Sonia Ribas
de Souza Soares[1]
Universidade
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
Email: soniaribassoares@hotmail.com
JOVENS E ADULTOS TRABALHADORES: REALIDADE E
POSSIBILIDADES
Nos últimos dias tenho lido István Mészáros e como ele sugere, pensar a
sociedade tendo como parâmetro o ser humano exige a superação da lógica
desumanizadora do capital, que tem no individualismo, no lucro e na competição
seus fundamentos.
Refletir a educação, e especialmente, a realidade e as possibilidades da
Educação de Jovens e adultos trabalhadores é uma tarefa que envolve muitos
fenômenos materiais sociais presentes nessa totalidade concreta[2]. Como o autor coloca é necessário pensar a
singular crise própria do sistema capitalista, o papel da educação na
construção de um outro mundo possível, construir uma educação cuja principal
referência seja o ser humano, e transformar a educação numa alavanca capaz de transformações
políticas, econômicas, culturais e sociais necessárias.
Mészáros acredita que a sociedade só se transforma pela luta de classes,
sendo necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a
criação de uma alternativa educacional diferente. Proporcionar ao povo a tomada
de consciência, ter um pensamento critica, e necessidade de todos, o autor,
numa entrevista ao Jornal Brasil de Fato (2006) coloca que essas praticas
racionais e responsáveis não pode se dar simplesmente por um
grupo de intelectuais. O pensamento crítico precisa estar ao alcance de e ser
desenvolvido por uma massa de pessoas. O problema é que, desde a mais tenra
idade, nas escolas, as pessoas são ensinadas a ser pacatas. Muitas pessoas nem
têm acesso à educação formal. Formas alternativas de educação devem ser
desenvolvidas pelo povo. É preciso recuperar o sentido da educação, que é se
conhecer a si mesmo, aprender por diferentes meios, criativos e alternativos. O
pensamento crítico precisa ser desenvolvido pelo povo, pois só ele tem a força
de se libertar. Não há fórmula mágica, além da necessidade de estimular a
criatividade que a alienação tenta destruir.
Pela sua própria natureza o capital, e por conseqüência o sistema
capitalista, é irreformável e incorrigível. Quando mudanças no sistema
educacional são feitas dentro da lógica do capital, são realizadas com o
objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, sem
alterar a própria regra geral.
A educação institucionalizada, principalmente nos últimos 150 anos,
serviu ao propósito de fornecer os conhecimentos e formação de pessoal
necessário para a máquina produtiva, como também transmitir um quadro de
valores que legitima os interesses dominantes, sendo a própria Historia
adulterada e falsificada para esse propósito.
Utilizando os escritos de John Locke, Mészáros (2005) nos mostra que as
medidas aplicadas aos trabalhadores pobres eram radicalmente diferentes
daquelas consideradas adequadas aos “homens da razão”, no final do século XVII;
relações de poder impostas com extrema brutalidade nos primórdios do
desenvolvimento capitalista, principalmente através da educação.
No decorrer do tempo, as instituições de educação foram se adaptando de
acordo com as determinações reprodutivas em mutação do sistema capitalista. Nos
perguntamos e conscientemente deduzimos a resposta, se essa aprendizagem,
através de uma educação institucionalizada, vem ocorrendo de maneira a conduzir
à auto-realização dos indivíduos como “indivíduos socialmente ricos”
humanamente (Marx, 2005) ou se ela está a serviço da ordem social alienante
controlada pelo capital.
Seja em relação à manutenção ou à mudança de uma dada concepção de mundo,
a questão que se coloca para a educação institucionalizada e social fora da
escola estabelecida no dia-a-dia, é a necessidade de se modificar de uma forma
duradoura a internalização historicamente prevalecente que romperá com a lógica
e domínio do capital.
“A aprendizagem é a nossa própria vida”, afirmação de Paracelso
(Mészáros, 2005) só será possível se desafiarmos as formas atualmente
dominantes de internalização fortemente consolidada nas instituições escolares
formais a favor do capital, para uma voltada em direção à perspectiva de uma
alternativa hegemônica à ordem existente, que tornasse possível a realização de
suas necessárias aspirações emancipadoras.
