terça-feira, 15 de julho de 2014

JOVENS E ADULTOS TRABALHADORES: REALIDADE E POSSIBILIDADES


Sonia Ribas de Souza Soares[1]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

 


 

 

JOVENS E ADULTOS TRABALHADORES: REALIDADE E POSSIBILIDADES

 

Nos últimos dias tenho lido István Mészáros e como ele sugere, pensar a sociedade tendo como parâmetro o ser humano exige a superação da lógica desumanizadora do capital, que tem no individualismo, no lucro e na competição seus fundamentos.

Refletir a educação, e especialmente, a realidade e as possibilidades da Educação de Jovens e adultos trabalhadores é uma tarefa que envolve muitos fenômenos materiais sociais presentes nessa totalidade concreta[2].  Como o autor coloca é necessário pensar a singular crise própria do sistema capitalista, o papel da educação na construção de um outro mundo possível, construir uma educação cuja principal referência seja o ser humano, e transformar a educação numa alavanca capaz de transformações políticas, econômicas, culturais e sociais necessárias.

Mészáros acredita que a sociedade só se transforma pela luta de classes, sendo necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional diferente. Proporcionar ao povo a tomada de consciência, ter um pensamento critica, e necessidade de todos, o autor, numa entrevista ao Jornal Brasil de Fato (2006) coloca que essas praticas racionais e responsáveis não pode se dar simplesmente por um grupo de intelectuais. O pensamento crítico precisa estar ao alcance de e ser desenvolvido por uma massa de pessoas. O problema é que, desde a mais tenra idade, nas escolas, as pessoas são ensinadas a ser pacatas. Muitas pessoas nem têm acesso à educação formal. Formas alternativas de educação devem ser desenvolvidas pelo povo. É preciso recuperar o sentido da educação, que é se conhecer a si mesmo, aprender por diferentes meios, criativos e alternativos. O pensamento crítico precisa ser desenvolvido pelo povo, pois só ele tem a força de se libertar. Não há fórmula mágica, além da necessidade de estimular a criatividade que a alienação tenta destruir.

 

Pela sua própria natureza o capital, e por conseqüência o sistema capitalista, é irreformável e incorrigível. Quando mudanças no sistema educacional são feitas dentro da lógica do capital, são realizadas com o objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, sem alterar a própria regra geral.

A educação institucionalizada, principalmente nos últimos 150 anos, serviu ao propósito de fornecer os conhecimentos e formação de pessoal necessário para a máquina produtiva, como também transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, sendo a própria Historia adulterada e falsificada para esse propósito.

Utilizando os escritos de John Locke, Mészáros (2005) nos mostra que as medidas aplicadas aos trabalhadores pobres eram radicalmente diferentes daquelas consideradas adequadas aos “homens da razão”, no final do século XVII; relações de poder impostas com extrema brutalidade nos primórdios do desenvolvimento capitalista, principalmente através da educação.

No decorrer do tempo, as instituições de educação foram se adaptando de acordo com as determinações reprodutivas em mutação do sistema capitalista. Nos perguntamos e conscientemente deduzimos a resposta, se essa aprendizagem, através de uma educação institucionalizada, vem ocorrendo de maneira a conduzir à auto-realização dos indivíduos como “indivíduos socialmente ricos” humanamente (Marx, 2005) ou se ela está a serviço da ordem social alienante controlada pelo capital.

Seja em relação à manutenção ou à mudança de uma dada concepção de mundo, a questão que se coloca para a educação institucionalizada e social fora da escola estabelecida no dia-a-dia, é a necessidade de se modificar de uma forma duradoura a internalização historicamente prevalecente que romperá com a lógica e domínio do capital.

“A aprendizagem é a nossa própria vida”, afirmação de Paracelso (Mészáros, 2005) só será possível se desafiarmos as formas atualmente dominantes de internalização fortemente consolidada nas instituições escolares formais a favor do capital, para uma voltada em direção à perspectiva de uma alternativa hegemônica à ordem existente, que tornasse possível a realização de suas necessárias aspirações emancipadoras.

