terça-feira, 15 de julho de 2014

AS CONTRADIÇÕES NA VIDA E NO TRABALHO DOS ALUNOS DA EJA


 

AS CONTRADIÇÕES NA VIDA E NO TRABALHO DOS ALUNOS DA EJA


 

 

Sonia Ribas de Souza Soares

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

Linha de Pesquisa: Trabalho, Movimentos Sociais e Educação



 

Resumo:

 

Este trabalho apresenta alguns elementos sistematizados que foi retirado da pesquisa de mestrado (2007) sobre as contradições na vida e no trabalho dos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de uma Escola de Ensino Fundamental em Porto Alegre – RS. Foi um estudo de caso, de natureza qualitativa, dialética materialista. Na análise foi possível perceber que as contradições presentes em suas condições de vida e trabalho, bem como o seu significado, são profundas e de difícil superação individual, principalmente, por serem contradições que se fazem presentes num contexto econômico, político e social singular, que determinam as condições materiais de vida das pessoas em geral, e que para sobreviverem tem que ser trabalhadores que vendem a única coisa que ainda lhes restam, sua força de trabalho. E que são usados pelo sistema capitalista, sendo assim, ajudam a manter com suas características mais essenciais, a exploração deste trabalhador para obter mais lucro, e assim, gerar mais mercadorias, gerar mais capital.

 

 


Palavras Chaves: Educação de Jovens e Adultos – Educação - Trabalhador

 

 

 

 

 

AS CONTRADIÇÕES DA VIDA E DO TRABALHO DOS ALUNOS DA EJA


 


 

Este meu trabalho, como qualquer outro, parte de uma realidade concreta, social e particular. Trata da realidade contraditória de vida e trabalho dos alunos egressos, singularizando suas mudanças de vida proporcionadas pelo processo de educação de jovens e Adultos.


 

Na evolução desse trabalho fui aos poucos desvelando o fenômeno através de leituras, análises, de trocas com os colegas do grupo de pesquisa, e das falas das pessoas entrevistadas. A compreensão da totalidade dos fenômenos e suas ligações e relações me encaminharam para o encontro das contradições deste fenômeno material social. Quando falo aqui de totalidade não sigo a visão metafísica que a conceitua como um todo concluído, que não pode ser alterado, no qual as partes estão presentes como realidades fixas e a-históricas. 

 

A totalidade que compreendi, amparada em Kosik, Luckács, Marx e Triviños, a partir do materialismo dialético ressalta aspectos essenciais como: a historicidade e sua constante transformação. E o desvelamento do fenômeno material em estudo se constituiu num primeiro momento quando me “afastei”[1] do fenômeno para relacioná-lo com outros fenômenos e inclusive para descobrir a origem e seu desenvolvimento, mas que logo, com todo o acervo de informações que captei no processo de relações e de desenvolvimento, o fenômeno em estudo, surgiu no espírito, com outras dimensões, muito mais ricas das que inicialmente, apresentava.

 

Este meu concreto sensível aparecia agora como um produto do pensamento, como uma totalidade concreta, ou seja, uma reprodução mental do fenômeno não como ele se oferece numa primeira instância, mas como emerge depois de haver sido relacionado com outros fenômenos econômicos, políticos, culturais, sociais.

 

Marx [2] coloca que a totalidade concreta não é, de maneira nenhuma, dada ao pensamento. E o concreto é concreto, porque é a síntese de diversas determinações, portanto, unidade do múltiplo. 

 

Compreender o fenômeno em sua totalidade a partir das contradições, no caminhar histórico, não em sentido linear, mas na dinâmica da vida material, este, apresentou em seu aspecto prioritário, contradições materializadas na vida desses egressos da EJA, principalmente em suas condições de luta pela sobrevivência, através do trabalho, categoria central deste estudo. Os alunos egressos em seus depoimentos colocam a necessidade do estudo para se manterem no trabalho, para arrumarem emprego, para sobreviverem e terem vida digna. E apontam que a EJA modificou as suas vidas em vários aspectos, menos na condição prioritária, que é o aspecto econômico.

 

Nessas falas foi possível perceber que as contradições presentes em suas condições de vida e trabalho bem como o seu significado, são profundas e de difícil superação individual, principalmente, por serem contradições que se fazem presentes num contexto econômico, político e social especifico, (capitalista), que condicionam as condições materiais de vida das pessoas em geral, de suas famílias, e que para sobreviverem tem que ser trabalhadores que vendem a única coisa que ainda lhes restam, sua força de trabalho.

 

Vejo que essas pessoas são usadas pelo sistema capitalista e que estas, ajudam a manter com suas características mais essenciais a exploração do trabalhador e sua força de trabalho, para obter mais lucro, e assim, gerar mais mercadorias, e gerar mais capital.

 

Como diz Siqueira (2004, p. 274):

 

 (...) o sistema capitalista para se manter precisa de pessoas com pouca formação, precisa da divisão do trabalho em intelectual e manual, da divisão em classes sociais, mesmo que este contexto gere lutas organizadas que conflitue com o sistema. Precisa, também, que o conhecimento sistematizado e elaborado seja sobrepujado pelo conhecimento de massa passado pela mídia. Precisa, portanto, do forte sistema de idéias que o capitalismo passa para as mentes das pessoas, a ponto de não permitir a elas verem com clareza a realidade que as rodeia.

 

Nesse trabalho investiguei as condições de vida e trabalho dos alunos que se formaram no Ensino Supletivo (Atual Ensino Fundamental – EJA) entre 1990 e 1995 e as possibilidades que esse estudo proporcionou a essas pessoas, no processo de luta pela sobrevivência.