Vivemos um tempo que há muito tem por característica a relação
desumanizante e alienada do trabalho. Tomando o pensamento de Marx,
precisamente porque estamos preocupados com um processo histórico imposto pelo
próprio trabalho, é possível superar a alienação com uma reestruturação radical
das nossas condições de existência há muito estabelecidas, não através da mera
negação do status quo, porque permanecem condicionados pelo objeto da sua
negação. Torna-se necessária uma
revolução e não apenas uma reforma que continue tendo por base os princípios
defendidos pelo capital. Aqui a educação tem papel fundamental para romper com
a internalização de políticas que reforçam os interesses capitalistas.
Na concepção marxista a “efetiva transcendência da auto-alienação do trabalho”,
é caracterizada como uma tarefa educacional. Nesse contexto, dois conceitos
principais devem ser postos em primeiro plano: a universalização da educação e
a universalização do trabalho como atividade humana auto-realizadora, nenhuma
das duas sendo viável sem a outra.
O papel da educação para além do capital visa uma ordem social
qualitativamente diferente ao possibilitar a todos os homens conhecimentos
iguais e uma formação mais abrangente e para toda vida que supere aquela
definida hoje pelo sistema capitalista, a qual diferencia as classes sociais
por saberes competentes a cada um delas e faz da educação uma forma de
reprodução da ordem mercadológica existente.
Segundo Mészáros, o grave e insuperável defeito do sistema do capital
consiste na alienação de mediações de segunda ordem que ele precisa impor a
todo os seres humanos, como a relação de troca entre as mercadorias e o
trabalho subordinado a estrutura do capital. O circulo vicioso de desperdício,
escassez, ganância e diferenças sociais do sistema capitalista só será rompido
com uma intervenção efetiva na educação, capaz de estabelecer prioridades e
definir as reais necessidades mediante plena e livre deliberação dos indivíduos
envolvidos.
A possibilidade da sobrevivência da humanidade está na necessidade da
mudança do nosso modo de vida, senão iremos desaparecer.
“Necessitamos de mudança radical do nosso modo de
produção e reprodução socio-metabólico. Uma Transformação que deve ser feita
por meio da adoção de praticas responsáveis e racionais necessárias para a
única economia viável, orientada pela necessidade humana, ao invés do
alienante, desumanizante e degradante lucro.” (MESZAROS, 2009, 27)
A realidade da educação está constituída como um elemento de manutenção
da hierarquia social, na qual a igualdade e a liberdade é algo meramente formal
e não passa de uma ilusão, visto que a desigualdade social é concreta e
inequívoca. No entanto, um das possibilidades de viabilizar a superação das
dicotomias existentes e da emancipação do ser humano reside na integração entre
ensino e trabalho.
E quando pensamos num currículo que atenta a jovens e adultos
trabalhadores, seres reais, históricos, que vive o mundo da
pseudoconcreticidade[3], a
categoria trabalho está na centralidade. Pois a especificidade do universo de
alunos da EJA, ao se tratar de trabalhadores, remete necessariamente uma
reflexão sobre o tipo de currículo que atenda essa população para possibilitar
a relação da educação com o mundo do trabalho.
É necessário a universalização da educação e a universalização do
trabalho, pois somente com a união destes dois conceitos como base para uma
sociedade melhor teremos de fato uma perspectiva de mudança. Um não é viável
sem o outro.
A educação na perspectiva marxiana reside na integração entre o ensino e
o trabalho, que para eles designam, ensino politécnico ou formação omnilateral.
Por meio desta educação o ser humano desenvolveria se em todos os sentidos. E
essa unidade deve-se dar desde a infância. O tripé básico para todos: crianças,
jovens e adultos deveria se constituir-se em Ensino Intelectual
(cultura geral), Desenvolvimento Físico (ginástica e esportes) e Aprendizagem
profissional polivalente (técnico - cientifico). Porque o ensino é um
instrumento para o conhecimento e também para a transformação da sociedade e do
mundo.