Vivemos um tempo que há muito tem por característica a relação desumanizante e alienada do trabalho. Tomando o pensamento de Marx, precisamente porque estamos preocupados com um processo histórico imposto pelo próprio trabalho, é possível superar a alienação com uma reestruturação radical das nossas condições de existência há muito estabelecidas, não através da mera negação do status quo, porque permanecem condicionados pelo objeto da sua negação.   Torna-se necessária uma revolução e não apenas uma reforma que continue tendo por base os princípios defendidos pelo capital. Aqui a educação tem papel fundamental para romper com a internalização de políticas que reforçam os interesses capitalistas.

Na concepção marxista a “efetiva transcendência da auto-alienação do trabalho”, é caracterizada como uma tarefa educacional. Nesse contexto, dois conceitos principais devem ser postos em primeiro plano: a universalização da educação e a universalização do trabalho como atividade humana auto-realizadora, nenhuma das duas sendo viável sem a outra.

O papel da educação para além do capital visa uma ordem social qualitativamente diferente ao possibilitar a todos os homens conhecimentos iguais e uma formação mais abrangente e para toda vida que supere aquela definida hoje pelo sistema capitalista, a qual diferencia as classes sociais por saberes competentes a cada um delas e faz da educação uma forma de reprodução da ordem mercadológica existente.

Segundo Mészáros, o grave e insuperável defeito do sistema do capital consiste na alienação de mediações de segunda ordem que ele precisa impor a todo os seres humanos, como a relação de troca entre as mercadorias e o trabalho subordinado a estrutura do capital. O circulo vicioso de desperdício, escassez, ganância e diferenças sociais do sistema capitalista só será rompido com uma intervenção efetiva na educação, capaz de estabelecer prioridades e definir as reais necessidades mediante plena e livre deliberação dos indivíduos envolvidos.

A possibilidade da sobrevivência da humanidade está na necessidade da mudança do nosso modo de vida, senão iremos desaparecer.

“Necessitamos de mudança radical do nosso modo de produção e reprodução socio-metabólico. Uma Transformação que deve ser feita por meio da adoção de praticas responsáveis e racionais necessárias para a única economia viável, orientada pela necessidade humana, ao invés do alienante, desumanizante e degradante lucro.” (MESZAROS, 2009, 27)

 

A realidade da educação está constituída como um elemento de manutenção da hierarquia social, na qual a igualdade e a liberdade é algo meramente formal e não passa de uma ilusão, visto que a desigualdade social é concreta e inequívoca. No entanto, um das possibilidades de viabilizar a superação das dicotomias existentes e da emancipação do ser humano reside na integração entre ensino e trabalho.

E quando pensamos num currículo que atenta a jovens e adultos trabalhadores, seres reais, históricos, que vive o mundo da pseudoconcreticidade[3], a categoria trabalho está na centralidade. Pois a especificidade do universo de alunos da EJA, ao se tratar de trabalhadores, remete necessariamente uma reflexão sobre o tipo de currículo que atenda essa população para possibilitar a relação da educação com o mundo do trabalho.

É necessário a universalização da educação e a universalização do trabalho, pois somente com a união destes dois conceitos como base para uma sociedade melhor teremos de fato uma perspectiva de mudança. Um não é viável sem o outro.

A educação na perspectiva marxiana reside na integração entre o ensino e o trabalho, que para eles designam, ensino politécnico ou formação omnilateral. Por meio desta educação o ser humano desenvolveria se em todos os sentidos. E essa unidade deve-se dar desde a infância. O tripé básico para todos: crianças, jovens e adultos deveria se constituir-se em Ensino Intelectual (cultura geral), Desenvolvimento Físico (ginástica e esportes) e Aprendizagem profissional polivalente (técnico - cientifico). Porque o ensino é um instrumento para o conhecimento e também para a transformação da sociedade e do mundo.