 

Apresento agora, dentro deste contexto de estudo os muitos aspectos que constituem as suas condições de vida e trabalho.

 

As pessoas entrevistadas, a grande maioria, são do interior e vieram para Porto Alegre, e grande Porto Alegre, em busca de trabalho, e conseqüentemente melhores condições de vida; o trabalho é a própria sobrevivência; trabalham em péssimas condições, devido a falta de garantias legais como carteira assinada, décimo terceiro, férias...; Todos trabalham muitas horas por dia, chegando a ter dois empregos para poder se manterem; retornaram para a escola para garantir a sua sobrevivência, mas o estudo não possibilitou melhores condições financeiras, ou seja, o tempo que ficaram na escola pouco se tornou uma real possibilidade futura para ajudar a negar sua condição de pobreza; e apesar de muitos não enxergarem esse fato, a escola é vista como uma possibilidade para tal.

 

As falas dos alunos apresentam um conceito de trabalho não como humanizador, mas como algo necessário, vital para poder consumir e se igualar a todos ideologicamente. Por que assim podem comprar suas coisas como roupas, calçados, etc, melhorar sua vida em família. A grande maioria, não possui direitos trabalhistas e por viverem do trabalho informal se submete a qualquer tipo de trabalho.

 

A maioria busca o lazer em atividades próximas de sua casa devida à falta de condições financeiras. Diverte-se nas festas de religião, no jogo de futebol do bairro, nas festas de samba, pagode e nos cultos de finais de semanas, uma das alegrias deles, agradecer a Deus o trabalho e a vida que tem, apesar de toda dor e cansaço dessa luta. Pois para eles é na igreja que encontram forças para agüentar a batalha do dia-a-dia.

 

Para eles a escola e o estudo são tudo, é fundamental, é uma possibilidade de melhorar suas condições de vida futura; os ajudou muito a mudaram a sua vida nos aspectos de aprenderem a se relacionar melhor com as pessoas, isso pra eles é um dos dados mais importantes.

 

Nesse estudo, a escola aparece como uma instituição submetida à lógica do mercado e ainda silenciam as causas da exploração em que essas pessoas são submetidas. Sendo que, essas pessoas retornaram a escola depois de muitos anos, justamente porque, o próprio trabalho, os afastou da escola.

 

Vejo que as profundas contradições do sistema capitalista determinam à escola, e o conhecimento, por ela produzida, sejam de classe. E o trabalho também segue essa mesma conjuntura, formando uma grande reserva de mão-de-obra.

 

A escola pública destinada à classe popular tinha que fortalecer essa classe, mas hoje a vemos fortalecer os princípios capitalistas se enquadrando nos moldes de mercado e consumo. O que queremos é uma escola que dê possibilidades aos alunos para que estes possam analisar sua realidade, contextualizando e fazendo relações com os elementos que determinam a organização de nossa sociedade, como o aspecto social, político e o econômico. A escola é uma instituição onde se circula o conhecimento sistematizado e organiza outros, dessa forma a escola politicamente não é neutra.

 

Por isso a necessidade de um currículo que contemple a singularidade do aluno, que aqui luto por um currículo de EJA, na qual a escola e seus alunos possam lutar por melhores condições de vida e trabalho. Para isso o currículo deve ser aberto, organizado e reorganizado com base na realidade dos alunos na qual possa dar possibilidades para que estes compreendam as questões do mundo do trabalho versus o mercado de trabalho e as relações sociais que se dão nesse modo de produção capitalista, mas que não é eterno, e por isso possível de mudança. Eis a nossa esperança!

 

 

 

Referências Bibliográfica

 

Colao, Magda. A formação do técnico e do tecnólogo no curso de viticultura e enologia do Centro federal de educação Tecnológica de Bento Gonçalves-RS e a educação Profissional. Um estudo de caso. Tese doutoral. UFRGS. Porto Alegre. 2005. p. 324.

 

Marx, Karl. Contribuição a Crítica da Economia Política. São Paulo, Editora Martins Fontes, 1983, p. 289

 

Siqueira, Janes. A luta do jovem que trabalha e estuda nas escolas estaduais de Porto Alegre/RS. Um estudo de Caso. Porto Alegre. UFRGS. 2004. Tese de doutorado.

 

Triviños, Augusto Nibaldo S.. A| formação do Educador como Pesquisador no Mercosul - Conesul. Porto alegre: Editora da UFRGS.2003.

 

Viero, Anésia. A Educação dos Professores. Reconstituindo as Dimensões do Trabalho do Educador do Serviço de Educação de Jovens e Adultos de Porto Alegre. Porto alegre. UFRGS. 2001. Dissertação de Mestrado.

 

Viero, Anésia; Siqueira, Janes Fraga; Viegas, Moacir Fernando. As Políticas Públicas e as Concepções de Educação de Jovens e Adultos no Brasil no contexto da reestruturação capitalista. Reflexão e Ação. V.07, nº 2 (jul/dez) 1999. Santa Cruz do Sul: Editora da UNISC. 2000.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Esta concepção de totalidade do materialismo dialético baseia-se na relação dialética do todo com as partes, no sentido que um fenômeno só abstratamente, pode ser isolado e explicado em si mesmo, alheio às circunstâncias que o produziram ou nas quais está inserido.
 
[2] Marx, Karl. Contribuição a Crítica da Economia Política. São Paulo, Editora Martins Fontes, 1983, p. 289

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