 133).

Weber fala sobre trabalho e o espírito do capitalismo
A conjunção de produção e intercâmbio
Weber: teleologia burguesa assume forma mais sutil. Seu “tipo ideal” abrange: amplo espectro de formas sociais, variedades de ação social, liderança e dominação política. Ao contrário de outros teóricos burgueses, Weber não buscou generalizar a experiência da Europa Ocidental e ver em todos os lugares e épocas a lógica do capitalismo ocidental, teve como projeto “identificar a especificidade de cada civilização ocidental como um entre muitos padrões históricos” (Pág. 135).
Weber criticou concepções ocidentais de progresso e construiu uma sociologia histórica cuja estrutura conceitual filtra a história através do prisma da economia capitalista moderna. Para ele, as origens do capitalismo estão relacionadas com a ética protestante, estímulo pela Reforma e incentivo que deu à ética do trabalho e da racionalidade econômica.
Vocação, valores do ascetismo, glorificação do trabalho duro associada ao calvinismo, além da predestinação, propiciaram desenvolver o “espírito do capitalismo”.
Trabalho maldito X trabalho virtude e obrigação moral.
Protestantismo, contexto urbano, cuja burguesia desenvolvera a ética comercial, possibilitou nascimento do capitalismo, que se pode considerar como sendo a “junção” da racionalidade econômica e a ética do trabalho.
Pela teoria de Weber, da ÉTICA PROTESTANTE, pode-se compreender que o comércio, como mecanismo simples de troca e circulação, se transformou no princípio organizador da produção.
A Ética do Trabalho de Weber marcou o discurso econômico ocidental e serviu como pedra fundamental da ideologia capitalista: o TRABALHO é atividade econômica do capitalista, não atividade dos explorados, dos expropriados, mas atividade do burguês.
Questão não muito discutida: “a apropriação do trabalho de outra pessoa” é considerada como o equivalente ao trabalho em si, assim, o senhor reivindica não apenas os frutos do trabalho do seu servo, mas a atividade do trabalho e todas as virtudes dela decorrentes são atributos do senhor”.
O trabalho é obscurecido pela atividade do capitalista: “...Num sistema econômico em que a produção de mercadorias se generaliza, no qual toda a produção é produção para comércio, em que toda produção é subordinada à auto-expansão do capital, em que toda produção é a produção do capital, no qual o excedente de trabalho é apropriado não por coação direta, mas por meio da mediação do intercâmbio de mercadorias, a atividade de produção se torna inseparável da atividade de intercâmbio no mercado. Intercâmbio e não o trabalho produtivo, passa a ser definido como a essência da atividade econômica”.
A cidade como centro de consumo ou de produção
Weber define “produção” de forma circular (produção é do capital, não do trabalho), que implica sua concepção de história e desenvolvimento do capitalismo: na distinção crítica entre cidades como centro de produção versus cidade como centro de consumo.
Cidade grega ou romana (antiga): centro de consumo, prioridade para interesses dos consumidores
Cidade européia (medieval): centro de produção, maior peso cultural e político aos interesses dos produtores
Cidades medievais: “É a localização social e cultural do empreendedor, e não a do trabalhador, que determina, para Weber, a condição social e cultural da “produção” e do “trabalho”. (pág. 140).
CONDIÇÃO DO TRABALHO COMO ATRIBUTO DA BURGUESIA, NÃO DOS TRABALHADORES: a cidade medieval era centro de produção, pois incentivava o empreendedor, não atendia interesses dos trabalhadores.
Ética do trabalho = sujeição do trabalho às exigências do intercâmbio lucrativo e não elevação cultural do trabalhador ou a atividade do trabalho produtivo (em si).
A ascensão do capitalismo moderno
Discussão do “espírito do capitalismo”, no Ocidente, em Weber: centro de produção medieval dava rédeas à racionalidade econômica e seu espírito (e características culturais) produtivo, abriu caminho para a ética do “trabalho”.
Ética do trabalho = capitalista porque identifica-o com produtividade maximização de lucros.
A ética burguesa: antítese da mentalidade consumidora do feudalismo e obstruída por ela, “ao mesmo tempo, o feudalismo permitiu desenvolvimento do capitalismo em seus insterstícios urbanos”.
“(...) a questão não é a transição de uma economia rural para outra urbana, nem da agricultura para a indústria. Antes mesmo de levantar a questão da industrialização” é necessário encontrar uma explicação para o modo como as relações entre apropriadores e produtores, fossem eles urbanos ou rurais, se transformara de maneira a submeter a produção aos imperativos da competição capitalista e da maximização do lucro e à compulsão para a acumulação por meio do aumento da produtividade. Essa transformação das relações sociais de propriedade é postulada, e não explicada, pela premissa de que os imperativos capitalistas existem de forma embrionária em qualquer economia urbana, esperando ser libertados pela retirada de obstáculos políticos ou culturais (...)” “Pág. 146)
“Ação econômica” e definição “puramente econômica” do capitalismo
Weber não se interessou pelas relações sociais de propriedade ou suas transformações históricas; mudanças provocadas pelo capitalismo = progresso técnico, impessoal, trans-histórico, estágio da racionalidade econômica.
Transformação das relações entre classes apropriadoras e produtoras, urbanas ou rurais, está fora de sua estrutura conceitual.
Ação econômica é intercâmbio no mercado, produção e apropriação não são atividades econômicas.
Prioridade: propriedade já apropriada (no consumo passivo ou na busca do lucro) X processo de apropriação (trabalho excedente dos produtores primários se torna propriedade de outro).
Economia = mercado, classe = mercado. Classe não se define por relações de exploração entre apropriadores e produtores, mas por “oportunidades desiguais no mercado”. Onde não há mercados, predominam outras formas de estratificação: status. Onde há mercado, há classes.
ECONOMIA = mercado, a circulação e o intercâmbio, NÃO O TRABALHO e sua apropriação.
Universalização dos princípios econômicos do capitalismo. Como puramente econômico, o capitalismo existe em todos os lugares onde as pessoas buscam o lucro.
O método de Weber: multicausalidade ou circularidade tautológica?
Admiradores de Weber: louvação à concepção multidimensional de Weber de causação social
Pluralismo causal:
não há uma única fonte de poder social (princípio de causação), como o determinismo econômico de Marx (econômico determina poder e relações sociais);
várias fontes de poder social – econômico, político, militar, ideológico – se combinam e recombinam numa série de hierarquias causais específicas;
Pluralismo causal (Weber) X abordagem monística (Marx – determinismo econômico)
Crítica de Wood:
A autonomia – a definição de poder político e militar revela uma concepção universalizadora do econômico (específica do capitalismo). “Essa concepção do econômico é ainda mais restrita pela exclusão tanto da produção quanto da apropriação, ou pelo menos de sua absorção nos processos de intercâmbio no mercado, de uma forma que se aplica apenas às realidades econômicas do capitalismo – e mesmo assim, somente como abstração formal e tendenciosa.” (Pág. 152)
o conceito de modo de produção em Marx é mais sensível à especificidade e variabilidade históricas do que o esquema conceitual de Weber é derivado e universalizado da experiência do capitalismo.
História, progresso e emancipação
A crítica da economia política e o conceito de modo de produção libertaram a história das categorias limitadoras da ideologia capitalista.

História = possibilidade de mudança X Teleologia = desespero ou abraço generoso.

Crítica da economia política X submissão acrítica às premissas e categorias do capitalismo.

Projetos universais de emancipação humana
Submissão à força irresistível do capitalismo
Grandes narrativas
Afirmação das diferenças
e de políticas de identidade

O tipo ideal de Max Weber corresponde ao que Florestan Fernandes define como “conceitos sociológicos construídos interpretativamente como instrumentos de ordenação da realidade”. O conceito, ou tipo ideal é previamente construído e testado, depois aplicado a diferentes situações em que o cientista presume que dado fenômeno possa ter ocorrido. Na medida em que o fenômeno se aproxima ou se afasta de sua manifestação típica, o sociólogo pode identificar e selecionar aspectos que tenham interesse à explicação, como, por exemplo, os fenômenos típicos “capitalismo” e “feudalismo”.


O demos versus “nós, o povo”: das antigas às modernas concepções de cidadania (pág 177 a 204
Seções desenvolvidas no texto:

1 – O demos versus “nós, o povo”: das antigas à modernas concepções de cidadania

Idéia Central:
A autora desenvolve o conceito de democracia ateniense a partir do conceito de cidadania. Parte da concepção feudalista até chegar a concepção republicana. Na transição de concepção não houve um abandono completamente aos princípios feudais. Ainda caracterizava a unidade inseparável entre os poderes econômico e político militar que haviam constituído o senhorio feudal. Por outro lado, há uma restrição do poder popular e a ampliação de “povo” para “multidão popular”. Ou seja, a doutrina da supremacia parlamentar viria a operar contra o poder popular. O parlamento é o responsável último perante o seu eleitorado, mas o povo não é realmente soberano.

Citações textuais:
“O antigo conceito de democracia surgiu de uma experiência histórica que conferiu status civil único às classes subordinadas, criando principalmente, aquela formação sem precedentes, o cidadão camponês”. (p.177)
Cidadania é o conceito constitutivo da democracia antiga.
No feudalismo: “O cidadão ateniense afirmava não ter senhor, não ser servo de nenhum homem mortal. Não era devedor de serviço nem de deferência a nenhum senhor, nem se preocupava com a obrigação de enriquecer com seu trabalho algum tirano.” (p.177)
Na república: “A cidadania ativa seria reservada para os homens proprietários e deveria excluir não apenas as mulheres, mas também os homens que [...] não tivessem com que viver por si só, ou seja, aqueles cuja sobrevivência dependesse do trabalho prestado a outros. Essa concepção de cidadania tinha em seu núcleo uma divisão entre uma elite proprietária e uma multidão trabalhadora.” (p.179)

2 – O capitalismo e a cidadania democrática

Idéia Central:
A autora destaca a diferença entre o sentido da democracia ateniense e capitalista. Com o capitalismo, o status cívico, os benefícios dos privilégios políticos, deram lugar à vantagem puramente econômica, o que tornou possível uma nova forma de democracia. Ela parte que a democracia ateniense, representa uma exceção única. Ela quebrou a barreira entre o Estado e a aldeia, pois a aldeia se tornou efetivamente unidade constitutiva do Estado, e os camponeses se tornaram cidadãos. Com o capitalismo há um deslocar do poder do senhorio para a propriedade. Surge o cidadão passivo, com alcance limitado diante do poder econômico. Há o desenvolvimento da ação individualizada em detrimento da ação coletiva. Há uma desvalorização da cidadania, como ação política coletiva, pois está atrelada a propriedade privada e ao mercado.