Este é o potencial e o caráter revolucionário da educação. O proletário, por si só não conquista sua consciência de classe, sua consciência política, justamente pelo fato de ter sido privado, desde o inicio, dos meios que lhe permitiriam consegui-lo. Por isso, há a necessidade de um processo educativo pautado em um currículo e um Projeto Político Pedagógico definido, voltado aos interesses da grande maioria desprovida das necessidades básicas materiais. A meu ver, é aqui que surge o papel estratégico da escola, os educadores e intelectuais, os quais são decisivos para a construção da consciência de classe do trabalhador.

A concepção de educação de Marx e Engels é pertinente, em virtude que sua proposta recupera o sentido do trabalho enquanto atividade vital e que o homem humaniza-se sempre mais ao invés de alienar-se. A educação é concebida, não como instrumento de dominação e manutenção do status quo (como acontece atualmente), mas como processo de transformação desta situação. Desse modo, a educação deve vir para corroborar esta sistematização que não é meramente teórica ou abstrata, mas real – prática.

Na sociedade contemporânea a educação reproduz o sistema dominante, tanto ideologicamente quanto nos níveis técnico e produtivo. A sociedade socialista (que almejamos) a educação assume um caráter dinâmico, transformador, tendo sempre o ser humano e sua dignidade como ponto de referência. Uma educação omnilateral é o que continua fazendo falta em nossa sociedade.

O atual sistema educativo, sobretudo no Brasil, vem confirmando o que se diz sobre reprodução, divisão social e dominação. Os projetos Políticos Pedagógicos até existem e são propostos, mas são postos em andamento aqueles que legitimam o sistema e não representam para ele uma ameaça.

Sabemos que somente através da educação não poderemos nunca transformar a sociedade, na qual a educação serve e ajuda a desenvolver-se, ao mesmo tempo, que se desenvolve, de acordo com o mundo real na qual esta inserida, porém, é possível que seja uma das três alavancas fundamentais junto à economia e à política, sobre as quais os processos de transformação de uma realidade social avançam e alcançam maturidade.

A política neoliberal de redução das responsabilidades do estado, de redução do espaço público, e portando, de redução de direitos públicos avança rapidamente na rota da lógica de mercado com o espaço de privilégios e seleção.

À medida que a sociedade contemporânea produz mais conhecimento científico e tecnológico, a maioria da população é submetida a um processo de brutalização, expresso de forma eloqüente na desqualificação do ensino público, nos baixos investimentos em educação, na permanência dos índices de evasão e repetência, na baixa escolaridade média da população, no número de analfabetos, etc. 

Por isso mesmo, hoje, mais do que ontem, é preciso manter oposição a essa política, e ao mesmo tempo, afirmar a possibilidade da esperança. Mas para isso Mészáros (2009) coloca a necessidade de adoção de práticas responsáveis e racionais necessárias para a única economia viável, orientada pela necessidade humana, ao invés do alienante, desumanizante e degradante lucro.

Dessa forma que me proponho, sugerir algumas reflexões sobre uma nova constituição de um currículo como possibilidade para os jovens e adultos trabalhadores, que não teve acesso à educação.

Primeiramente, devo expressar que o currículo é responsável pelo tipo de profissional ou pessoa que se forma, ou melhor, o currículo é um instrumento de um mundo real muito maior que o mundo da escola. O currículo não surge no vazio. Ele é, em geral, organizado com elementos determinantes de um modo de produção, elementos que consciente ou inconsciente, aceitamos, apesar de que não satisfaz nossas necessidades e aspirações. E isso deve à carga ideológica que suportam os conteúdos dos currículos de formação de profissionais e pessoas. Ou porque, na realidade, não conheço outro caminho, ou sigo sem me apartar-me do longo processo de formação que, de forma inconsciente, aprovo.

Não é a sociedade ou os professores os que fazem os currículos e determinam o tipo de pessoa que desejamos formar. É a classe social dominante, o modo de produção e reprodução socio-metabólico que estabelece direta ou indiretamente os princípios e conteúdos dos currículos de que necessitamos. Ela usa todos os meios que possui para alcançar seus objetivos.

