terça-feira, 10 de abril de 2012

O Medo à Liberdade, de Erich Fromm

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O Medo à Liberdade, de Erich Fromm

O
Medo à Liberdade (1983), originalmente publicado nos EUA, em 1941, em plena
Segunda Guerra Mundial, pelo filósofo, sociólogo e psicanalista Erich Fromm, é
uma das mais importantes críticas psicossociais do autoritarismo, da
destrutividade e do conformismo típicos do séc. XX. Para a visão profundamente
humanista do autor, a razão capaz de explicar esses fenômenos é uma mescla de
observações dos aspectos psicológicos da neurose com os fatores sociais que a
impulsionam e a alimentam. Tudo sob o princípio filosófico existencial de que,
nas escolhas da vida, a liberdade humana entre evoluir ou regredir é uma
obrigação, uma responsabilidade que ninguém pode se furtar.
Sua tese é que na presente busca do sucesso financeiro, ao lado da liberdade
material conquistada ao longo da história do ocidente, os indivíduos se
isolaram cada vez mais uns dos outros. Essa mesma liberdade econômica,
carregada de solidão, tornou-se motivo de medo e angústia, levando as pessoas a
desejarem uma fuga psicológica de alienação, por meio de ilusões de “terem”
algo ou de “pertencerem” a uma corporação ou grupo que lhes fariam sentir menos
sós. Se na antiguidade o perigo era os homens tornarem-se escravos, atualmente
tornou-se o de serem alienados psíquicos, autômatos. Pudessem encontrar uma
alternativa saudável ao conflito, haveriam de reconhecer a importância do outro
nos vínculos de cooperação e solidariedade. Mas, a solidão e a impotência
encontraram na indústria moderna artifícios da felicidade de consumo e
estímulos para o rápido alívio psicológico da condição humana – que em seu
dinamismo tende a procurar soluções de alguma forma, com possibilidades de
satisfação, ainda que ao preço da violência, da neurose e servidão voluntária.
Explicando o fenômeno do nazifacismo, que bem conheceu, esclarece que a ânsia
de poder não é originada da força, mas da fraqueza.
Fromm faz assim uma análise da patologia da alienação psíquica inconsciente da
sociedade industrial, que se caracteriza pelo comportamento social consumista e
pelo sistema patriarcalista autoritário, reclamando uma necessidade ética
urgente de mudanças nas determinações sócio-econômicas. Do ponto de vista
psicopatológico, segundo ele, o centro gravitacional da cultura capitalista é o
consumismo passivo. O consumo, no entanto, é próprio da vida, do crescimento
biológico e das relações humanas; afinal, precisa-se comer, vestir, trocar
valores de uso econômico e outros. Todavia, há uma espécie compulsiva de
consumo que unicamente visa aliviar a ansiedade, a insegurança ou mesmo o
desespero subjacentes à nossa época. Ironicamente, constata ele, o homem
contemporâneo, com seu avançado conhecimento intelectual, desconhece-se
enquanto totalidade espiritual, não sabe bem o que deseja e por isso não
consegue satisfazer-se plenamente, sentindo-se vazio de realizações.
Pode-se dizer, acertadamente, que ele foi o primeiro filósofo a construir uma
antropologia filosófica, e uma problematização da liberdade, vinculando
intimamente os pensamentos de Marx e Freud, reconhecendo claramente a
superioridade do primeiro. A bem dizer, foi em 1930, com o livro o Dogma de
Cristo (1986)2, que Fromm uniu de maneira concreta esses dois pensadores. Quem
o afirma, com razão, é Franz Borkenau3, erudito do partido comunista que
freqüentou o ambiente do Instituto de Frankfurt e escreveu uma resenha do mesmo
texto no lançamento da revista Zeitschrift für Sozialforschung, de publicações
desta Escola. Trata-se ali do uso da psicanálise aplicado aos fenômenos históricos,
compreendendo as idéias e ideologias individuais como um resultado de
necessidades psíquicas básicas submetidas a condições sociais e econômicas
específicas. No entendimento de Martin Jay4, Fromm então afirmara em termos
psicológicos o que Horkheimer e Marcuse, depois de sua ruptura com Heidegger,
diziam sobre a noção abstrata de historicidade.