Citações textuais:
“Na Atenas democrática, cidadania significava que os pequenos produtores, em particular os camponeses, eram em grande parte livres da exploração ‘extra-econômica’. Sua participação política – na assembléia, nos tribunais e nas ruas – limitava a exploração política. Ao mesmo tempo, ao contrário dos trabalhadores no capitalismo, eles ainda não estavam sujeitos às pressões puramente ‘econômicas’ da falta de propriedade. As liberdades política e econômica eram inseparáveis – a liberdade dupla do demos em seu significado simultâneo de condição política e de classe social, o homem comum ou o pobre; ao passo que a igualdade política não apenas coexistia com a desigualdade socioeconômica, mas a modificava substancialmente. Neste sentido, a democracia em Atenas não era apenas formal, mas substancial.” (p. 184)
“Na democracia capitalista, a separação entre a condição cívica e a posição de classe opera nas duas direções: a posição socioeconômica não determina o direito à cidadania – e é isso o democrático da democracia capitalista –, mas, como o poder do capitalista de apropriar-se do trabalho excedente dos trabalhadores não depende de condição jurídica ou civil privilegiada, a igualdade civil não afeta diretamente nem modifica significativamente a desigualdade de classe – e é isso que limita a democracia no capitalismo. As relações de classe entre o capital e o trabalho podem sobreviver até mesmo à igualdade jurídica e ao sufrágio universal. Neste sentido, a igualdade política na democracia capitalista não somente coexiste com a desigualdade socioeconômica, mas a deixa fundamentalmente intacta.” (p.184)

3 – A redefinição americana de democracia.

Idéia Central:
A autora desenvolve o conceito de democracia representativa, como uma antítese do conceito de isegoria[3] definida pela democracia ateniense. Wood (2003) aponta a democracia representativa, como um exemplo da ideologia da cultura política anglo-americana. Porém, adverte que os americanos não inventaram a representação democrática, mas receberam o crédito pelo estabelecimento de uma idéia constitutiva essencial da democracia moderna. Esta representação é uma forma de distanciar o povo da política, favorecendo as classes proprietárias.

Citações textuais:
No capitalismo “[...] tornou-se possível conceber uma ‘democracia formal’, uma forma de igualdade civil coexistente com a desigualdade social e capaz de deixar intocadas as relações econômicas entre a elite e a multidão de trabalhadores.” (p.184)
“A democracia representativa, [...], é a democracia civilizada com um toque de oligarquia.” (p.188)

4 – Um “povo” sem conteúdo social.

Idéia Central:
A autora resgata a concepção de povo ateniense e americana, objetivando defender a idéia que a concepção de povo americano distancia-se do conteúdo social, pois a estrutura social do capitalismo altera o significado de cidadania ateniense e romana, privilegiando o poder político do Estado e a supremacia econômica.
O povo na concepção ateniense era uma comunidade ativa e o aspecto político era representado por um Estado central distante. Para os federalistas (americanos) a concepção de povo se constitui assim como para os gregos uma política inclusiva, com ênfase do poder do governo federal. Porém, os federalistas deslocam a democracia para uma esfera puramente política, distinta e separada da sociedade civil, ou seja, a economia, diferenciando-se assim da concepção grega.

Citações textuais:
“Em Atenas não havia uma economia distinta e autônoma, nem o conceito de Estado como algo distinto da comunidade de cidadãos – não havia o Estado de Atenas ou da Ática – , havia atenienses.” (p. 193)
“É o capitalismo que torna possível uma forma de democracia em que a igualdade formal de direitos políticos tem efeito mínimo sobre as desigualdades ou sobre as relações de dominação e de exploração em outras esferas. Esses desenvolvimentos avançaram bastante nos Estados Unidos durante o século XVIII, possibilitando a redefinição de democracia esvaziada de conteúdo social, a invenção da democracia formal, a supressão dos critérios sociais na definição da democracia e na concepção de liberdade associada a ela. Portanto, tornou-se possível aos federalistas reivindicar o uso da linguagem da democracia, enquanto se dissociavam enfaticamente do governo pelo demos no seu significado grego original. Pela primeira vez, ‘democracia’ podia significar algo inteiramente diferente do que significava para os gregos.” (p. 193)

5 – Da democracia ao liberalismo

Idéia Central:
A autora defende a idéia de que a democracia foi superada pelo liberalismo. O conceito de democracia foi submetido a novas pressões ideológicas (como já evidenciado nas seções anteriores) pela classe dominante, sob efeito da mobilização de massa (adição de princípios democráticos, como sufrágio universal). Um Estado centralizado separado e superior a outras jurisdições mais particularizadas, foram precondições fundamentais para o liberalismo.
O liberalismo surgiu no feudalismo como uma garantia as liberdades, os poderes e os privilégios feudais. No discurso político moderno, surgiu não apenas como um conjunto de idéias, retóricas de linguagem e instituições criadas para limitar o poder do Estado, mas também como substituto da democracia.
Houve uma mudança de foco: a democracia passou do exercício ativo do poder popular para o gozo passivo das salvaguardas e dos direitos constitucionais e processuais, e do poder coletivo das classes subordinadas para a privacidade e o isolamento do cidadão individual.

Citações textuais:

O conceito de democracia passou a ser identificado com liberalismo. “ O significado da palavra liberalismo é claramente ilusório e variável. Eu o estou usando aqui para referir a um corpo de princípios geralmente relacionados a governo ‘limitado’, a liberdades civis, a proteção da esfera de privacidade contra a invasão do Estado, junto com a ênfase na individualidade, na diversidade e no pluralismo.” (p.196)
“Não existia ‘liberalismo’ – constitucionalismo, governo limitado, ‘direitos individuais’ e liberdades civis – na Antiguidade clássica. A democracia antiga, em que o ‘Estado’ não tinha existência separada como entidade isolada da comunidade de cidadãos, não produziu uma concepção clara da separação entre ‘Estado’ e ‘sociedade civil’ e o cidadão individual da interferência dele.” (p.197)

6 – Democracia liberal e capitalismo

Idéia Central:
Para a autora a idéia de democracia liberal só se tornou pensável com o surgimento das relações sociais capitalistas de propriedade. O capitalismo tornou possível a redefinição de democracia e sua redução ao liberalismo. Isto ocorre devido a separação e o isolamento da esfera econômica e sua invulnerabilidade ao poder democrático.
A autora destaca que há muita coisa boa no liberalismo que deve ser preservada e aperfeiçoada, objetivando a idéia de democracia no seu sentido literal como poder popular. Apesar das ambigüidades da democracia moderna no contexto capitalista, esta ainda é mais inclusiva que a ateniense, pois ganhou muito da absorção dos princípios liberais, do respeito às liberdades civis e dos direitos humanos.


7 – Considerações:

Wood neste capítulo enfatiza a defesa da sua tese, desenvolvida ao longo de sua obra, de que a democracia como a concebe, diante dos fundamentos da democracia ateniense é incompatível com o capitalismo, pois o desafio da democracia é o governo do povo e pelo povo, e esta idéia se exclui na prática e se fragiliza, diante do capitalismo, que na sua essência é incompatível com a democracia. Não existe um capitalismo governado pelo poder popular, não há capitalismo em que a vontade do povo tenha precedência sobre os imperativos do lucro e da acumulação, não há capitalismo em que as exigências de maximização dos lucros não definam as condições mais básicas da vida. Pensar a democracia também como uma categoria econômica é uma possibilidade de desvelar a tendência oculta da relação de exploração e de dominação existente na sociedade, sob a égide da própria democracia. Esta separação entre o político e o econômico talvez seja o mecanismo mais eficiente de defesa do capitalismo, de ocultar a essência da democracia de um governo de classes.




Idéias principais do capítulo: Sociedade Civil e Política de Identidade (p. 205 a 225)

Sociedade Civil e Política de Identidade

Wood critica tendências teóricas dominantes da esquerda de ficar conceituando a idéia de capitalismo numa época em que urge fazer sua crítica, demonstrando a singularidade de sua lógica e sua especificidade enquanto formação social.

As relações de classe constitutivas do capitalismo passam a ser tomadas como uma identidade entre outras.

Os diferentes métodos de dissolução conceitual do capitalismo têm em comum o conceito de sociedade civil e a despeito dos marcos representados por Hegel, Marx e Gramsci, a idéia transformou-se numa expressão adaptável a diversas situações, abrigando uma série de aspirações emancipadoras e recuo político nas mãos da esquerda, transformando-se em álibi para o capitalismo ( Wood, p.205).

A idéia de sociedade civil: Um breve esboço histórico

No Ocidente, temos uma tradição intelectual, originária na Antigüidade clássica que delineou uma noção de sociedade diferente do corpo de reivindicações políticas e morais independentes da autoridade do Estado cuja evolução conceitual prendeu-se desde o início ao desenvolvimento da propriedade privada como a sede distinta e autônoma do poder social ( Wood, p. 205-6).

Os romanos produziram alguns dos principais avanços na separação conceitual entre Estado e sociedade. O direito romano distinguia a esfera pública da privada dando à propriedade privada status e clareza legais nunca gozados antes ( Wood, p. 206).

A especificidade da sociedade civil modernamente não pode ser esquecida sob risco de disfarçar particularidades do capitalismo como forma social distinta com suas próprias relações sociais características (p. 206).