Então o currículo que apontarei aqui especialmente no campo da EJA pode estar longe do mundo real em que vivo, ser utópica, mas é uma maneira de dizer que compreendemos a realidade da qual vivemos e que não estamos satisfeitos com ela, e também que todos os modos de produção são históricos, ai reina nossa esperança.

Partindo da realidade de que o currículo não se organiza e reorganiza num vazio, como alguns poderiam chegar a crer. Porém sabendo que existe uma realidade hostil contra os desejos humanos de satisfazer as necessidades materiais e espirituais da grande maioria de pessoas, que pensei um currículo juntamente com a autora Viero, e outros, que para mim está mais próxima, do que até o momento, tenho sistematizado.

Pensar num currículo que atenda jovens e adultos trabalhadores é necessário uma contextualização sobre esse universo de pessoas, para poder constituir as áreas de conhecimento. Para isso é necessário, segundo Viero[4], enquanto professor, saber quem são os alunos da EJA para poder abordar o currículo. E para responder essa pergunta é necessário ter como ponto de partida um aluno real, histórico, trabalhador, que vive as relações de trabalho, no qual o ser trabalhador transforma–se na medida que as relações de trabalho mudam. E os alunos da EJA vivem do trabalho, mas no capitalismo atual a pobreza e o desemprego aumentam o tempo todo, ainda mais agora na atual crise do próprio capitalismo. Esse sistema não oferece alternativas de vida digna para esses trabalhadores, pois esse fato não é importante para ele.

Trabalhar com os alunos da EJA, na atual conjuntura é trabalhar com pessoas que segundo essa pesquisa não tem a quantidade de elementos necessários para se ter uma vida digna, mais humana e com melhor qualidade. É uma realidade que exige de nós professores, um trabalho que se organiza e se reorganiza a partir das circunstancias em que as relações vão se materializando, e isso exige uma constante abertura de sistematização dos processos pedagógicos.

Dessa forma, Viero[5] ratifica que um currículo de EJA exige a superação das generalizações abstratas, tratam as alunas e os alunos de forma homogênea, resultando em trabalhos de sala de aula, que tem como base propostas pedagógicas compensatórias para os alunos “ideais”. E assim negando ao aluno a condição de sujeito de direito, a sua subjetividade e alteridade, tratando-os como alguém digno de pena, portando vendo-o com inferioridade.

Reinventar o currículo, no sentido de constituir o trabalho com as áreas de conhecimento, desde o ponto de vista, de um processo pedagógico planejado, para quem cria condições de inverter a situação de divisão social na educação, remete, necessariamente, para a problematização da história que caracteriza os jovens e adultos pouco escolarizados como alguém desprovido de conhecimento e sem muitas capacidades de criação e produção.

Analisando a história da EJA observamos que a relação com o mundo do trabalho não é neutra. Defendo, amparada em Siqueira (2005), Aguiar (2001), Viero (2004) a educação como um processo de permanente ressignificação das práticas sócias. Uma abordagem que problematiza a naturalização das relações capitalistas, fundadas numa concepção produtivista de educação, que visa à produção do lucro e não da vida. E é essa a responsável pelo afastamento de grande parte da população desse direito.

A concepção que defendo trabalha desde o ponto de vista de uma educação que resssignifique o estatuto da esperança no espaço e no tempo em que nos encontramos. Como diz Viero[6]

(...) nesse sentido, o currículo em EJA pode se transformar em campos de experimentações, em que seja possível criar localamente alternativas de educação de jovens e adultos que a especificidade das necessidades voltadas para a produção da vida desse universo de alunos exige. (Viero, 2001)

 

Transformar a sistematização do currículo em experiências que tornam possíveis inúmeras alternativas que representam à gênese de um novo trabalho escolar, capaz de organizar uma nova cultura escolar fundada num processo de participação, produção e socialização do saber, contribuindo de forma significativa para um projeto de desenvolvimento alternativo.