Este é o potencial e o caráter revolucionário da educação. O proletário,
por si só não conquista sua consciência de classe, sua consciência política,
justamente pelo fato de ter sido privado, desde o inicio, dos meios que lhe
permitiriam consegui-lo. Por isso, há a necessidade de um processo educativo
pautado em um currículo e um Projeto Político Pedagógico definido, voltado aos
interesses da grande maioria desprovida das necessidades básicas materiais. A
meu ver, é aqui que surge o papel estratégico da escola, os educadores e
intelectuais, os quais são decisivos para a construção da consciência de classe
do trabalhador.
A concepção de educação de Marx e Engels é pertinente, em virtude que sua
proposta recupera o sentido do trabalho enquanto atividade vital e que o homem
humaniza-se sempre mais ao invés de alienar-se. A educação é concebida, não
como instrumento de dominação e manutenção do status quo (como acontece
atualmente), mas como processo de transformação desta situação. Desse modo, a
educação deve vir para corroborar esta sistematização que não é meramente
teórica ou abstrata, mas real – prática.
Na sociedade contemporânea a educação reproduz o sistema dominante, tanto
ideologicamente quanto nos níveis técnico e produtivo. A sociedade socialista
(que almejamos) a educação assume um caráter dinâmico, transformador, tendo
sempre o ser humano e sua dignidade como ponto de referência. Uma educação
omnilateral é o que continua fazendo falta em nossa sociedade.
O atual sistema educativo, sobretudo no Brasil, vem confirmando o que se
diz sobre reprodução, divisão social e dominação. Os projetos Políticos
Pedagógicos até existem e são propostos, mas são postos em andamento aqueles
que legitimam o sistema e não representam para ele uma ameaça.
Sabemos que somente através da educação não poderemos nunca transformar a
sociedade, na qual a educação serve e ajuda a desenvolver-se, ao mesmo tempo,
que se desenvolve, de acordo com o mundo real na qual esta inserida, porém, é
possível que seja uma das três alavancas fundamentais junto à economia e à
política, sobre as quais os processos de transformação de uma realidade social
avançam e alcançam maturidade.
A política neoliberal de redução das responsabilidades do estado, de
redução do espaço público, e portando, de redução de direitos públicos avança
rapidamente na rota da lógica de mercado com o espaço de privilégios e seleção.
À medida que a sociedade contemporânea produz mais conhecimento
científico e tecnológico, a maioria da população é submetida a um processo de
brutalização, expresso de forma eloqüente na desqualificação do ensino público,
nos baixos investimentos em educação, na permanência dos índices de evasão e
repetência, na baixa escolaridade média da população, no número de analfabetos,
etc.
Por isso mesmo, hoje, mais do que ontem, é preciso manter oposição a essa
política, e ao mesmo tempo, afirmar a possibilidade da esperança. Mas para isso
Mészáros (2009) coloca a necessidade de adoção de práticas responsáveis e
racionais necessárias para a única economia viável, orientada pela necessidade
humana, ao invés do alienante, desumanizante e degradante lucro.
Dessa forma que me proponho, sugerir algumas reflexões sobre uma nova
constituição de um currículo como possibilidade para os jovens e adultos
trabalhadores, que não teve acesso à educação.
Primeiramente, devo expressar que o currículo é responsável pelo tipo de
profissional ou pessoa que se forma, ou melhor, o currículo é um instrumento de
um mundo real muito maior que o mundo da escola. O currículo não surge no
vazio. Ele é, em geral, organizado com elementos determinantes de um modo de
produção, elementos que consciente ou inconsciente, aceitamos, apesar de que
não satisfaz nossas necessidades e aspirações. E isso deve à carga ideológica
que suportam os conteúdos dos currículos de formação de profissionais e
pessoas. Ou porque, na realidade, não conheço outro caminho, ou sigo sem me
apartar-me do longo processo de formação que, de forma inconsciente, aprovo.
Não é a sociedade
ou os professores os que fazem os currículos e determinam o tipo de pessoa que
desejamos formar. É a classe social dominante, o modo de produção e reprodução
socio-metabólico que estabelece direta ou indiretamente os princípios e
conteúdos dos currículos de que necessitamos. Ela usa todos os meios que possui
para alcançar seus objetivos.
