terça-feira, 10 de abril de 2012

Fragmentos: Americanismo e Fordismo em Gramsci

1- Americanismo e Fordismo em Gramsci
Gramsci, 1934, produz um artigo intitulado americanismo e
fordismo, que se trata da dificuldade de
introduzir o fordismo na Europa.
- A problemática trazida por Gramsci:
1- Americanismo e fordismo abarcam um conjunto de FM Sociais
que emanam da sociedade moderna. Decorrem da necessidade da economia moderna em
potencializar sua organização para a produção e reprodução de capital de modo
mais veemente.
- Eles são os “anéis da cadeia que assinalam a
passagem do velho individualismo econômico para a economia programática”, são o
elo de uma economia para outra. Dessa transição decorre a problemática: a
resistência ao desenvolvimento. Tal resistência existe por parte de forças sociais,
tanto das “subalternas” como das “dominantes”.
- fordismo não
é algo geneticamente europeu, ele provém dos EUA, decorrendo daí a expressão
“americanismo”. Gramsci, porém, tem diante de si a realidade européia e versa
inicialmente, acerca da tentativa de introdução do fordismo na Europa, em
especial, na Itália. (É um
modelo de produção, que nasce na fábrica e que se expande para fora de seus
muros sob um caráter ideológico, político e cultural determinando assim o
americanismo).
- A correlação
entre americanismo e fordismo, é a forma pela qual a burguesia torna-se
hegemônica na América do Norte. Ou seja, a hegemonia burguesa nasce na fábrica.
Gramsci
apresenta uma “lista de alguns dos problemas mais importantes, ou
essencialmente importantes”
“1) substituição do atual grupo plutocrático por um
novo mecanismo de acumulação e distribuição do capital financeiro, fundado
imediatamente sobre a produção industrial;
2) questão
sexual;
3) questão de saber se o americanismo pode constituir
uma ‘época’ histórica, isto é, se pode determinar um desenvolvimento gradual do
tipo, noutra parte examinado, das ‘revoluções passivas’ próprias do século
passado, ou se, pelo contrário, representa apenas a acumulação molecular de
elementos destinados a produzir uma ‘explosão’, isto é, uma revolução de tipo
francês;
4) questão da ‘racionalização’ da composição
demográfica européia;
5) questão de saber se o desenvolvimento deve ser o
ponto de partida no interior do mundo industrial e produtivo, ou se se pode
verificar a partir do exterior, para a construção cautelosa e maciça de uma
armação jurídica formal que guie, do exterior, os desenvolvimentos necessários
do aparato produtivo;
6) questão dos chamados ‘altos salários’, pagos pela
indústria fordizada e racionalizada;
7) o fordismo, como ponto extremo do processo de
tentativas sucessivas, por parte da indústria, de superar a lei tendencial da
queda da taxa de lucro;
8) a psicanálise (sua enorme difusão no pós-guerra),
como expressão da aumentada coerção moral, exercida pelo aparato estatal e
social, sobre os indivíduos particulares e pelas crises doentias que tal
coerção determina;
9) o Rotary Club e a maçonaria.”
- A introdução do fordismo (alguns de seus elementos)
na Europa ocorreu tendo o “velho grupo plutocrático” como o agente social.
Olha o que existiu: 1) tentou-se conciliar a velha
estrutura social européia com o fordismo, que era a forma de maior
racionalidade da produção na época;
2) procurou-se adaptar os benefícios que o fordismo
ensejou com uma plutocracia que super explorava os trabalhadores europeus.
3) Com efeito, houve resistências à introdução do
fordismo, combatidas com uma violenta coerção.
- Neste processo expressa duas realidades: uma
fordizada e que teve um passado que permitiu ao fordismo sua ontologia; outra,
tradicional e que tem a cidade de Nápoles como um exemplo, apresentando
características que resistem ao fordismo.
- A situação da demografia italiana (que Gramsci diz
ser semelhante ao resto da velha Europa, à Índia e à China), introduzida após o
exemplo da cidade de Nápoles, apresenta dificuldades ao fordismo: está doente
em função da emigração, há um desfavorecimento na relação entre população ativa
e passiva, há escassez do emprego de mulheres na produção; isto é, a demografia
italiana não é racional.
- Porém, nos EUA, além de inexistir essas dificuldades
demográficas, não há o peso das tradições peculiares à Europa; com efeito, a
primazia da atividade econômica ficou com a produção industrial, que foi
dominando outros setores da economia como o transporte e o comércio.