Nos séculos XVI e XVII, pensamento político inglês, sociedade civil era sinônimo de sociedade política ou o Estado visto como coisa pública. Essa Confusão leva à subordinação do Estado à comunidade de proprietários que constituía a nação política ( Wood, p.206).
No século XVIII, aparece a moderna concepção de sociedade civil como uma esfera diferenciada do Estado, separada das relações e atividades humanas, mas nem pública nem privada, ou talvez as duas coisas ao mesmo tempo, incorporando toda uma gama de interações sociais fora da esfera privada do lar e da esfera do mercado ( Wood, p.206).

A Completa diferenciação conceitual de sociedade civil, exigiu o surgimento de uma economia autônoma, separada da unidade do político e do econômico que ainda caracterizava o Estado absolutista (Wood, p.206)

As condições inglesas, sistema de relações de propriedade a apropriação capitalista, agora mais avançado e dotado de um mecanismo de mercado mais desenvolvido, tornaram possível a moderna oposição conceitual entre Estado e sociedade civil ( Wood, p. 207).

Hegel, a sociedade civil ou burguesa, era a esfera dos indivíduos que deixaram a unidade da família para ingressar na competição econômica, é contrastada com o estado, ou sociedade política. A sociedade civil é uma arena de necessidades particulares, interesses egoístas e divisionismo, dotada de um potencial de autodestruição. Para Hegel só através do Estado pode o interesse universal prevalecer, pois não crê na existência de qualquer racionalidade inata a sociedade civil que leve ao bem geral, ao contrário de Locke, Rousseau e Smith (Bottomore, p. 351).

Nos Princípios da Filosofia do Direito, Hegel busca representar o Estado como materialização do interesse geral da sociedade. Estando supostamente situado acima dos interesses particulares, o Estado seria capaz de superar a divisão entre ele próprio, Estado, e a sociedade civil, bem como o abismo entre o indivíduo, como pessoa privada, e o cidadão (Bottomore, p. 134).

A sociedade civil aparece nos primeiros escritos de Marx como uma medida da transição da sociedade feudal a burguesa. É definida por ele como o terreno do materialismo crasso, das modernas relações de propriedade, da luta de cada um contra todos e do egoísmo, a sociedade civil surge, insiste ele, da destruição da sociedade medieval. Anteriormente os indivíduos eram parte de muitas sociedades diferentes, como as guildas ou os estados, cada uma das quais tinha um papel político, de modo que não havia um domínio civil à parte . Quando essas sociedades parciais de desagregaram, emergiu a sociedade civil, na qual o indivíduo se tornou de suma importância. Os antigos laços de privilégio foram substituídos pelas necessidades egoístas de indivíduos atomísticos, separados uns dos outros e da comunidade. Os únicos laços sociais que existem entre eles são proporcionados pela lei, que não é produto de sua vontade e não se ajusta à sua natureza , mas que domina as relações humanas pela ameaça da punição. A natureza fragmentária e conflitante da sociedade civil, com suas relações de propriedade, carece de um tipo de política que não reflita esse conflito, mas dele seja abstraído e afastado. O Estado moderno torna-se necessário ( e ao mesmo tempo limitado) pelas características da sociedade civil. A fragmentação e a miséria da sociedade civil escapam ao controle do Estado, que está restrito a atividades formais, negativas, e se torna impotente devido ao conflito que é a essência da vida econômica. A identidade política dos indivíduos como cidadãos na sociedade moderna é separada de sua identidade civil e de sua função na esfera produtiva (Bottomore, 351).

Duas divisões se desenvolvem simultaneamente na análise de Marx: a divisão entre os indivíduos encerrados em sua privacidade e a divisão entre o domínio do público e do privado, ou entre estado e sociedade. Marx contrasta o idealismo dos interesses universais (tal como representado pelo estado moderno) e a abstração do conceito de cidadão (que é moral porque vai além de seu interesse estreito e imediato) como o materialismo do homem real na sociedade civil. A ironia, segundo Marx, está em que na sociedade moderna, os propósitos mais universais, morais e sociais, tal como encarnados no ideal do Estado, estão a serviço de seres humanos sujeitos à condição parcial e degradante dos desejos egoísticos individuais, das necessidades econômicas. É nesse sentido que a essência do estado moderno encontra-se nas características da sociedade civil, nas relações econômicas. Para que o conflito da sociedade civil seja verdadeiramente superado e para que o pleno potencial dos seres humanos possa realizar-se, tanto a sociedade civil, como seu produto, a sociedade política, devem ser abolidas, para o que é necessária uma revolução tanto social como política que liberte a humanidade (Botomore, p. 351).

Marx rejeita as pretensões de Hegel em sua Crítica da Filosofia do Direito de Hegel sob a alegação de que o Estado, na vida real, não representa o interesse geral, mas antes defende os interesses da propriedade Nessa obra, Marx apresenta um remédio basicamente político para essa incapacidade do estado de garantir o interesse geral, qual seja, a realização da democracia. Pouco depois, contudo, chegou à concepção de que era necessário muito mais do que isso, e que a emancipação política, por si só, não poderia provocar a emancipação humana. Essa exige uma reorganização muito mais completa da sociedade, cujo principal aspecto é a abolição da propriedade privada (Bottomore, p. 134).

O marxismo clássico sempre ressaltou o papel coercitivo do estado. O estado é essencialmente a instituição pela qual a classe dominante e exploradora impõe e defende seu poder e seus privilégios contra a classe ou classes que domina e explora (Bottomore, p. 136).

Marx nos diz que o homem como membro da sociedade civil é o homem apolítico e que " só será plena a emancipação humana quando o homem real e individual tiver em si o cidadão abstrato; quando como homem individual na sua vida empírica, no trabalho e nas suas relações individuais, se tiver tornado um ser genérico; e quando tiver reconhecido e organizado as suas próprias forças como forças sociais de maneira a nunca mais separar de si esta força social como força política “( Marx, 2003, p. 37).

No Ocidente devido a complexidade do poder político, Estados parlamentares ou constitucionais, há dificuldade de suplantar um sistema de dominação de classe em que o poder de classe não apresenta ponto de concentração visível no Estado, mas se difunde pela sociedade e suas práticas culturais ( Wood, p. 207).

Para Gramsci, sociedade civil é uma arena privilegiada de luta de classe, uma esfera do ser social onde se dá uma intensa luta pela hegemonia; e, precisamente por isso ela não é o outro do estado, mas juntamente com a sociedade política ou o Estado-Coerção um dos seus inelimináveis momentos constitutivos (Coutinho).

Muito embora Gramsci continue a usar a categoria para referir-se à esfera privada ou não estatal, para ele a sociedade civil não é simplesmente uma esfera de necessidades individuais, mas , mas de organizações, e tem o potencial de auto-regulação racional e de liberdade. Gramsci insiste na organização complexa da sociedade civil como o conjunto de organismos comumente chamados de privados, onde a hegemonia e o consentimento espontâneo são organizados. E argumenta que qualquer distinção entre sociedade civil e o estado é apenas metodológica, já que mesmo uma política de não intervenção é estabelecida pelo próprio estado. Enquanto Marx insiste na separação entre o Estado e a sociedade civil, Gramsci enfatiza a inter-relação de ambos, argumentando que, conquanto o uso cotidiano e limitado da palavra Estado possa referir-se a governo, o conceito de estado inclui, na realidade, elementos da sociedade civil. O Estado estritamente concebido como governo, é protegido pela hegemonia organizada na sociedade civil, ao passo que a hegemonia da classe dominante é fortalecida pelo aparelho coercitivo estatal. Mas o Estado também tem uma função ética ao tentar educar a opinião pública e influenciar a esfera econômica. Por sua vez, o próprio conceito de lei deve ser ampliado, diz, Gramsci, já que elementos de costume e hábito podem exercer na sociedade civil, uma pressão coletiva no sentido da conformidade, sem coerção ou sanções (Bottomore, p. 352).

Embora admita um papel para o Estado no desenvolvimento da sociedade civil, adverte contra a perpetuação da estatolatria ou culto ao Estado. Na realidade, o desaparecimento do Estado é redefinido por Gramsci em termos de um pleno desenvolvimento dos atributos auto reguladores da sociedade civil (Bottomore, p. 352).

No contexto da luta contra a ditadura no Brasil, sociedade civil se tornou sinônimo de tudo que se contrapunha ao estado ditatorial, alia-se a isso o fato de que civil também significava o contrário de militar, criando-se dessa forma uma leitura problemática, pois a dialética conceitual sociedade civil/Estado, que forma em Gramsci uma unidade na diversidade, assumiu ares de uma radical, marcada por uma ênfase maniqueista. A partir dos anos 80, no Brasil, a ideologia neoliberal em ascensão apropriou-se dessa dicotomia maniqueísta para demonizar de vez tudo que provém do Estado e para fazer a apologia acrítica de uma sociedade civil despolitizada, ou seja, convertida em um terceiro setor falsamente situado para além do Estado e do mercado (Coutinho).


O Novo Culto à Sociedade Civil

Para Gramsci, o conceito de sociedade civil deveria ser, uma arma contra o capitalismo, nunca uma acomodação a ele ( Wood, p. 208)

O uso corrente de sociedade civil se por um lado fortalecem nossa defesa de instituições e relações não-estatais, por outro tendem a enfraquecer nossa resistência às coerções do capitalismo. É tomada como arena de liberdade fora do estado; espaço de autonomia, de associação voluntária e de pluralidade . Reduz o sistema capitalista (ou a economia) a uma das muitas esferas na complexidade plural e heterogênea da sociedade moderna: multiplicidade contra as coerções do estado e da economia capitalista; ou, englobar a economia numa esfera maior de instituições e relações não estatais – ênfase na pluralidade das relações e práticas sociais, entre as quais a economia capitalista é apenas uma entre outras ( Wood, p. 208).

A lógica totalizadora e o poder coercitivo do capitalismo se tornam invisíveis quando se reduz todo o sistema social do capitalismo a um conjunto de instituições e relações, entre muitas outras, em pé de igualdade com associações domésticas ou voluntária. Essa redução é a principal característica da sociedade civil na nova encarnação ( Wood, p. 2l0).