Para Fromm a função da ideologia e do autoritarismo pode equiparar-se aos
sistemas neuróticos. A correlação direta entre o conceito marxista de “ideologia”
e o conceito psicanalítico de “racionalização” veio a ser feita por Erich Fromm
em 1932, no artigo Método e Função de uma Psicologia Social Analítica5, onde
ele afirma que a psicanálise pode mostrar como a situação econômica é
transformada em ideologia, através dos impulsos naturais do homem. Mas, é no
apêndice de O Medo à Liberdade que Fromm expõe sua teoria do “caráter social”6,
de uma estrutura libidinal típica, deduzida da soma de caracteres individuais
de uma sociedade de classes. Esse caráter se constitui de uma base ou norma de
socialização que atende interesses da elite dominante e serve de modelo à
feitura de um caráter individual. O tipo de caráter social é produzido e
recompensado individualmente pela comunidade conforme o que cada época exige.
Então a necessidade social é internalizada num impulso da personalidade, de tal
forma que ela se aproximará automaticamente mais do comportamento coletivo e
sustentará a coesão da estrutura sócio-econômica geradora dessa mesma
necessidade. Para Fromm, o processo de ideologização é politicamente
determinado por vários agentes sociais, como a escola, a família, a comunicação
de massa, entre outros.
Em O Medo à Liberdade, ele acentua o pessimismo de Freud e nega seu instinto de
Tânatos, equiparando-o, no entanto, com a necessidade de destruição, dizendo
que o desejo de destruir é bastante variável em grupos sociais diferentes e
mesmo dentro da própria cultura. Para Fromm, o instinto de morte ou a
necessidade de destruição eram produtos da frustração do instinto de vida7.
Afastada a dualidade dos instintos de vida e morte, ele retorna à dicotomia
freudiana anterior, aos impulsos eróticos e de conservação. Nessa obra, ainda
recusa a teoria metapsicológica da libido, de Freud. A novidade é que com esta
também rechaça sua própria interpretação “psicologista” em O Dogma de Cristo,
onde pretendera explicar a formação do cristianismo primitivo como o resultado
da ambivalência face à imagem do pai.
Ao se fazer uma incursão na obra de Erich Fromm, sobre a questão da liberdade,
observa-se que em 1941 tem fim sua ênfase no determinismo social absoluto.
Abriu-se espaço para a possibilidade de escolhas reais na sociedade, na medida
em que ele passou a entender que o indivíduo adquire um maior grau de
conscientização de sua psique. Pela primeira vez surge o conceito de “natureza
humana”, mediante a necessidade individual de relacionar-se com o mundo
exterior e assim evitar a solidão intolerável. Mas, o quadro geral das
necessidades essenciais do homem só viria a ser plenamente elaborado em
Psicanálise da Sociedade Contemporânea (1983)8, em 1955. Até então não há uma
visão clara, aos seus olhos, daquela essência humana, definida em si mesma,
para além das variáveis culturais. John H. Schaar, numa crítica a Fromm, diz
algo a respeito:
“É interessante especular sobre as razões que Fromm teve para modificar a
posição sobre a questão da natureza humana essencial, contra o determinismo
social. Talvez a explicação possa ser explicada em termos de um crescente
otimismo ostensivo, quase fanático, em sua obra. Em O Medo à Liberdade, Fromm
propôs uma tese determinista pesadamente social, como um antídoto ao pessimismo
freudiano. Em suas obras posteriores, teve de reformular a natureza humana,
considerando o otimismo intrínseco a ela, porque a ameaça ao homem passou a ser
não o pessimismo freudiano, mas as sociedades insanas. O otimismo de Fromm
permaneceu aproximadamente o mesmo, mas os inimigos do otimismo se haviam
modificado.”9
Em O Medo à Liberdade ele estuda a evolução histórica das comunidades
pré-individualistas, anteriores à modernidade industrial, que valorizam a
totalidade social, mas negligenciam o indivíduo. Após se referir ao nascimento
da história cultural do homem, faz um paralelo com o nascimento biológico do
indivíduo. Exatamente como uma criança nasce com todas as potencialidades
humanas a serem desenvolvidas sob condições sociais e culturais favoráveis,
também a raça humana se transformaria, no processo histórico, naquilo que ela é
potencialmente. Segundo Fromm, o nascimento de cada pessoa reproduz os mesmos
conflitos básicos encontrados no imaginário e histórico surgir da civilização.