- Gramsci comentando as experiências de Ford:
“Recordar as experiências de Ford e as poupanças feitas pela sua empresa com a
gestão direta do transporte e do comércio das mercadorias produtivas, poupanças
feitas pela sua empresa com a gestão direta do transporte e do comércio das
mercadorias produzidas, poupanças que influíram sobre os custos de produção,
permitiram melhores salários, e menores preços de venda. Uma vez que existiam
estas condições preliminares, já racionalizadas pelo desenvolvimento histórico,
foi relativamente fácil racionalizar a produção e o trabalho, combinando
habilmente a força (destruição do sindicalismo operário com base territorial)
com a persuasão (altos salários, benefícios sociais diversos, propaganda
ideológica e política habilidosíssima), e conseguindo deslocar, sobre o eixo da
produção, toda a vida do país.
- Provisoriamente, então, parece que a introdução do
fordismo (na Itália) depende da substituição do velho grupo plutocrático por um
outro agente social.
- Porém, Gramsci mostra que a atuação do Estado
italiano vai em sentido contrário, promovendo “as velhas formas de acumulação
parasitária da poupança e tende a criar quadros sociais fechados;
- o Estado e a corporação defendem justamente as
posições da classe média que deveria combater, sendo o instrumento de
conservação da mesma forma de acumular capital e não do avanço ao fordismo, a
argumentação de Gramsci se dá por redução ao absurdo, refutando o
corporativismo apregoado por Fovel dentro de sua própria lógica. há a crítica
ao fascismo, mostrando que este retarda uma modernização do processo produtivo
na Itália.
- Discutindo a superestrutura, Gramsci coloca que no EUA existe A Rotary Clube, uma
organização de empresários, e não de pequenos-empresários, além dela, há a Yong
Men’s Christian Association, uma associação de protestantes; Na Europa, em vez
destas duas organizações, há a maçonaria e os jesuítas: trata-se de
organizações de espíritos muito diferentes, as duas primeiras têm um “espírito”
próprio ao capitalismo, às duas últimas têm um espírito tradicional.
- Discutindo a
questão sexual: Gramsci coloca que o instinto sexual também tem de estar
regulado pela produção fordizada. A falta de ponderação, no que concerne à
sexualidade, é um desgaste que prejudica a atividade produtiva.
- O desenvolver da sociedade implicou em
regulamentação da questão sexual, essa regulamentação vem sendo estudada, diz
Gramsci, à luz do iluminismo, e não de qualquer iluminismo como mostra o texto,
mas, em especial, um iluminismo à moda de Rousseau: trata-se de uma
desnaturação do homem.
- Gramsci, estudando o problema não a partir do “homem
natural”, aponta dois problemas para a mulher: “o ideal ‘estético’ da mulher
oscila entre a concepção de ‘procriadora’ e de ‘brinquedo’”
- A mulher, na sexualidade, ou tem mera função
reprodutiva ou é objeto de esporte, ou ainda, as duas coisas indiferentemente. Para
impedir que, na terceira idade, existam velhos “bastardos”.
- Esse problema, torna um problema nacional: Gramsci
diz que o aumento da média de vida (na França) e a baixa natalidade colocam um
problema para o funcionamento do processo produtivo. A solução é introduzir no
país, imigrantes, modificando a cultura nacional e; passa-se a existir uma
certa divisão do trabalho entre os imigrados e os não imigrados no processo
produtivo.
- A problemática do Fordismo como uma força produtiva, Gramsci começa a tratar com
mais ênfase a partir da crítica feita a Trotski. O erro de Trotski, segundo
Gramsci, é tentar estabelecer esta primazia a partir de uma coerção, de um
método militarista; isto é, a partir de fora. Esse método militarista para
objetivar preocupações “justas” é expressão da despreocupação que a tradição
marxista (isto é, não a marxiana) tem para com a subjetividade, além do vício
de trabalhar com modelos; mas isto já é uma digressão.
- O fordismo ganha vida a partir de dentro e de fora
da fábrica. Dentro, o trabalhador desenvolve atividades autômatas, maquinais, que
exigem altos dispêndios físicos; trata-se de um trabalho coisificante,
repetitivo, trabalho de um “gorila amansado” (Taylor). Tal crítica a este modo
de trabalhar (embora não o modo de trabalhar fordista) está de modo magistral
exposta nas “obras de juventude” de Marx, porém, a análise esmerada da leitura
gramsciana do fordismo nos impõe a necessidade de fazer uma observação: Gramsci
ao escrever Americanismo e Fordismo não conhecia os Manuscritos Econômicos e
Filosóficos de Marx, recuperados apenas da década de 30 do século XX. Pode
haver então a acusação de anacronismo sobre nós, mas esta é injustificável: o
trabalho alienado também aparece em trabalhos posteriores de Marx (conhecidos
por Gramsci), como O Capital: o próprio fetichismo é uma forma de alienação.