Então o currículo que apontarei aqui especialmente no campo da EJA pode
estar longe do mundo real em que vivo, ser utópica, mas é uma maneira de dizer
que compreendemos a realidade da qual vivemos e que não estamos satisfeitos com
ela, e também que todos os modos de produção são históricos, ai reina nossa
esperança.
Partindo da realidade de que o
currículo não se organiza e reorganiza num vazio, como alguns poderiam chegar a
crer. Porém sabendo que existe uma realidade hostil contra os desejos humanos
de satisfazer as necessidades materiais e espirituais da grande maioria de
pessoas, que pensei um currículo juntamente com a autora Viero, e outros, que
para mim está mais próxima, do que até o momento, tenho sistematizado.
Pensar num currículo que atenda jovens e adultos trabalhadores é
necessário uma contextualização sobre esse universo de pessoas, para poder
constituir as áreas de conhecimento. Para isso é necessário, segundo Viero[4],
enquanto professor, saber quem são os alunos da EJA para poder abordar o
currículo. E para responder essa pergunta é necessário ter como ponto de
partida um aluno real, histórico, trabalhador, que vive as relações de
trabalho, no qual o ser trabalhador transforma–se na medida que as relações de
trabalho mudam. E os alunos da EJA vivem do trabalho, mas no capitalismo atual
a pobreza e o desemprego aumentam o tempo todo, ainda mais agora na atual crise
do próprio capitalismo. Esse sistema não oferece alternativas de vida digna
para esses trabalhadores, pois esse fato não é importante para ele.
Trabalhar com os alunos da EJA, na atual conjuntura é trabalhar com
pessoas que segundo essa pesquisa não tem a quantidade de elementos necessários
para se ter uma vida digna, mais humana e com melhor qualidade. É uma realidade
que exige de nós professores, um trabalho que se organiza e se reorganiza a
partir das circunstancias em que as relações vão se materializando, e isso
exige uma constante abertura de sistematização dos processos pedagógicos.
Dessa forma, Viero[5]
ratifica que um currículo de EJA exige a superação das generalizações
abstratas, tratam as alunas e os alunos de forma homogênea, resultando em
trabalhos de sala de aula, que tem como base propostas pedagógicas
compensatórias para os alunos “ideais”. E assim negando ao aluno a condição de
sujeito de direito, a sua subjetividade e alteridade, tratando-os como alguém
digno de pena, portando vendo-o com inferioridade.
Reinventar o currículo, no sentido de constituir o trabalho com as áreas
de conhecimento, desde o ponto de vista, de um processo pedagógico planejado,
para quem cria condições de inverter a situação de divisão social na educação,
remete, necessariamente, para a problematização da história que caracteriza os
jovens e adultos pouco escolarizados como alguém desprovido de conhecimento e
sem muitas capacidades de criação e produção.
Analisando a história da EJA observamos que a relação com o mundo do
trabalho não é neutra. Defendo, amparada em Siqueira (2005), Aguiar (2001),
Viero (2004) a educação como um processo de permanente ressignificação das
práticas sócias. Uma abordagem que problematiza a naturalização das relações
capitalistas, fundadas numa concepção produtivista de educação, que visa à
produção do lucro e não da vida. E é essa a responsável pelo afastamento de
grande parte da população desse direito.
A concepção que defendo trabalha desde o ponto de vista de uma educação
que resssignifique o estatuto da esperança no espaço e no tempo em que nos
encontramos. Como diz Viero[6]
(...) nesse sentido, o currículo em EJA pode se
transformar em campos de experimentações, em que seja possível criar
localamente alternativas de educação de jovens e adultos que a especificidade
das necessidades voltadas para a produção da vida desse universo de alunos
exige. (Viero, 2001)
Transformar a
sistematização do currículo em experiências que tornam possíveis inúmeras
alternativas que representam à gênese de um novo trabalho escolar, capaz de
organizar uma nova cultura escolar fundada num processo de participação,
produção e socialização do saber, contribuindo de forma significativa para um
projeto de desenvolvimento alternativo.