De maneira que ele põe a evolução filogenética ao lado da evolução
psico-ontogênica, comparando abordagens paleo-antropológicas com abordagens
psicológicas. Na evolução da história cada geração incorporaria em si todo o
processo de busca de liberdade e de satisfação produtiva das necessidades
básicas da condição humana, obtido pelas gerações anteriores. Fromm entende que
a liberdade não é uma questão metafísica, é o resultado inevitável do processo
de individuação e de crescimento da cultura. Segundo ele, a história da
humanidade é a história da individuação em busca da liberdade, lembrando que o
século do nazismo deu provas suficientes de que a civilização, e os indivíduos
em geral, historicamente abandonaram o duro esforço da liberdade, preferindo os
mecanismos de fuga da alienação.
Na origem de sua existência, o homem se viu como um estranho no mundo;
sentiu-se solitário e temeroso. Compelido para fora da Natureza, ele rompeu com
as determinações biológicas do puro instinto, permitindo que a vida tomasse
consciência de si mesma através da possibilidade de desenvolvimento da razão.
Segundo Erich Fromm, num momento qualquer da Natureza, essa nova espécie
animal, o homem, perdeu sua plástica capacidade de adaptar-se ao ambiente
selvagem, e tornou-se biologicamente o ser mais inerme e desamparado do gênero.
Se, em princípio, o homem se encontrava na totalidade com a Natureza, tornou-se
fragmentado e carente do sentimento de união ao afastar-se dela. Devido à sua
consciência imaginativa, capaz de transcender o instante presente, ele também
descobriu o involuntário fato de que sua vida termina com a morte. A razão, uma
vez deduzindo a finitude humana, viu-se presa à dicotomia irresolúvel entre
vida e morte. E pressentindo jamais haver tempo suficiente para concretizar
todas as suas ambições de vida, então experimentou a sensação fatídica da
impotência.
Há, pois, conflitos existenciais filosoficamente inerentes à condição humana. E
a necessidade de encontrar soluções para essas dicotomias congênitas, tanto da
espécie quanto do indivíduo, é a causa original de todas as motivações
psicológicas do homem. Reagindo àquelas contradições ontológicas do nascimento
da consciência, a auto sobrevivência psíquica busca uma direção humana que
somente se desenvolve durante o crescimento da cultura, valendo-se dos poderes
imanentes a si mesma: a capacidade de amar e trabalhar numa atividade
produtiva, reintegrando-se espiritualmente com a unidade cósmica, viva, da
Natureza; e a capacidade de imaginação e razão, de conhecer objetivamente a
realidade, a fim de tornar o espaço do mundo significativo e habitável para o
homem. A bem dizer, o homem nunca deixará de tentar desfazer-se, fugir, da sua
existencial inquietação interior que o impele a ser si próprio e por si
próprio, ou a concluir o processo evolutivo de nascer-se humano.