- Para o fordismo ganhar vida, premissas externas à
fábrica também são necessárias, os métodos de trabalho que a racionalização
fordista exige também depende da ontologia dos trabalhadores: estes têm de
conservar um estado físico e psicológico que não embargue o processo produtivo,
têm de fazer do uso dos salários para manterem-se em condições de trabalho. As
políticas de regulamentação ontológica dos trabalhadores, por parte do Estado,
expressam e assumem o fordismo como política de toda a sociedade; o fordismo
ganha extensão, prolonga-se da fábrica às casas dos trabalhadores, às ruas, à
jurisdição (proibicionismo nos EUA)…, sendo além de um modo de acumulação, um modo de dominação. Agora o título
que Gramsci dá ao seu texto pode ser explicado: o “americanismo” é um instrumento para a existência do “fordismo”, é
a regulamentação racional da sociedade, dentro e fora da fábrica, no âmbito
público e no privado.
- O americanismo não é somente um método de trabalho,
é também um modo de vida físico e psicológico, é uma política estatal
correspondente à produção fordizada e ao ethos (fordizado) da sociedade, é o
que dá vida a uma revolução passiva no seio da sociedade.
- Essa revolução passiva – o fordismo – é o que passa
a ser o modo mais eficiente para se acumular capital, é a racionalização que
ganha vida nos diversos âmbitos da realidade para potencializar a acumulação de
capital, ultrapassando os velhos moldes e materializando o avanço das forças
produtivas em oposição às tradições do passado.
- Gramsci ainda aponta mais um efeito importante: na
sociedade, passa a existir um descompasso entre a moral dos trabalhadores
(apregoada também pela Psicanálise, um dos instrumentos de coerção moral e de
paliativo aos problemas do trabalho fordizado) e a dos estratos mais altos da
população: aqueles vivem uma coerção moral no sentido de estabelecer um
“puritanismo”, estes têm uma permissividade maior.
- Vê-se que as máquinas e os trabalhadores são, ambos,
componentes de uma força produtiva, o fordismo. As máquinas formam um todo
orgânico com os trabalhadores, ambos têm de estar articulados e em perfeito
funcionamento para o bem-estar da produção racionalizada. O fordismo, de fato,
vê o todo da produção de modo organicista; assim, há as doenças que devem ser combatidas,
a saber: alcoolismo, concupiscência, resistências sindicais…
O problema dos altos salários e o seu sentido: “(…) A
indústria Ford exige uma discriminação, uma qualificação, nos seus operários,
que as outras indústrias ainda não requerem, um tipo de qualificação de novo
gênero, uma forma de consumo de força de trabalho e uma quantidade de força
consumada no próprio tempo médio, que são mais pesadas e extenuantes do que
noutras, e que o salário não chega a compensar todos os operários, não consegue
reconstituir nas condições dadas de sociedade.”
- O fordismo,
para Gramsci, não é um tipo-ideal aplicável à Europa, é algo, por excelência,
americano. Quando categorias do fordismo são incorporadas por outros países,
ocorre uma adaptação dialética: um país tem seus “fatos sociais” americanizados
e, concomitantemente, o americanismo adapta-se aos “fatos sociais” locais.
- Voltando aos altos salários, eles também
discernem os trabalhadores em matizes: os que estão qualificados e adaptados
para a atividade na indústria fordizada, recebem os altos salários para
manterem-se nessas condições; os que não estão em tais condições estão
excluídos de atividades remuneradas com os altos salários. Com efeito, os altos
salários estão reservados a uma aristocracia operária e não a todos os
trabalhadores; essa é a contradição
existente na realidade que denuncia o cunho ideológico dos altos salários. E
há, ainda, outro dado do capitalismo que limita e corroe os altos salários:
trata-se do desemprego que, na época de Gramsci, assumia uma proporção
veemente.
- Gramsci coloca que ...Mas logo que se tenham generalizado e difundido os
novos métodos de trabalho e de produção, logo que se tenha criado universalmente o novo tipo de operário,
e logo, que se tenha aperfeiçoado o aparelho de produção material, o turnover
excessivo será automaticamente limitado por um extenso desemprego e
desaparecerão os altos salários.
*****
RESUMINDO:
- Portanto, a
forma de produção fordista e o chamado americanismo são particularidades da
América do Norte. O americanismo seria a forma ideológica e cultural,
necessárias para constituição de um modo de vida e de um tipo de trabalhador.
Nesse sentido o americanismo é condição sine quo non para que haja o
desenvolvimento da forma de produção fordista e vice e versa.
- O americanismo
não surge espontaneamente na “mentalidade” social. A sua origem está
estritamente ligada à base material da sociedade.
- A forma de acumulação e produção capitalista
produziu um processo sociometabólico que nasce na fábrica, ou seja, a forma de
produção fordista determina e exige a formação de uma mentalidade e um modo de
vida, que gera a existência deste modelo de produção, sendo uma relação mutua.
- O princípio fundamental da composição do
americanismo está nas políticas “puritanas” de sistematização do indivíduo,
condição necessária para que haja um equilíbrio psicofísico do trabalhador.
Este equilíbrio seria responsável pelo aumento da produtividade, menores gastos
com saúde, constituição moral adequada, conservação física do trabalhador,
entre outros fatores.
- A disciplinarização
da força de trabalho para os propósitos de acumulação do capital, envolve uma
mistura de repressão, familiarização, cooptação e cooperação, elementos que são
organizados não somente no local de trabalho, mas também na sociedade como um
todo. Exige-se que o trabalhador seja monogâmico; que saia do trabalho e vá
direto para casa; que faça exercícios físicos diariamente. Neste sentido, as
políticas “puritanistas” invadem acentuadamente os departamentos de RH, no
intuito de racionalizar ao extremo a vida do trabalhador. Racionalizada a vida
do trabalhador, o próximo passo é racionalizar a produção e o trabalho. Além de
haver uma forte difusão ideológica por instituições como as igrejas e as
escolas, para formação do tipo ideal de trabalhador.
- Nesta perspectiva, Gramsci enfatiza que os homens que vivem do trabalho não podem ser
“domesticados” e “adestrados” através exclusivamente da coerção. É
indispensável educá-los para persuadi-los e obter o seu consentimento para este
novo modo de trabalho e de vida.
- A socialização do trabalhador nas condições de
produção capitalista envolve o controle social bem amplo das capacidades
físicas e mentais. A educação, o treinamento, a persuasão, a mobilização de
certos sentimentos sociais (a ética do trabalho, a lealdade aos companheiros, o
orgulho local ou nacional) e propensões psicológicas (a busca da identidade
através do trabalho, a iniciativa individual ou a solidariedade social)
desempenham um papel e estão claramente presentes na formação de ideologias
dominantes cultivadas pelos meios de comunicação de massa, pelas instituições
religiosas e educacionais, pelos vários setores do aparelho do Estado, e
afirmadas pela simples articulação de sua experiência por parte dos que fazem o
trabalho.
- Estas praticas de controle do trabalho se estendeu
de forma acentuada de 1945 a 1973, período caracterizado de fordista-keynesiano.
- “O fordismo se aliou firmemente ao keynesianismo, e
o capitalismo se dedicou a um surto de expansões internacionalistas de alcance
mundial que atraiu para sua rede inúmeras nações descolonizadas.” (HARVEY,
1992, p. 125)
O modelo
fordista-keynesiano irá se esgotar com a aguda recessão de 1973. E este modelo
no pós-guerra se assume também como modelo
ideológico para fazer frente à URSS. Em plena guerra fria, é preciso mais
do que nunca caracterizar o modelo americano de trabalho.
- Hoje a mundialização dos mercados é muito superior à
do passado, até por que está sob uma nova realidade. Gramsci em suas análises
coloca toda uma problemática de introdução do fordismo na Europa, em função das
peculiaridades históricas. Mas da década de trinta aos dias atuais, houve
muitas alterações no âmbito da produção e do capital.

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* A
questão da sistematização do indivíduo em vista às políticas “puritanas”, seria
o enquadramento de certos tipos de valores morais e religiosos que compõe a
formação deste sujeito.
*As idéias de John Maynard Keynes orientaram a política norte americana
durante a década de 30 e várias outras economias em crise no mundo a partir de
então. Fundamentalmente, Keynes defendia a interferência do Estado para
regulamenta-la. Desta forma, o modelo Keynesiano se enquadra dentro da
perspectiva baseada no planejamento econômico a partir do comando Estatal.
*O Toyotismo é um sistema de organização da produção baseado em uma
resposta imediata às variações da demanda e que exige portanto, uma organização
flexível do trabalho.
REFERÊNCIAS
CHESNAIS, François. A mundialização do Capital. São
Paulo: Xamã, 1996.
GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a Política e o Estado
Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
GOUNET, Thomas. Fordismo e Toyotismo: na civilização
do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999.
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo:
Edições Loyola, 1992.

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