O processo pedagógico de uma escola, organizada para atenderem jovens e adultos, exige um projeto em que as áreas de conhecimentos transitem entre si, de forma interdisciplinar, negando a disciplina, para que o professor e o aluno percebam que o trabalho de sala de aula é especifico daquele projeto de escola.

E para que isso ocorra é necessário que o currículo dessa escola tenha uma forma materializada a partir do diálogo com os conhecimentos que a vida desses alunos exige. Por que se continuarmos trabalhando com estruturas fragmentadas da disciplina onde o professor garante o seu poder, não nos coloca como desafio formar os alunos inseridos de forma critica no contexto atual, isto é, no tempo em que as alunas e alunos vivem.

Aqui há a necessidade de uma formação permanente dos professores como parte integrante do currículo. Pois para organizar projetos para compreender os sujeitos dentro da escola, na relação com o contexto, se coloca como necessário efetivar espaços em que professores em dialogo com alunos possam, a partir dos referenciais teóricos e de suas práticas, estabelecerem trocas com seus pares, organizando coletivamente o trabalho, para garantir a permanência do processo de estudo para compreender a complexa dimensão da vida dos alunos. 

Um elemento fundamental para que essa concepção de currículo aconteça é a pesquisa como parte integrante do processo educativo. Ratifico minha afirmação em Triviños[7] e Viero (2004)[8] porque só assim, esse processo se materializará de forma a relacionar dialeticamente conhecimentos existentes trazidos pelas alunas e alunos – professoras e professores com o conhecimento que se cria no processo pedagógico.

Organizar uma proposta de escola para jovens e adultos trabalhadores remete problematizar a própria escola e reorganizá-la a partir de novos parâmetros que contemple a especificidade dessas pessoas.  Resgatando a humanidade do homem, a concretude do concreto que se organiza e reorganiza numa permanente abertura, resgatar o direito da criatividade da imaginação, inspirando leituras mais próximas do real, tradutora de possibilidades de um futuro diferente para a EJA.

Nesse sentido o currículo para essa escola tem a participação de jovens e adultos trabalhadores que participam como pessoas históricas, porque estão inseridas numa comunidade concreta. Esses têm nomes, apelidos, rostos, histórias de vida, e desenvolverão aptidões circunstanciais em que a formação é um processo dialético de interação do homem com o mundo, que não pressupõe uma imagem ideal previa a ser atingida.

Sabemos que não é fácil colocar em prática alguns desses elementos apontados aqui, porém é uma das possibilidades de pensar e fazer um currículo para essas pessoas desprovidas das necessidades básicas de vida, que estão inseridos numa comunidade e que luta, muitas vezes sem compreender, pelo seu espaço e direito público.

Dessa forma, recriar o currículo para uma escola de EJA, remete derrubar barreiras historicamente, que vai separando a escola da comunidade e buscar recuperar a escola enquanto um espaço inserido no seu contexto, e como um lugar público se encontra vinculada a comunidade em que os alunos tenham poder de decisão na gestão da vida da escola.

Fundamentada em Colao (2005) faço alguns apontamentos que creio ser importante para a sistematização do currículo da EJA. Que a EJA em seu processo educativo consiga proporcionar elementos de compreensão sobre aspectos fundamentais na formação do ser social. Destacamos os aspectos sociais, históricos, econômicos e culturais, não de forma linear, mas tomando como base central o modo de produção capitalista no qual, atualmente, estamos inseridos possibilitando uma análise de certas categorias bases como: trabalho, ideologia, mais-valia, desemprego, trabalho infantil, a partir da realidade econômica de que os alunos já conhecem e vivem.

Como parto de uma concepção de que a educação é permanente, e não uma educação compensatória de EJA, poderia ser trabalhados com os alunos formas de aprender a pensar, partindo de três elementos básicos: a concepção de mundo, vida e ser humano. Isso é filosofia[9].