As teorias atuais ocultam a sociedade civil em seu sentido característico de forma social específica do capitalismo, uma totalidade sistêmica dentro da qual se situam todas as outras instituições ( Wood, p. 212).

Capitalismo, Democracia Formal e a Especificidade do Ocidente

A divergência do ocidente em relação ao padrão oriental de formação do Estado recua até a Antigüidade grega, tendo um marco crítico no Império Romano. Divergência relacionada não somente com as formas políticas mas, acima de tudo com os modos de apropriação. Roma estabeleceu firme e deliberadamente a propriedade privada como uma sede autônoma de poder social, separada do estado, mas mantida por ele ( Wood, p. 216).

Na instituição do senhorio, os poderes político e econômico se uniram como haviam sido unidos onde o estado era a principal fonte de riqueza privada; mas dessa vez, essa unidade passava a existir numa forma privatizada e fragmentada ( Wood, p.216),

O capitalismo não se caracteriza apenas por uma transformação de poder social, uma nova divisão de trabalho entre o estado e a propriedade privada ou classe, mas também marca a criação de uma nova forma de coerção, o mercado ( Wood, p. 216)

A Sociedade Civil e a Desvalorização da Democracia

A separação entre Estado e sociedade civil no Ocidente certamente gerou novas formas de liberdade e igualdade, mas também criou novos modos de dominação e de coerção. Uma das maneiras de caracterizar a especificidade da sociedade sociedade civil como uma forma social única no mundo moderno é dizer que ela constituiu uma nova forma de poder social, em que muitas funções coercitivas que pertenceram antes ao Estado foram deslocadas para a esfera privada, a propriedade privada, a exploração de classe e os imperativos do mercado. Em certo sentido, trata-se da privatização do poder público que criou o mundo historicamente novo da sociedade civil ( Wood, p. 217).

Sociedade civil constituiu não somente uma relação inteiramente nova entre o público e o privado, mas um reino privado inteiramente novo, com clara presença e opressão pública própria, uma estrutura de poder e dominação única e uma cruel lógica sistêmica ( Wood, p. 217).

A sociedade civil deu à propriedade privada e a seus donos o poder de comando sobre as pessoas e sua vida diária, um poder reforçado pelo Estado, mas isento de responsabilidade ( Wood, p. 218)

É verdade que na sociedade capitalista, com a separação entre as esferas “política” e “econômica”, ou seja, o estado e a sociedade civil, o poder coercitivo público está mais centralizado e concentrado do que nunca, mas isso apenas quer dizer que uma das principais funções de coerção “pública” por parte do Estado é apoiar o poder privado na sociedade civil (218).

Para pensarmos, em termos de Brasil, o que nos coloca Wood, traria Francisco de Oliveira, quando nos fala do boicote realizado no governo de Fernando Henrique Cardoso ao chamado Acordo das Montadoras (Câmara Setorial do Ramo Automotivo).

" O episódio do boicote e do estrangulamento da câmara setorial do setor automotivo revela até que ponto esvaziou-se propositalmente a esfera pública que poderia regular os conflitos através da publicização do dissenso, através da operação dialética da privatização do público - que consistia nos impostos que eram reduzidos para que o acordo funcionasse - e na punlicização do privado, isto é, na própria publicização do dissenso e no fato de que os critérios do investimento, do lucro e suas margens, da reestruturação produtiva e do emprego das novas tecnologias, da defesa do nível de emprego e da renda dos trabalhadores, passavam a ser discutidos e acordados publicamente.. Isto é, classes sociais transitavam de seus invólucros privados para sua forma pública.

Fica-se, então, apenas com a privatização do público. Que nessa operação necessáriamente se desfaz e torna-se meramente privado, particular. O que a destruição do público opera em relação às classes dominadas, como o exemplo da câmara setorial do setor automotivo nos mostra, é destruição de sua política, o roubo da fala, sua exclusão do discurso reivindicativo e, no limite, sua destruição como classe; seu retrocesso ao estado de mercadoria, que é o objetivo neoliberal" (Oliveira: 2000, p. 78,79).

Em princípio, a coação pertenceria ao Estado, ao passo que a sociedade civil seria o local onde se enraíza a liberdade; e a emancipação humana, de acordo com tais argumentos, consiste na autonomia da sociedade civil, sua expansão e seu enriquecimento, sua libertação do estado, e na proteção oferecida pela democracia formal. Mias uma vez o que tende a desaparecer de vista são as relações de exploração e dominação que irredutivelmente constituem a sociedade civil, não apenas como um defeito alheio e corrigível, mas como sua própria essência, a particular estrutura de dominação e coação que é específica do capitalismo como totalidade sistêmica – e que também determina as funções coercitivas do estado (Wood, p. 219).

O novo Pluralismo e a Política de Identidade

Se há algo que une os vários novos revisionismos é a ênfase na diversidade, na diferença, no pluralismo (Wood, p. 219).

Romperam-se as velhas solidariedades e proliferaram movimentos sociais baseados em outras identidades e contra outras opressões, movimentos relacionados à raça, gênero, etnicidade, sexualidade. Ao mesmo tempo esses acontecimentos ampliaram enormemente as oportunidades de escolha individual, tanto nos padrões de consumo como nos estilos de vida. É o que algumas pessoas chamam de a tremenda expansão da sociedade civil (Wood, p. 220).

Uma corrente substancial da esquerda se orienta no sentido de abrirmos mão da idéia de socialismo e substituí-la ou incorporá-la a categoria que supõe mais inclusiva, a democracia, um conceito que não privilegia classe, mas trata igualmente todas as opressões (Wood, p. 220).

Novo pluralismo tem por princípio constitutivo o conceito de identidade que abrange tudo, de gênero a classe. Aspira a uma comunidade democrática que reconheça todo tipo de diferença, que incentive e celebre essas diferenças, mas sem permitir que elas se tornem relações de dominação e opressão (Wood, p. 221).

A Política da identidade seria mais inclusiva no alcance emancipatório do que a velha política do socialismo. A comunidade democrática ideal une seres humanos diferentes, todos livres e iguais, sem suprimir suas diferenças nem negar suas necessidades especiais (Wood, p. 221)

Para refletirmos sobre as colocações do parágrafo anterior escutemos Eagleton, " As diferenças não podem florescer enquanto homens e mulheres definham sob formas de exploração: e combater com eficácia essas formas implica idéias de humanidade que são necessáriamente universais (Eagleton, 1998, p. 118).

A Política de identidade apresenta limite concreto, ou seja, como situar as diferenças de classe na sua visão democrática? Diferença de classe sem exploração e dominação, como? Pode-se celebrar diferenças de cultura, gênero mas a de classe é possível? Teremos então a contradição entre a celebração da identidade por um lado, e por outro supressão da identidade. A abolição da desigualdade de classe é o fim do capitalismo (Wood, p. 221)

O conceito de igualdade formal satisfaz o critério mais fundamental no novo pluralismo, ou seja, ele não atribui status privilegiado a classe. Na verdade, no centro do novo pluralismo existe a incapacidade de enfrentar (em geral, de negar explicitamente) a totalidade abrangente do capitalismo como sistema constituído pela exploração de classe, mas formador de todas as identidades e relações sociais (Wood, p. 222).

O sistema capitalista, sua unidade totalizadora, foi conceitualmente suprimido pelas concepções difusas de sociedade civil e pela submersão de classe em categorias abrangentes como “identidade” que desagregam o mundo social em realidades particulares e separadas. As relações sociais do capitalismo se dissolveram numa pluralidade fragmentada e desestruturada de identidades e diferenças. Pode-se evitar à causalidade histórica e à eficácia política, e não há necessidade de se perguntar como tantas identidades se situam na estrutura social dominante porque deixou de existir o próprio conceito de estrutura social (Wood, p. 222).

Novo pluralismo e velho pluralismo da ciência política convencional têm em comum o pluralismo não apenas como princípio ético de tolerância, mas como teoria de distribuição do poder social. Diferindo talvez no fato de o antigo reconhecer uma totalidade política inclusiva – o sistema político, a nação ou o corpo de cidadãos, ao passo que o novo insiste na irredutibilidade da fragmentação e da diferença (Wood, p. 223).

Ambos negam a unidade sistêmica do capitalismo, ou mesmo a existência dele como sistema social; negam a importância da classe nas democracias capitalistas ou a ocultam numa multiplicidade de interesses e identidades; tornam invisíveis as relações de poder que constituem o capitalismo, a estrutura dominante de coerção que interfere em todos os cantos de nossa vida pública e privada; insistem na heterogeneidade da sociedade capitalista e perdem de vista a força global crescente da homogeneização. Reconhecem menos a diferença que a simples pluralidade (Wood, p. 223).

O problema que as teorias que não distinguem entre as muitas instituições e identidades sociais são incapazes de enfrentar criticamente o capitalismo. Como forma social específica, o capitalismo simplesmente desaparece diante de nossos olhos, enterrado sob um monte de fragmentos e diferenças (Wood, p.223).

Aquele que se afirma como projeto mais inclusivo do que o socialismo tradicional na verdade é o menos inclusivo. Em vez das aspirações universalistas do socialismo e da política integradora da luta contra a exploração de classe, temos uma pluralidade de lutas particulares isoladas que terminam na submissão ao capitalismo (Wood, p. 223).

A substituição do socialismo por um sistema indeterminado de democracia, ou a diluição das relações sociais diversificadas e diferentes em categorias gerais como identidade ou diferença, ou conceitos frouxos de sociedade civil, representa a rendição ao capitalismo e a todas as suas mistificações ideológicas (Wood, p. 224).

Não devemos confundir respeito pela pluralidade da experiência humana e das lutas sociais com a dissolução completa da causalidade histórica, em que nada existe além de diversidade, diferença e contingência, nenhuma estrutura unificadora, nenhuma lógica de processo, em que não existe o capitalismo e, portanto, nem a sua negação, nenhum projeto de emancipação humana (Wood, p. 225).


Bibliografia.

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Zahar.

COUTINHO, Nelson. Gramsci e a sociedade civil. http/www.artnet.com/br/gramsci.

EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Marin Claret, 2003.

OLIVEIRA, Francisco. Privatização do público, destituição da fala e anulação da política: o totalitarismo neoliberal. In OLIVEIRA, Francisco e PAOLI, Maria Célia. Os sentidos da democracia: política do dissenso e hegemonia global. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003.





Capitalismo e emancipação humana: raça, gênero e democracia. p. 227-242.

O texto de Hellen Wood, reflete sobre:
As perspectivas e os limites da emancipação humana na sociedade capitalista.
E os efeitos do capitalismo sobre os bens “extra-econômicos” que não se limitam a democracia, mas incluem também a igualdade racial e especialmente a de gênero.

A LUTA PELA EMANCIPAÇÃO HUMANA.
Ao lembrar Isaac Deutscher e sua mensagem para os estudantes na década de 60 do século passado Wood coloca que existem hoje em ação, fortes e promissores impulsos emancipatórios mas que os mesmos, talvez, não estejam agindo no centro da vida social, no coração da sociedade capitalista. A discussão travada hoje pela esquerda é onde vai ocorrer a batalha decisiva pela emancipação humana? No campo econômico, terreno da luta de classes ou a ênfase da luta se transferiu para os denominados bens extra econômicos?

CAPITALISMO E A LUTA PELOS BENS EXTRA – ECONÔMICOS
Ellen Wood toma o capitalismo como ponto de partida para discutir em seu texto os limites e as possibilidades das lutas emancipatórias que tem o objetivo de conquistar certos bens, denominados por ela de bens extra-econômicos, tais como: emancipação de gênero, igualdade racial, paz, saúde ecológica e cidadania democrática. Dentro desse quadro, de bens extra- econômicos, apontados pela autora, alguns não são totalmente tolerados pelo sistema capitalista porque os mesmos vão de encontro aos seus interesses maiores. Outros apresentam avanços em suas condições de conquista, mas sem colocar em risco o modo de produção capitalista.

PAZ E ECOLOGIA
Para Wood, dois desses bens extra-econômicos são especialmente difíceis de conquistar no capitalismo, dado que a conquista dos mesmos contraria os interesses capitalistas. Garantir a paz mundial vai contra a “lógica expansionista, competitiva e exploradora da acumulação capitalista no contexto do sistema nação - Estado”. Wood também não acredita que o sistema capitalista tenha condições de evitar a devastação ecológica. Para ela talvez, o capitalismo seja capaz de se ajustar a um certo grau de preocupação ecológica, porque a tecnologia de proteção ambiental tornou-se uma mercadoria lucrativa. Mas ao mesmo tempo, a autora afirma que “a irracionalidade essencial da busca da acumulação de capital, que subordina tudo às exigências de auto - expansão do capital e do chamado crescimento”, é inevitavelmente hostil ao equilíbrio ecológico. (p. 228, pa 2). As lutas pela paz mundial e saúde ecológica, bens incompatíveis com a lógica da acumulação capitalista, são movimentos sem identidades sociais específicas, ou só a tem quando cruzam com as relações de classe.

RACISMO E SEXISMO
As lutas por igualdade racial e emancipação de gênero são movimentos com identidades sociais específicas, geram forças vigorosas, tem pouca evidência de antagonismo ao capitalismo e são movimentos usados pelo capitalismo ideológica e economicamente. O capitalismo não tem uma tendência estrutural para a desigualdade de raça ou de gênero, podendo inclusive prescindir dessas desigualdades, por ser indiferente às identidades sociais das pessoas que explora. A conquista desses bens não erradica o capitalismo, mas servem para esconder as realidades estruturais do sistema e para dividir a classe trabalhadora. “A exploração capitalista pode em princípio, ser conduzida sem preocupação com cor, raça, credo, gênero ou com a dependência de desigualdades ou diferenças extra-econômicas; e ainda mais que isso, o desenvolvimento capitalista criou pressões ideológicas contra tais desigualdades e diferenças em grau sem precedentes nas sociedades pré capitalistas”. (p.229, pa.4). O capitalismo poderia sobreviver sem essas opressões específicas, mas não sobreviveria à erradicação da exploração de classe.

CAPITALISMO E A DESVALORIZAÇÃO DOS BENS POLÍTICOS

A separação entre o político e o econômico no capitalismo significa separar a vida comunitária da organização da produção, ou, a vida política é separada da organização da exploração. O capitalismo reúne produção e apropriação numa unidade inseparável e isso, para Wood, tem implicações para as condições de resistência. Muita coisa pode acontecer na política e na organização comunitária capitalista em todos os níveis sem afetar fundamentalmente os poderes de exploração do capital ou sem alterar, também de foram fundamental o equilíbrio decisivo do poder social. A autora reconhece o poder vital das lutas emancipatórias, mas coloca que as mesmas precisam ser organizadas e conduzidas com a noção clara de que “o capitalismo tem notável capacidade de afastar a política democrática dos centros de decisão de poder social e de isentar o poder de apropriação e exploração da responsabilidade democrática”. (p. 236, pa. 1).
Podemos ressaltar:
Que a democracia capitalista é limitada.
Que mesmo um estado capitalista democrático pode ser restringido pelas exigências da acumulação de capital
Que a democracia limitada capitalista não toca, ou deixa intacta, a exploração própria do sistema capitalista.
Que da antiguidade até a modernidade a democracia foi desvalorizada, como a autora demonstrou nos outros capítulos.
O SOCIALISMO E A CONQUISTA DOS BENS EXTRA - ECONÔMICOS

“O socialismo talvez não seja em si uma garantia de completa conquista dos bens extra - econômicos. Talvez não seja em si a garantia da destruição dos padrões históricos e culturais de opressão de mulheres ou racismo”. (p.242, pa. 1).
De que então é capaz o socialismo? Conforme a autora, de duas coisas importantes.
-Eliminar as necessidades ideológicas e econômicas que, sob o capitalismo, ainda são atendidas pela opressão de raça e de gênero.
-Vai permitir a revalorização dos bens extra-econômicos, cujo valor foi deteriorado pela economia capitalismo. A democracia oferecida pelo socialismo está baseada na reintegração da “economia” à vida política da comunidade, que se inicia pela sua subordinação à autodeterminação democrática dos próprios produtores.
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ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.190 p.
TEXTO: Educação e emancipação. P. 169- 184.
EMANCIPAÇÃO
Em Adorno, democracia está ligada ao conceito de emancipação. Para Adorno a democracia tem o dever não apenas de funcionar, mas operar conforme seu conceito. Isso demanda pessoas emancipadas. “Uma democracia efetiva, só pode ser imaginada, enquanto uma sociedade de quem é emancipado”. (p.141).
Adorno baseia-se em Kant ao colocar que a emancipação é uma categoria dinâmica e não estática, é um vir-a-ser e não um ser.
Adorno não defende a educação para a individualidade. Pensa que “hoje existe uma ampla carência de possibilidades sociais de individuação, porque as possibilidades sociais mais reais, ou seja, os processos de trabalho, já não exigem mais as propriedades especificamente individuais” (p.152).
“o talento não se encontra previamente configurado nos homens, mas que , em seu desenvolvimento, ele depende do desafio a que cada um é submetido. Isto quer dizer que é possível conferir talento à alguém. A partir disto a possibilidade de levar cada um a “aprender por intermédio da motivação” converte-se numa forma particular do desenvolvimento da emancipação”. (p. 170).
A isto corresponde, evidentemente, a uma instituição escola em cuja estruturação não se perpetuem as desigualdades específicas das classes, mas que partindo cedo de uma superação das barreiras classistas das crianças, torna-se praticamente possível o desenvolvimento em direção à emancipação mediante uma motivação do aprendizado baseado numa oferta diversificada ao extremo. (p.170).
“Isto não significa emancipação mediante a escola para todos, mas emancipação pela demolição da estruturação vigente em três níveis e por uma oferta formativa bastante diferenciada e múltipla em todos os níveis, da pré-escola até o aperfeiçoamento permanente, possibilitando, deste modo, o desenvolvimento da emancipação em cada indivíduo, o qual precisa assegurar sua emancipação em um mundo que parece particularmente determinado a dirigí-lo heteronomamente”. (p.170-171).
Educar para a emancipação nega o estilo autoritário de educar. (p.174).

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento maarxista. Rio de janeiro: Zahar, 1988. 454 p.
EMANCIPAÇÃO - p. 123-124
No marxismo a categoria de emancipação está relacionada à categoria de liberdade.
Na pespectiva liberal clássica, a liberdade é a ausência de interferência ou, mais especificamente, de coerção. Sou livre para fazer aquilo que os outros não me impedem de fazer.
Marx e os marxistas tendem a ver a liberdade em termos de eliminação dos obstáculos à emancipação humana, isto é, ao múltiplo desenvolvimento das possibilidades humanas e a criação de uma forma de associação digna da condição humana.
Quais os obstáculos à emancipação humana que se destacam em Marx?
Entre os obstáculos destacam-se as condições do trabalho assalariado.
IDEOLOGIA ALEMÃ: “as condições de sua vida e trabalho, e, com elas todas as condições de existência da sociedade moderna tornaram-se (...) algo sobre que os proletários individuais não têm controle e sobre que nenhuma organização social lhes pode proporcionar esse controle” ( BOTTOMORE, p.123-124).
Para superar esses obstáculos, é necessária uma tentativa coletiva, e a liberdade com autodeterminação é coletiva no sentido de que consiste na imposição, socialmente cooperativa e organizada, do controle humano tanto sobre a natureza como sobre as condições sociais de produção: “o pleno desenvolvimento do domínio humano sobre as forças da natureza bem como da própria natureza da humanidade”. (GRUNDISSE, caderno V, ed. Penguin, p. 488 in BOTTOMORE, p.123-124).
Tal domínio só se realizará completamente com a substituição do modo de produção capitalista por uma forma de associação na qual “é a associação de indivíduos (supondo uma etapa adiantada do desenvolvimento das forças produtivas modernas, é claro) que submete as condições do livre desenvolvimento e movimento dos indivíduos sob o controle destes”. Só então, “dentro da comunidade terá cada indivíduo os meios de cultivar seus dotes e possibilidades em todos os sentidos” (Ideologia) (BOTTOMORE).

EAGLETON, Terry. Marx e a liberdade. São Paulo: ed.UNESP, 1999, 53 p.

A liberdade para Marx consiste em libertar homens e mulheres da exploração do trabalho imposta pelo sistema capitalista. Ou seja, a liberdade implicaria a libertação do trabalho comercial.
Para superar o reino da necessidade Marx propõe o reino da liberdade, mas que segundo ele só floresce com base no reino da necessidade.
“A liberdade neste campo [do trabalho] só pode consistir em o homem socializado, os produtores associados regularem racionalmente seu intercâmbio com a natureza; e conseguindo isto com o mínimo dispêndio de energia e sob as condições mais favoráveis a, e dignas de sua natureza humana. Mas trata-se ainda do domínio da necessidade. Além dele começa aquele desenvolvimento da energia humana que é um fim em si mesmo, o verdadeiro reino da liberdade, a qual, entretanto, só pode florescer com base neste reino da necessidade. A diminuição da jornada de trabalho e seu pré-requisito básico”. (p.24-25).
O que Marx almeja é libertar o “valor de uso” dos seres humanos de seu aprisionamento ao “valor de troca”.
Sob as condições de mercado os indivíduos se confrontam enquanto entidades abstratas, intercambiáveis; os trabalhadores tornam-se mercadores vendendo sua força de trabalho para quem paga mais.
“Somente quando o homem real, individual resume em si o cidadão abstrato, e enquanto homem individual tiver se tornado um ser genérico em sua vida empírica, em seu trabalho individual e em suas relações individuais, somente quando o homem tiver reconhecido e organizado suas forças próprias como forças sociais, de tal modo que a força social não mais se separe dele na forma política, somente então a emancipação humana estará completa”. (Marx, in Eagleton, 1999, p. 26)
“A superação da propriedade privada é, portanto, a emancipação completa de todos os nossos sentidos e atributos humanos; mas o é precisamente porque tais sentidos e atributos tornaram-se humanos, tanto subjetiva quanto objetivamente”. (p.26).

LÖWY, Michael. Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo: Xamã, 2000
TEXTO: A atualidade do manifesto comunista. p. 148-157.

EMANCIPAÇÃO: “A libertação dos oprimidos será obra dos próprios oprimidos”.

“Proletários de todo o mundo uni-vos!”
Para quê? Para emancipar a humanidade. Para “suprimir todas as condições no seio das quais o homem é um ser diminuído, sujeitado, abandonado, desprezado” (p. 149).
A emancipação da humanidade deve ser a emancipação da exploração do trabalho em Marx. A emancipação da humanidade era o valor supremo e a meta final de combate, possível de ser alcançada com a organização do proletariado. A estratégia possível era e continua sendo a luta e a unidade internacional.
Essa luta não é um prazer solitário, nos diz Bensaïd, porque reciprocamente o livre desenvolvimento de cada um não é concebido sem livre desenvolvimento de todos. O Manifesto não traça os planos da sociedade futura, mas propõe “a organização paciente do proletariado em classe”, movimento real da abolição da ordem e “o ataque da sociedade em suas próprias bases”, como “lógica da emancipação e do possível, enraizada na realidade do conflito”. (p. 143). Essa seria as condições históricas da emancipação.
O chamado visionário de Marx, aos proletários do mundo, segundo Löwy, está, hoje, mais na ordem do dia do que em 1848. Apesar do desemprego que leva alguns teóricos a defender o fim da categoria trabalho com central na sociedade capitalista e do adeus ao proletariado (Habermas, Kurz, Offe), Löwy traz a idéia de que hoje “a massa de trabalhadores assalariados, explorados pelo capital - operários, empregados, trabalhadores dos serviços, precários, trabalhadores agrícolas - é a maioria da população do globo. É, e de longe, a principal força no combate de classe contra o sistema capitalista mundial, e o eixo em torno do qual podem e devem se articular as outras lutas e os outros atores sociais”. (p. 154).

LÖWY, Michel. Marxismo, modernidade e utopia.
TEXTO: Marxismo e utopia. p.124 – 130
A terceira tese de Marx sobre Fauerbach diz que: “A doutrina materialista sobre alteração das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias são alteradas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado. Ela deve, por isso, separar a sociedade em duas partes – uma das quais é colocada acima da sociedade. A coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio só pode ser apreendida e compreendida racionalmente como práxis revolucionária” (MARX, 1987, p. 12).
Para Löwy o socialismo não existe na realidade e precisa ser reinventado como resultado final da luta pelo futuro. Propõe ainda, para isso, que se restabeleça a dimensão utópica para o desenvolvimento criativo do marxismo com o objetivo de superar sua “crise atual. Um dos elementos utópicos propostos é:
“a emancipação do trabalho, não apenas pela expropriação dos proprietários privados e pelo controle sobre a produção exercido pelos próprios produtores, mas também pela transformação radical da natureza do trabalho. Isso significa a abolição da divisão sexual do trabalho e da separação tradicional entre atividade manual e intelectual, assim como o restabelecimento da dimensão artística, qualitativa do trabalho”. ( LÖWY, 2000. p. 128).
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HELLER, Agnes. Da velha à nova família. São Paulo: Proposta Editorial Ltda, 1980.

DESIGUALDADE ENTRE OS SEXOS (p.34 – 35).
(p. 42) Heller defende a idéia de que na sociedade futura, sociedade comunista a desigualdade social do homem e da mulher desaparecerão. Não desaparecerão todos os tipos de desigualdade, pois essa não pode ser eliminada em todos os seus aspectos, Desaparecerão gradativamente aquelas desigualdades que são, na verdade, resultado da divisão social do trabalho. Desaparecerão aquelas diferenças de traços e características que nos parecem “naturais”, pois há milhares de anos estamos acostumadas com elas. Entre estas encontram - se as desigualdades entre o homem e a mulher, na escolha do parceiro, no esforço e nas realizações intelectuais, e, também, as diferenças entre determinados atributos morais e emocionais, como a dureza e racionalidade “naturais” do homem e a fragilidade e emocionalidade “naturais” da mulher, etc.

TROTSKY, Leon. Da velha à nova família. São Paulo: Proposta Editorial Ltda. 1980.
CONSTRUIR O SOCIALISMO SIGNIFICA EMANCIPAR AS MULHERES E PROTEGER AS MÃES.
“A experiência histórica demonstra que inclusive o proletariado que luta contra a exploração, não está consciente da opressão que a mulher sofre, como dona de casa, mãe e esposa”. (p. 75).
“Mudar a raiz da situação da mulher não será possível até que se modifiquem todas as condições da vida social, familiar e doméstica. A profundidade do problema da mulher está dada pelo fato de que ela é, em essência, o elemento vivente no qual se entrecruzam todos os fios decisivos do trabalho econômico e cultural. A questão da maternidade implica, antes de mais nada, no problema da habitação, da rede de água, das lavanderias, dos restaurantes. Mas também implica em escola, livros, locais de recreação. (...) A maternidade é o problema dos problemas. Aqui se unificam todas as questões que devemos encarar, e a partir daqui, se diversificam em diversas direções”. (p. 75-76).
“Assim como era impossível construir o estado soviético sem liberar o campesinato dos laços da servidão, também a construção do socialismo só será possível se liberarmos a mulher operária e camponesa das ataduras do cuidado da família e do lar. (...) agora podemos e devemos medir a maturidade socialista do operário e do camponês progressista, por sua compreensão da necessidade de liberar a mulher da servidão, de lhe dar a possibilidade de participar da vida social e cultural”. (p. 76).
“Temos que devolver a saúde á nação. Se não o fizermos, não podemos pensar em chegar ao socialismo. Devemos atacar as raízes, as fontes. E qual é a raiz, a fonte da nação, senão a mãe? A luta contra o descaso à maternidade deve ocupar um lugar prominente! É necessário organizar a construção de casas, de jardins de infância, de restaurantes, de lavanderias públicas! E a qualidade desses serviços será decisiva. As vantagens devem ser tais que signifiquem um golpe mortal à velha unidade familiar, fechada e isolada, que se apóia totalmente nos débeis ombros da mãe e dona de casa” (p. 77).
“A família, não pode ser abolida; tem que ser substituída. A verdadeira emancipação da mulher é impossível no terreno da “miséria socializada”. A experiência revelou esta dura realidade formulada por Marx, há mais de oitenta anos” (p. 80).

CHOMSKY, Noan; DIETERICH, Heinz. A sociedade global: educação, mercado e democracia. Blumenau: Ed. Da FURB, 1999. 264 p.
DEMOCRACIA:
De qual democracia estamos falando?
Da democracia liberal, é formal, e é, neste momento a democracia real que temos, não só no Brasil como na América Latina.
Modernidade política ocidental - tornou-se sociedade política a partir da Revolução Americana de 1776 e da Revolução Francesa de 1789, constituiu-se originalmente sobre duas vertentes: (CHOMSKY, DIETERICH, 1999, P. 227)
-A democracia direta e popular: As maiorias tendem (em teoria), a ser o verdadeiro soberano do processo democrático.
-A democracia liberal ou formal: O poder real operativo do estado está nas mãos da classe dominante. O povo joga um papel aclamatório e legitimador.
A democracia liberal se impôs, de forma hegemônica, no mundo após a implosão do socialismo europeu.
Devido a isso, democracia hoje, refere-se a este tipo de organização política. É a democracia formal e real existente.
Característica substancial da democracia liberal: sua distância das propostas originais de seus fundadores, distância que é comparável à que separava, digamos, o Socialismo soviético da filosofia socialista dos Manuscritos de Marx. (p. 228).

Pilares que sustentam a democracia liberal:
- Noção de que as leis nascem do confronto de opinião e argumentos e não do interesse.
Divisão de poderes (Doutrina de Montesquieu). Poderes como instrumento de controle do poder do Estado.
Poder da prerrogativa (Teoria de Locke). Poder de realizar o bem público sem norma prévia
Estado como momento ético da vida de uma nação (Teoria de Hegel). O Estado como garantia do bem público frente aos interesses particulares.
Na visão de Dieterich é deplorável o estado democrático do que ele chama de res publica latino-americanae a condição do seu melhoramento depende da superação da crise econômico-social. O autor, no entanto, não é otimista com as perspectivas de desenvolvimento da região sob o Neoliberalismo. (p. 249).

BERNARDO, João. Estado: A silenciosa multiplicação do poder. São Paulo: Escrituras Editora, 1988. 144 p. CAPÍTULO 6- PARTE II- O conteúdo atual da democracia. (p. 125-133)

“Democracia” é hoje a possibilidade de alimentar com nosso trabalho, engenho e iniciativa uma elite social que se apropria dos principais frutos desta atividade. (p. 133).
“Liberdade” é hoje a possibilidade de escolher entre um número cada vez maior de produtos equivalentes. (p. 133).

WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2003.
CAPÍTULO: O trabalho e a democracia antiga e moderna. P. 157-175.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DA AUTORA SOBRE DEMOCRACIA E CIDADANIA.

“Na sociedade capitalista, os produtores primários são sujeitos a pressões econômicas independentes de sua condição política. O poder do capitalista de se apropriar da mais-valia dos trabalhadores não depende de privilégio jurídico nem de condição cívica, mas do fato de os trabalhadores não possuírem propriedade, o que os obriga a trocar sua força de trabalho por um salário para ter acesso aos meios de trabalho e de subsistência. Os trabalhadores estão sujeitos tanto ao poder do capital quanto aos imperativos da competição e da maximização dos lucros. A separação da condição cívica da situação de classe tem, assim, dois lados: de um, o direito de cidadania não é determinado por posição socioeconômica – e, neste sentido, o capitalismo coexiste com a democracia formal -, de outro a igualdade cívica não afeta diretamente a desigualdade de classe. E a democracia formal deixa fundamentalmente intacta a exploração de classe”.
“Na democracia antiga havia uma classe de produtores primários juridicamente livres e politicamente privilegiados, e que eram, ao mesmo tempo, livres da necessidade de entrar no mercado para garantir acesso às condições de trabalho e de subsistência. Sua liberdade civil não era, como a do trabalhador assalariado moderno, neutralizada pelas pressões econômicas do capitalismo. Como no capitalismo, o direito de cidadania não era determinado pela condição socioeconômica, mas, ao contrário do capitalismo, as relações entre classes eram direta e profundamente afetadas pela condição civil. O exemplo mais óbvio é a divisão entre cidadãos e escravos. Mas a cidadania determinava diretamente também de outras formas as relações econômicas”.
“A cidadania democrática em Atenas significava que os pequenos produtores estavam livres de extorsões extra-econômicas às quais os produtores diretos nas sociedades pré-capitalistas sempre foram submetidos. (...) “A igualdade política não somente coexistia com a desigualdade socioeconômica, mas também a modificava substancialmente, e a democracia era mais substantiva do que formal”.
“Na antiga Atenas , a cidadania tinha profundas conseqüências para camponeses e artesãos; e, evidentemente, uma mudança da condição jurídica dos escravos ou das mulheres – teria transformado inteiramente a sociedade”.
Wood finaliza esse capítulo colocando o seguinte:
O contraste entre a condição do trabalho na antiga democracia e no capitalismo moderno convida a algumas perguntas de grande importância: num sistema em que o poder puramente “econômico” substituiu o privilégio político, qual é o significado de cidadania ?
O que seria necessário para se recuperar, num contexto muito diferente, a importância da cidadania na antiga democracia e o status do cidadão trabalhador ?

CAPÍTULO: O Demos versus “Nós, o Povo”: das antigas as modernas concepções de cidadania. p. 177-204.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DA AUTORA SOBRE DEMOCRACIA E CIDADANIA.

DA DEMOCRACIA AO LIBERALISMO - p. 194

O efeito das novas pressões ideológicas que a classe dominante submeteu o conceito de democracia ao exigirem a alienação do poder e a separação clara entre “democracia” e “demos”, foi a mudança de foco da democracia. A democracia “passou do exercício ativo do poder popular para o gozo passivo das salvaguardas e dos direitos constitucionais e processuais, e do poder coletivo das classes subordinadas para a privacidade e o isolamento do cidadão individual. Mais e mais, o conceito de “democracia” passou a ser identificado com liberalismo”.


DEMOCRACIA LIBERAL E CAPITALISMO - p. 200

O que torna possível a identificação de democracia com liberalismo é o próprio capitalismo. “A idéia de “democracia liberal” só se tornou pensável - e quero dizer literalmente pensável - com o surgimento das relações sociais capitalistas de propriedade. O capitalismo tornou possível a redefinição de democracia e sua redução ao liberalismo. De um lado, passou a existir uma esfera política separada na qual a condição “extra-econômica”- política jurídica ou militar- não tinha implicações diretas para o poder econômico, o poder de apropriação, de exploração e distribuição. Do outro lado, passou a existir uma esfera econômica com suas próprias relações de poder que não dependiam de privilégio político nem jurídico”.
Na democracia liberal acontece a contração da democracia em liberalismo. Wood descreve o processo de como a democracia foi superada pelo liberalismo.
Na democracia antiga o “Estado” não tinha existência separada como entidade isolada da comunidade de cidadãos, não produziu uma concepção clara da separação entre “Estado” e “sociedade civil”, nenhum conjunto de idéias nem de instituições para controlar o poder do estado ou para proteger a “sociedade civil” e o cidadão individual da interferência dele.

BIBLIOGRAFIA:

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.190 p. Educação e emancipação. P. 169- 184.
BERNARDO, João. Estado: A silenciosa multiplicação do poder. São Paulo: Escrituras Editora, 1988. 144 p. O conteúdo atual da democracia. p. 125-133
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de janeiro: Zahar, 1988. 454 p.
CHOMSKY, Noan; DIETERICH, Heinz. A sociedade global: educação, mercado e democracia. Blumenau: Ed. Da FURB, 1999. 264 p.

EAGLETON, Terry. Marx e a liberdade. São Paulo: ed.UNESP, 1999, 53 p.

HELLER, Agnes. Da velha à nova família. São Paulo: Proposta Editorial Ltda, 1980.
LÖWY, Michael. Marxismo, modernidade e utopia. São Paulo: Xamã, 2000. A atualidade do manifesto comunista. p. 148-157.
TROTSKY, Leon. Da velha à nova família.São Paulo: Proposta Editoral Ltda, 1980.

WOOD, Ellen. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Ed. Boitempo, 2003




Conclusão

Colegas – estou enviando as minhas considerações iniciais sobre a conclusão do livro para que possamos debater. Não sei se este é o meio solicitado pelo professor, mas, com o tempo, compreenderemos e realizaremos um ótimo debate. Boa leitura e aguardo sugestões para aperfeiçoá-lo.

Na conclusão, a autora destaca a capacidade que o capitalismo possui de sobreviver em meio a tantas crises contínuas; diante disto, percebemos que ela interroga-se sobre a desistência dos socialistas de preverem a morte iminente do capitalismo ou sugerirem alternativas a ele.

As crises da década de 1990 foram terríveis (e ainda estão sendo) para o capitalismo; o mundo todo, a exemplo da crise de 1929, temeu e sofreu com as conseqüências das crises na Ásia, Rússia e América (Brasil, México, Argentina e outros países da América Latina). Em quantas oportunidades o Brasil “quase” quebrou? Também pudemos acompanhar a recessão na Europa, no Japão e nos Estados Unidos. Como entender estas situações? Não é este o melhor momento para apresentarmos críticas mais radicais ao capitalismo e tensionarmos um debate profundo para apresentarmos alternativas a esse modo de produção?
A autora, Ellen Wood, nos apresenta alguns elementos importantes do contexto atual:
A recessão econômica dos países capitalistas, com o conseqüente desemprego estrutural, a situação da Europa, dos Estados Unidos e da América Latina (as causas deste desemprego, segundo notícias de hoje, estão ligadas à introdução da máquina nas empresas, as demissões para reduzir custos e a própria crise do sistema);
As contradições do mundo capitalista expostas pelo ou pós-colapso do comunismo;
Fracasso do “milagre” japonês, dos “Tigres Asiáticos”. Estes países cresceram muito na década de 80 e começo da década de 90, mas depois a recessão bateu em sua porta;
Nos Estados Unidos, acompanhamos a recessão e o déficit público (enorme). A saída ou a salvação é promover guerras e, ultimamente, apressar a instalação da ALCA, ou a nova Doutrina Monroe “América para os americanos” – para explorarem;
A situação caótica econômica e social vivenciada pelos países ricos: desemprego em massa, subemprego, pobreza, desabrigo, racismo (xenofobia) e violência criminal. Estas parecem ser características permanentes. Estes países (do norte) viveram uma situação de Bem Estar Social (Welfare State), e hoje convivem com esta situação delicada. A grande pergunta é a seguinte: o que houve com a economia capitalista liberal? Ela, a economia de mercado, não deveria resolver os problemas dos povos?
Nos Estados Unidos, para manter os empregos, acompanhamos a diminuição dos salários e a conseqüência disto é a pobreza da classe trabalhadora. Este fenômeno também acontece no Brasil – Vale dos Sinos – onde as empresas do setor coureiro-calçadista demitem os empregados que recebem mais e, logo em seguida, os mesmos são contratados com o salário ¼ inferior ao que recebiam antes. É a globalização da economia que cria estas situações.
Em nome do imperativo estrutural capitalista vemos que a consciência ecológica está sendo sufocada nos países ocidentais, como conseqüência acompanhamos uma política que nada faz para evitar a degradação do meio ambiente. Como a esquerda e a direita enfrentam isto? O grande desafio é conviver com o desemprego estrutural de longo prazo e com a informalidade, além dos contratos de curto prazo.
O debate econômico nos países avançados (e nos atrasados também) gira em torno da “Flexibilidade”. Prega-se a desregulamentação do mercado de trabalho; como ficará a política salarial? Teremos condições de trabalho decentes? Outra bandeira gira em torno do enfraquecimento da “rede de segurança” social dos trabalhadores. Como ficará a questão da Previdência (acompanhamos o que está ocorrendo no mundo e no próprio Brasil)? Em nome da concorrência os capitalistas querem levantar as restrições à poluição ambiental; como ficará a proteção do meio ambiente? O grande objetivo dos capitalistas é fomentar a competição ou, em outras palavras, encontrar maneiras adequadas para explorar mais os países subdesenvolvidos (3º Mundo). Estes elementos representam obstáculos à competitividade, lucratividade e ao crescimento econômico.
Em nome da “Flexibilidade” os mercados valem mais que as condições dos trabalhadores e os direitos de proteção de qualquer um. Os direitos dos seres humanos passam a ser vistos como inimigos da flexibilização. Essa onda envolveu a direita e embaralhou a esquerda mundial.
A saída para a crise seria a educação e o treinamento da mão-de-obra. Mas ela seria a cura para os males econômicos? Já sabemos que as empresas procuram os países do 3º Mundo, pois neles os custos do trabalho, pensões e planos de saúde e os próprios impostos (quando pagam) são menores (também os incentivos são maiores) e uma “cultura” (submissa) menos avessa a longas e insalubres jornadas de trabalho, turnos ininterruptos e a condições de trabalhos piores. No Brasil, temos o exemplo da GM em Gravataí, da Ford, na Bahia e o próprio deslocamento das fábricas do Setor coureiro-calçadista para o Nordeste, pois lá a realidade é semelhante à descrição feita acima. A justificativa e a vibração dos empresários é a seguinte: ao menos lá (no Nordeste) os sindicatos não nos perturbam. A falta da consciência dos trabalhadores é uma vantagem dos capitalistas.
Queopções a esquerda apresentou? A substituição ou o esquecimento do Socialismo e a adoção do Estado Keynesiano – “cidadania social” – “direitos sociais” – esta é a maior e mais viável aspiração emancipatória? O presidente Lula está fazendo algo muito estranho a esta proposta? O objetivo era a promoção de profundas mudanças sociais, econômicas e políticas, mas por que isto não está acontecendo?
A grande pergunta é a seguinte: o capitalismo garante lucro, crescimento com justiça social?
Acompanhamos a inversão de posições: os ideólogos da ala direita do capitalismo apregoam suas limitações enquanto a esquerda descobre novas razões para ter fé na sua capacidade de adaptação.
O Marxismo denunciou a cruel lógica social do mercado capitalista mascarada, oculta, dissimulada (ideologicamente) pela economia clássica, mas, por incrível que pareça, hoje esta lógica está sendo revelada pela imprensa burguesa e pelos economistas da “flexibilidade”, muitos marxistas se converteram à crença no “mercado social”, um mercado capitalista com rosto humano. É possível isto?
Para Wood, a direita está certa em relação aos custos sociais da lucratividade capitalista. Como conviver com a “flexibilidade”? Esse capitalismo, preconizado por uns, com rosto humano talvez exija mais intervenção do Estado do que exigiria o Socialismo, talvez um planejamento mais extensivo que o sonhado pelo mais ortodoxo dos comunistas, e, desta vez, numa enorme escala internacional, pois o mundo está globalizado; não seria uma espécie de revolução internacional proposta por Marx e Engels?
A esquerda pode continuar defendendo o Estado de bem-estar ou a regulamentação ambiental e a educação a curto e longo prazo; pode adotar certos “mecanismos” de mercado como instrumento de circulação e intercâmbio, o que ela não pode fazer é convocar o mercado a agir como regulador econômico e garantidor de uma economia “racional”. O mercado já fez isto alguma vez?
A professora Marilena Chauí afirmou que a esquerda brasileira (e mundial) não consegue e não conseguiu apresentar um programa alternativo ao neoliberalismo nas últimas décadas. Isso está sendo confirmado no governo Lula, pois o mesmo, até o presente momento, segue a cartilha adotada por Collor, Itamar e FHC (o neoliberalismo).
Democracia como Mecanismo Econômico
Tanto a economia de mercado quanto o planejamento centralizado representaram, ou foram motivados pelos imperativos da acumulação; no primeiro caso, na economia capitalista, tínhamos as exigências da competição e da maximização do lucro intrínsecos ao sistema; no segundo caso, a experiência socialista soviética, acompanhamos as exigências do desenvolvimento industrial acelerado (para fazer frente aos avanços dos EUA, fruto da Guerra Fria e da própria situação interna da Rússia – URSS que estava saindo de uma situação muito difícil e precisava industrializar-se). Em nenhuma das situações os produtores se apropriaram dos meios de produção. Nestas situações tivemos a alienação econômica, pois o fruto ou resultado do trabalho ia para “outrem”. A produção não se sujeitou a responsabilidade social. Os imperativos do mercado continuaram como mecanismo acionador.
A alternativa profunda e radical apresentada pela autora é pensar a Democracia como categoria política e, acima de tudo, categoria econômica; a democracia seria um regulador econômico, o mecanismo acionador da economia.
O ponto de partida seria a associação livre de produtores diretos – “trabalhador coletivo” – de Marx, na própria base da economia, na organização do trabalho. Como conseguir a emancipação das coações “econômicas” neste mercado globalizado? Como se livrar dos imperativos da competição, da produtividade e da maximização dos lucros?
Esses novos modos de organização possuem o objetivo de tornar os trabalhadores mais atentos às necessidades econômicas da organização. Mas isso não satisfaz aos critérios básicos da democracia, pois o Demos, povo, não será soberano e não aprimorará a sua qualidade de vida e de seus membros nem a busca de seus objetivos que eles definiram para si próprios. O mercado continuaria alienando os trabalhadores. Nestas situações ainda permanecem os imperativos do mercado.
Uma sociedade realmente democrática pode utilizar certos instrumentos e instituições associados ao “mercado” desde que a força motora da economia emane a partir da associação auto-ativa dos produtores; mesmo assim teríamos que encontrar ou descobrir alternativas para concretizar estes objetivos e interesses e colocá-los a serviço da administração da economia como um todo – “mercado social” e do bem estar da comunidade geral.
Primeiro precisamos definir os problemas. O que Wood está fazendo é descobrir, além de novas formas de propriedades, um novo mecanismo motor, uma nova racionalidade e uma nova lógica econômica; e, segundo ela, isso deve começar pela organização democrática da produção, isto pressupõe a reapropriação dos meios de produção pelos produtores, pois, assim, todos teriam os benefícios da substituição da racionalidade do mercado como mecanismo motor do modo de produção.
Assim teríamos novas formas de trabalho, lazer, uma nova finalidade da vida social, uma nova visão de cultura, meio ambiente e dos bens “extra-econômicos” em geral. A esquerda deve preparar-se teórica e politicamente para isto. Como estão organizados os trabalhadores para enfrentar a ALCA? Como enfrentarão os conflitos capital versus trabalho neste novo cenário? Ou será que os trabalhadores simplesmente aceitarão as imposições do mercado? As manifestações na Argentina e agora na Bolívia demonstram alguns aspectos importantes da organização da classe trabalhadora; são sinais claros de rebeldia contra as políticas liberais implantadas naqueles países. Será que temos recursos políticos e intelectuais para enfrentarmos estes acontecimentos? Ou será que a esquerda continuará sua lenta e gradual concessão aos imperativos das políticas neoliberais? Quem ocupará o lugar dos partidos operários? No Brasil teremos um “novo PT”?
Qual é a tarefa da esquerda diante desta “nova ordem mundial”? O colapso do comunismo é um momento definidor do nosso tempo, uma transformação significativa que exige um sério “repensar”. O que está acontecendo com o capitalismo? Não foram contraditórias as soluções apresentadas pelo capitalismo? Elas resolveram ou criaram mais problemas? O capitalismo não é em si mesmo contraditório? Será que o mercado “flexível” conseguirá humanizar o capitalismo? E é neste cenário e contexto que precisamos compreender a afirmação da autora de que “um capitalismo humano, social e verdadeiramente democrático e igualitário é mais irreal e utópico que o socialismo”.
Diante da conclusão devemos: 1º) ou lutar pela revolução, mudança do sistema; 2º) ou trocar o nome, pois, seguindo a definição grega, a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. No neoliberalismo ou na economia de mercado o povo está excluído do processo político (não participa diretamente) e também do processo econômico (vende sua força de trabalho, pois não possui os meios de produção).
O desafio é construir a democracia igualitária no Brasil. Faremos isto com Lula, um metalúrgico, no poder?
Estas são as principais idéias da conclusão e algumas digressões minhas inseridas a partir de leituras feitas. Espero que sejam úteis à turma. Um grande abraço e aguardo boas sugestões.






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[1]WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Editora Boitempo, 2003, p 99-128.
Teleologia: Do grego teleios, ‘no fim’, final (causa) + log(o) + ia. Sub. Feminino – Filosofia. 1. Estudo da finalidade. 2. Doutrina que considera o mundo como um sistema de relações entre meios e fins. 3. Estudo dos fins humanos (HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário da língua portuguesa. RJ: J. E. M. M. Editores, 1986, 1838 págs.)
Teleológico: Adj. 1. Relativo à teleologia. 2. Filosofia: Diz-se de argumento, conhecimento ou explicação que relaciona um fato com sua causa final. (HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário da língua portuguesa. RJ: J. E. M. M. Editores, 1986, 1838 págs.)

[3] Isegoria é uma palavra do vocabulário grego, que significa o igual direito de falar, de ter voz. Originou-se na Grécia antiga, onde se governava pelo sistema da democracia direta e, em suas assembléias, os cidadãos ricos ou pobres tinham o igual direito a dar sua opinião. Parece sintomático que nos mais populares dicionários brasileiros não haja registro dessa palavra. Pode-se encontrá-la em dicionários portugueses. (Fonte: <www.correiodacidadania.com.br> Acesso em 15 de dez. de 2003).

2 comentários:

Viviane Almeida disse...

Excelente resumo!
Parabéns por todas as suas colocações.

Kadu disse...

Um trabalho minucioso. Muito legal a sistematização usada.