O processo
pedagógico de uma escola, organizada para atenderem jovens e adultos, exige um
projeto em que as áreas de conhecimentos transitem entre si, de forma
interdisciplinar, negando a disciplina, para que o professor e o aluno percebam
que o trabalho de sala de aula é especifico daquele projeto de escola.
E para que
isso ocorra é necessário que o currículo dessa escola tenha uma forma
materializada a partir do diálogo com os conhecimentos que a vida desses alunos
exige. Por que se continuarmos trabalhando com estruturas fragmentadas da
disciplina onde o professor garante o seu poder, não nos coloca como desafio
formar os alunos inseridos de forma critica no contexto atual, isto é, no tempo
em que as alunas e alunos vivem.
Aqui há a necessidade
de uma formação permanente dos professores como parte integrante do currículo.
Pois para organizar projetos para compreender os sujeitos dentro da escola, na
relação com o contexto, se coloca como necessário efetivar espaços em que
professores em dialogo com alunos possam, a partir dos referenciais teóricos e
de suas práticas, estabelecerem trocas com seus pares, organizando
coletivamente o trabalho, para garantir a permanência do processo de estudo
para compreender a complexa dimensão da vida dos alunos.
Um elemento
fundamental para que essa concepção de currículo aconteça é a pesquisa como
parte integrante do processo educativo. Ratifico minha afirmação em Triviños[7] e Viero (2004)[8] porque só assim, esse processo se
materializará de forma a relacionar dialeticamente conhecimentos existentes
trazidos pelas alunas e alunos – professoras e professores com o conhecimento
que se cria no processo pedagógico.
Organizar uma
proposta de escola para jovens e adultos trabalhadores remete problematizar a
própria escola e reorganizá-la a partir de novos parâmetros que contemple a
especificidade dessas pessoas.
Resgatando a humanidade do homem, a concretude do concreto que se
organiza e reorganiza numa permanente abertura, resgatar o direito da
criatividade da imaginação, inspirando leituras mais próximas do real,
tradutora de possibilidades de um futuro diferente para a EJA.
Nesse sentido
o currículo para essa escola tem a participação de jovens e adultos
trabalhadores que participam como pessoas históricas, porque estão inseridas
numa comunidade concreta. Esses têm nomes, apelidos, rostos, histórias de vida,
e desenvolverão aptidões circunstanciais em que a formação é um processo
dialético de interação do homem com o mundo, que não pressupõe uma imagem ideal
previa a ser atingida.
Sabemos que
não é fácil colocar em prática alguns desses elementos apontados aqui, porém é
uma das possibilidades de pensar e fazer um currículo para essas pessoas
desprovidas das necessidades básicas de vida, que estão inseridos numa
comunidade e que luta, muitas vezes sem compreender, pelo seu espaço e direito
público.
Dessa forma,
recriar o currículo para uma escola de EJA, remete derrubar barreiras
historicamente, que vai separando a escola da comunidade e buscar recuperar a
escola enquanto um espaço inserido no seu contexto, e como um lugar público se
encontra vinculada a comunidade em que os alunos tenham poder de decisão na
gestão da vida da escola.
Fundamentada
em Colao (2005) faço alguns apontamentos que creio ser importante para a
sistematização do currículo da EJA. Que a EJA em seu processo educativo consiga
proporcionar elementos de compreensão
sobre aspectos fundamentais na formação do ser social. Destacamos os
aspectos sociais, históricos, econômicos e culturais, não de forma linear, mas
tomando como base central o modo de produção capitalista no qual, atualmente,
estamos inseridos possibilitando uma análise de certas categorias bases como:
trabalho, ideologia, mais-valia, desemprego, trabalho infantil, a partir da
realidade econômica de que os alunos já conhecem e vivem.
Como parto de
uma concepção de que a educação é permanente, e não uma educação compensatória
de EJA, poderia ser trabalhados com os alunos formas de aprender a pensar,
partindo de três elementos básicos: a concepção de mundo, vida e ser humano.
Isso é filosofia[9].
A questão do
esporte na educação, hoje atualmente na escola em estudo a educação física é
oferecida aos alunos fora do horário de aula regular, é voluntária. Das 18hr as
18:45 min nas terças e quintas-feiras, porém os alunos já chegam as 19:30min ou
mais, atrasados em suas aulas regulares. Isso mostra que o currículo dessa
escola não valoriza essa atividade singular na vida desses alunos, e também um
conhecimento frágil sobre a especificidade de alunos trabalhadores. Marx sugere
que uma educação deve partir da integração entre o ensino e o trabalho, que
para ele é o ensino politécnico ou formação omnilateral. E um dos três
elementos básicos é a atividade física.
-
Ensino
Intelectual - cultura geral;
-
Desenvolvimento
Físico - ginástica e esportes;
-
Aprendizagem
profissional polivalente / técnico - cientifico.
A Educação Física tem por objetivo
sistematizar a educação integral do homem, por meio de atividades físicas de
acordo com suas necessidades bio-psico-fisiológicas e sociais. Busca entender o
ser humano em todas as suas dimensões e no conjunto de suas relações
individuais com os outros e com o mundo. A meu ver, deve ser organizada a
partir do conhecimento das ciências físicas, biológicas e humanas.
A Língua Estrangeira nas aulas de EJA
deve ser um instrumento de libertação e transformação, assim como a
alfabetização deve ser precedido pela leitura de mundo como nos é apresentado
por Freire, e é a partir das experiências de vida do aluno que se vai
sistematizando a segunda língua. Não esquecendo o aspecto essencial do trabalho
a condição de contextualização
Outro ponto a
destacar é a questão da Arte na
educação. Muitos devem se perguntar qual é a função da arte na EJA no cotidiano
do individuo cuja perspectiva é acima de tudo a sobrevivência imediata?
Seguindo esta abordagem teórica, todos devem ter acesso ao patrimônio cultural
e ao conhecimento sistematizado ao longo do tempo. Por isso deve ampliar o
universo cultural do aluno, a sensibilização em relação ao seu meio ambiente e
a busca da expressão individual e coletiva que lhe satisfaçam e preparem para a
outra busca maior de transformação da sociedade. Mesmo sabendo que a sociedade
dominante centraliza a produção e o consumo da arte, não reconhecendo a
produção popular. A sensibilização e a livre expressão sem a leitura crítica
que avalie a produção, de nada serve.
Esses
aspectos que apontamos, são apenas alguns deles, mas que podem proporcionar uma
organização e sistematização diferenciada da totalidade concreta do Currículo
para jovens e adultos trabalhadores, que vêem na educação uma forma de melhorar
e qualificar as suas condições materiais de sobrevivência. A partir desses
elementos é possível que haja uma substituição da práxis utilitária cotidiana
desses alunos, por uma práxis revolucionaria da humanidade, ou seja, que eles
possam ser capazes através do pensamento dialético captar a “coisa em si” e
sistematicamente se perguntar como é possível chegar à compreensão da
realidade. Pois o mundo que se manifesta ao homem na práxis fetichizada, no
tráfico e na manipulaçaõ, não é o mundo real, embora tenha a “consistência” e a
“valides’ do mundo real: é “o mundo da aparência”. A representação da coisa não
constitui uma qualidade natural da coisa e da realidade: é a projeção, na
consciência do sujeito, de determinadas condições históricas e petrificadas.
O que
realmente aspiramos é que o currículo para estes trabalhadores venha
fundamentado numa práxis revolucionária, que Kosik (1976, p. 18) coloca como a
destruição da pseudoconcreticidade como um método dialético crítico, capaz de
dissolver o pensamento das criações fetichizadas do mundo reificado e ideal,
para alcançar a sua realidade. E esta prática é viável só porque e só na medida
em que nós mesmos produzimos a realidade, e na medida em que saibamos que a
realidade é produzida por nós.