A questão do esporte na educação, hoje atualmente na escola em estudo a educação física é oferecida aos alunos fora do horário de aula regular, é voluntária. Das 18hr as 18:45 min nas terças e quintas-feiras, porém os alunos já chegam as 19:30min ou mais, atrasados em suas aulas regulares. Isso mostra que o currículo dessa escola não valoriza essa atividade singular na vida desses alunos, e também um conhecimento frágil sobre a especificidade de alunos trabalhadores. Marx sugere que uma educação deve partir da integração entre o ensino e o trabalho, que para ele é o ensino politécnico ou formação omnilateral. E um dos três elementos básicos é a atividade física.

-          Ensino Intelectual - cultura geral;

-          Desenvolvimento Físico - ginástica e esportes;

-          Aprendizagem profissional polivalente / técnico - cientifico.

A Educação Física tem por objetivo sistematizar a educação integral do homem, por meio de atividades físicas de acordo com suas necessidades bio-psico-fisiológicas e sociais. Busca entender o ser humano em todas as suas dimensões e no conjunto de suas relações individuais com os outros e com o mundo. A meu ver, deve ser organizada a partir do conhecimento das ciências físicas, biológicas e humanas.

A Língua Estrangeira nas aulas de EJA deve ser um instrumento de libertação e transformação, assim como a alfabetização deve ser precedido pela leitura de mundo como nos é apresentado por Freire, e é a partir das experiências de vida do aluno que se vai sistematizando a segunda língua. Não esquecendo o aspecto essencial do trabalho a condição de contextualização

Outro ponto a destacar é a questão da Arte na educação. Muitos devem se perguntar qual é a função da arte na EJA no cotidiano do individuo cuja perspectiva é acima de tudo a sobrevivência imediata? Seguindo esta abordagem teórica, todos devem ter acesso ao patrimônio cultural e ao conhecimento sistematizado ao longo do tempo. Por isso deve ampliar o universo cultural do aluno, a sensibilização em relação ao seu meio ambiente e a busca da expressão individual e coletiva que lhe satisfaçam e preparem para a outra busca maior de transformação da sociedade. Mesmo sabendo que a sociedade dominante centraliza a produção e o consumo da arte, não reconhecendo a produção popular. A sensibilização e a livre expressão sem a leitura crítica que avalie a produção, de nada serve.

Esses aspectos que apontamos, são apenas alguns deles, mas que podem proporcionar uma organização e sistematização diferenciada da totalidade concreta do Currículo para jovens e adultos trabalhadores, que vêem na educação uma forma de melhorar e qualificar as suas condições materiais de sobrevivência. A partir desses elementos é possível que haja uma substituição da práxis utilitária cotidiana desses alunos, por uma práxis revolucionaria da humanidade, ou seja, que eles possam ser capazes através do pensamento dialético captar a “coisa em si” e sistematicamente se perguntar como é possível chegar à compreensão da realidade. Pois o mundo que se manifesta ao homem na práxis fetichizada, no tráfico e na manipulaçaõ, não é o mundo real, embora tenha a “consistência” e a “valides’ do mundo real: é “o mundo da aparência”. A representação da coisa não constitui uma qualidade natural da coisa e da realidade: é a projeção, na consciência do sujeito, de determinadas condições históricas e petrificadas.

O que realmente aspiramos é que o currículo para estes trabalhadores venha fundamentado numa práxis revolucionária, que Kosik (1976, p. 18) coloca como a destruição da pseudoconcreticidade como um método dialético crítico, capaz de dissolver o pensamento das criações fetichizadas do mundo reificado e ideal, para alcançar a sua realidade. E esta prática é viável só porque e só na medida em que nós mesmos produzimos a realidade, e na medida em que saibamos que a realidade é produzida por nós.