Essa necessidade básica de reintegração e unidade encontra, na psique, duas
alternativas de solução. Numa delas, pode-se querer inconscientemente regredir
à vida animal pré-humana anterior à racionalidade, com o propósito de apaziguar
a insuportável sensação de isolamento. De que maneira? Abolindo a consciência
de si mesmo, de suas qualidades humanas intrínsecas a serem desenvolvidas;
fugindo às responsabilidades e esforços do crescimento e da liberdade. Nessa
intenção regressiva de sedar os conflitos internos da mente, os indivíduos
podem criar ideologias, socialmente aceitas, e prazeres narcisistas que
recalquem a angústia ontológica do sentimento de solidão. Além de evitarem a
percepção racional, também falseiam uma relação harmônica e integradora com o
mundo. É o caso da violência urbana coletiva, num quadro de folie a millions,
quando milhões de pessoas compartilham consensualmente dos mesmos vícios, de
uma maneira não-problemática; numa sociedade “neurótica” igualmente regressiva.
O mesmo acontece com as graves psicopatologias individuais, sendo estas as
fugas regressivas que não foram culturalmente assimiladas como “normalidade”.
Como revela o título da obra, é o medo à liberdade.
É importante esclarecer que para Erich Fromm as culturas tribais, em estado de
pré-individualização, da mesma forma, constituem um estágio de solução regressiva.
Para ele, o processo de individuação e diferenciação individual denota uma
evolução irreversível da qualidade do amor erótico na comunidade primitiva para
a qualidade do amor erótico individual, encontrado na civilização moderna.
Porque uma vez que o homem adquire um mínimo de liberdade, individualismo e
racionalidade, verdadeiramente não há, em última instância, como descartar-se
daquilo que o torna humano e, no entanto, o tortura: sua razão e percepção de
si mesmo, que é para ele o fardo de ser-se homem.
A segunda alternativa de solução às dicotomias da situação humana é chamada por
Fromm de progressiva. É a conquista de uma nova união existencial-espiritual
mediante só o desenvolvimento de todas as faculdades humanas, em potência no
indivíduo; o que implica o reconhecimento da humanidade universal dentro de
cada um e dentro das limitações impostas pelas leis exteriores à nossa
subjetividade. Esta é verdadeiramente a solução para o problema da harmonia
perdida, e também a única oferta de liberdade real para o projeto político de
uma sociedade humanista. O nascimento humano é visto, segundo Fromm, como um
longo e árduo processo de maturação do amor e da razão, por meio dos quais o
indivíduo se liberta do triste sentimento de separação da harmonia com a
Natureza; sem jamais poder, de fato, voltar à origem. O problema do nascimento
exige uma compreensão ampla da situação humana muito além da excessiva
importância conferida ao seu aspecto meramente perinatal. O recém-nascido
provavelmente dá-se muito pouca conta do que significa nascer. Para Fromm,
“nascemos” a todo instante. A todo instante defrontamo-nos com uma pergunta:
devemos regredir ou evoluir?”
Responsável - Will Goya
_____________________
1. FROMM, E. O Medo à Liberdade. Tradução de Octávio Alves Velho. 14ª Ed. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983.
2. FROMM, E. O Dogma de Cristo - e outros ensaios sobre religião, psicologia e
cultura. Tradução de Waltensir Dutra. 5ª Ed. Rio de Janeiro: GUANABARA, 1986.
3. JAY, Martin. La imaginación dialéctica. Tradução espanhola de Juan Carlos
Curutchet, Madrid: TAURUS, 1974, p. 160.
4. JAY Martin, op. cit., p. 160.
5. FROMM, E. Crise da Psicanálise - ensaios sobre Freud, Marx e Psicologia
Social. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: ZAHAR, 1971, p.153-4.
6. Entretanto, o “caráter social” foi apresentado pela primeira vez em Die
psychoanalytische Charakterologie in ihrer Anwendung für die Soziologie, in
Zeitschrift für Sozialforschung, I, Hirschefeld, Leipzig, 1931.
7. FROMM, E. O Medo à Liberdade. op. cit., p.149s.
8. FROMM, E. Psicanálise da Sociedade Contemporânea. Tradução de E. A. Bahia e
Giasone Rebuá. 10ª Ed. Rio de Janeiro: ZAHAR, 1983.
9. SCHAAR, John H. O Mundo de Erich Fromm. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de
Janeiro: ZAHAR, 1965, p. 51

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