A destruição
da pseudoconcreticidade significa que a verdade não é nem inatingível, nem
alcançável de uma vez para sempre, mas que ela se faz, logo, se desenvolve e se
realiza. Portanto, a destruição da pseudoconcreticidade se efetua como: 1-
Critica Revolucionaria da práxis da humanidade, que coincide com o devenir
humano do homem, com o processo de “humanização do homem”, do qual as relações
sociais constituem as etapas-chaves. 2- Pensamento Dialético, que sissolve o
mundo fetichizado da aparência para atingir a realidade e a “coisa em si”. 3- Realizações
da verdade e criação da realidade humana própria, espiritual, como individuo
social-historico. Cada um de nós pessoalmente e sem que ninguém possa
substitui-lo tem de se formar uma cultura e viver a sua vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
COLAO, Magda. A formação do técnico e do tecnólogo no curso de
viticultura e enologia do Centro federal de educação Tecnológica de Bento
Gonçalves-RS e a educação Profissional. Um estudo de caso. Tese doutoral.
UFRGS. Porto Alegre. 2005. p. 324.
KOSIK, Karel. Dialética do
Concreto. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1976. p. 230.
MARX, Karl. Contribuição a Crítica da Economia Política. São
Paulo, Editora Martins Fontes, 1983, p. 289.
MESZAROS, István. A crise Estrutural do
Capital. São Paulo: Boitempo. 2009. p. 135.
________________. A Educação para
além do Capital. São Paulo: Boitempo. 2005. p. 79.
SIQUEIRA, Janes. A luta do jovem que trabalha e estuda nas escolas
estaduais de Porto Alegre/RS. Um estudo de Caso. Porto Alegre.
UFRGS. 2004. Tese de doutorado.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo S.. A| formação do Educador como Pesquisador
no Mercosul - Conesul. Porto alegre: Editora da UFRGS.2003.
VIERO, Anésia. A Educação dos Professores. Reconstituindo as
Dimensões do Trabalho do Educador do Serviço de Educação de Jovens e Adultos de
Porto Alegre. Porto alegre. UFRGS. 2001. Dissertação de Mestrado.
VIERO, Anésia; Siqueira, Janes Fraga; Viegas, Moacir Fernando. As
Políticas Públicas e as Concepções de Educação de Jovens e Adultos no Brasil no
contexto da reestruturação capitalista. Reflexão e Ação. V.07, nº 2
(jul/dez) 1999. Santa Cruz do Sul: Editora da UNISC. 2000.
[1] A autora
é Mestre em Educação pela UFRGS, professora da Rede Municipal de Porto Alegre e
da Rede Estadual do Rio Grande do Sul, pesquisadora da Linha de Pesquisa: Trabalho,
Movimentos Sociais e Educação.
[2] Esta
concepção de totalidade do materialismo dialético significa: “Realidade como um
todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fator qualquer pode vir a
ser racionalmente compreendido.” (KOSIK, 1976,35)
[3]
Segundo Kosik, o mundo da pseudoconcreticidade é constituído pela complexidade
dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida
humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidencia, penetram na
consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e
natural. Pertencem a esse mundo, o mundo do trafico e da manipulação, isto é,
da práxis fetichizada dos homens ( que não coincide com a práxis revolucionaria
da humanidade); o mundo das representações comuns, que são projeções dos
fenômenos externos na consciência dos homens, produto da práxis fetichizada,
formas ideológicas de seu movimento; mundo dos objetos fixados, que dão a
impressão de ser condições naturais e não imediatamente reconhecíveis como
resultado da atividade social dos homens. (1976, p. 11)
[4] Viero,
Anézia. Currículo em EJA – constituição das áreas de conhecimentos: aspectos
teóricos e práticos. 2002. documento digitado.
[5]
Ex-coordenadora e atual professora do Centro Municipal de Educação dos
trabalhadores Paulo Freire.
[6] Viero, Anézia. Op cit. p. 03.
[7]
Triviños, Augusto Nibaldo S.. A| formação do Educador como Pesquisador no
Mercosul ? Conesul. Porto alegre: Editora da UFRGS.2003.
[8] Viero, Anézia. Op cit. p. 07
[9]
Filosofia como uma atividade humana indispensável, visto que a essência da
coisa, a estrutura da realidade, a
“coisa em si”, o ser da coisa, não se manifesta direta e imediatamente. Neste
Sentido a filosofia pode ser caracterizada como um esforço sistemático e
critico que vida a captar a coisa em si, a estrutura oculta da coisa, a
descobrir o modo de ser do existente. (Kosik, 1976, 14)
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