A destruição da pseudoconcreticidade significa que a verdade não é nem inatingível, nem alcançável de uma vez para sempre, mas que ela se faz, logo, se desenvolve e se realiza. Portanto, a destruição da pseudoconcreticidade se efetua como: 1- Critica Revolucionaria da práxis da humanidade, que coincide com o devenir humano do homem, com o processo de “humanização do homem”, do qual as relações sociais constituem as etapas-chaves. 2- Pensamento Dialético, que sissolve o mundo fetichizado da aparência para atingir a realidade e a “coisa em si”. 3- Realizações da verdade e criação da realidade humana própria, espiritual, como individuo social-historico. Cada um de nós pessoalmente e sem que ninguém possa substitui-lo tem de se formar uma cultura e viver a sua vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

 

COLAO, Magda. A formação do técnico e do tecnólogo no curso de viticultura e enologia do Centro federal de educação Tecnológica de Bento Gonçalves-RS e a educação Profissional. Um estudo de caso. Tese doutoral. UFRGS. Porto Alegre. 2005. p. 324.

 

KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1976. p. 230.

 

MARX, Karl. Contribuição a Crítica da Economia Política. São Paulo, Editora Martins Fontes, 1983, p. 289.

 

MESZAROS, István. A crise Estrutural do Capital. São Paulo: Boitempo. 2009. p. 135.

 

________________. A Educação para além do Capital. São Paulo: Boitempo. 2005. p. 79.

 

SIQUEIRA, Janes. A luta do jovem que trabalha e estuda nas escolas estaduais de Porto Alegre/RS. Um estudo de Caso. Porto Alegre. UFRGS. 2004. Tese de doutorado.

 

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo S.. A| formação do Educador como Pesquisador no Mercosul - Conesul. Porto alegre: Editora da UFRGS.2003.

 

VIERO, Anésia. A Educação dos Professores. Reconstituindo as Dimensões do Trabalho do Educador do Serviço de Educação de Jovens e Adultos de Porto Alegre. Porto alegre. UFRGS. 2001. Dissertação de Mestrado.

 

VIERO, Anésia; Siqueira, Janes Fraga; Viegas, Moacir Fernando. As Políticas Públicas e as Concepções de Educação de Jovens e Adultos no Brasil no contexto da reestruturação capitalista. Reflexão e Ação. V.07, nº 2 (jul/dez) 1999. Santa Cruz do Sul: Editora da UNISC. 2000.

 

 

 



[1] A autora é Mestre em Educação pela UFRGS, professora da Rede Municipal de Porto Alegre e da Rede Estadual do Rio Grande do Sul, pesquisadora da Linha de Pesquisa: Trabalho, Movimentos Sociais e Educação.
[2] Esta concepção de totalidade do materialismo dialético significa: “Realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fator qualquer pode vir a ser racionalmente compreendido.” (KOSIK, 1976,35) 
[3] Segundo Kosik, o mundo da pseudoconcreticidade é constituído pela complexidade dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidencia, penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural. Pertencem a esse mundo, o mundo do trafico e da manipulação, isto é, da práxis fetichizada dos homens ( que não coincide com a práxis revolucionaria da humanidade); o mundo das representações comuns, que são projeções dos fenômenos externos na consciência dos homens, produto da práxis fetichizada, formas ideológicas de seu movimento; mundo dos objetos fixados, que dão a impressão de ser condições naturais e não imediatamente reconhecíveis como resultado da atividade social dos homens. (1976, p. 11)
[4] Viero, Anézia. Currículo em EJA – constituição das áreas de conhecimentos: aspectos teóricos e práticos. 2002. documento digitado.
[5] Ex-coordenadora e atual professora do Centro Municipal de Educação dos trabalhadores Paulo Freire.
[6] Viero, Anézia. Op cit. p. 03.
[7] Triviños, Augusto Nibaldo S.. A| formação do Educador como Pesquisador no Mercosul ? Conesul. Porto alegre: Editora da UFRGS.2003.
[8] Viero, Anézia. Op cit. p. 07
[9] Filosofia como uma atividade humana indispensável, visto que a essência da coisa, a estrutura da realidade,  a “coisa em si”, o ser da coisa, não se manifesta direta e imediatamente. Neste Sentido a filosofia pode ser caracterizada como um esforço sistemático e critico que vida a captar a coisa em si, a estrutura oculta da coisa, a descobrir o modo de ser do existente. (Kosik, 1976, 14)

Nenhum comentário: