AS CONTRADIÇÕES NA VIDA E NO TRABALHO DOS ALUNOS DA EJA
Sonia Ribas
de Souza Soares
Universidade
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
Linha de
Pesquisa: Trabalho, Movimentos Sociais e Educação
Email: soniaribassoares@hotmail.com
Resumo:
Este trabalho
apresenta alguns elementos sistematizados que foi retirado da pesquisa de
mestrado (2007) sobre as contradições na vida e no trabalho dos alunos da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) de uma Escola de Ensino Fundamental em Porto
Alegre – RS. Foi um estudo de caso, de natureza qualitativa, dialética
materialista. Na análise foi possível perceber que as contradições presentes em
suas condições de vida e trabalho, bem como o seu significado, são profundas e
de difícil superação individual, principalmente, por serem contradições que se
fazem presentes num contexto econômico, político e social singular, que
determinam as condições materiais de vida das pessoas em geral, e que para
sobreviverem tem que ser trabalhadores que vendem a única coisa que ainda lhes
restam, sua força de trabalho. E que são usados pelo sistema capitalista, sendo
assim, ajudam a manter com suas características mais essenciais, a exploração
deste trabalhador para obter mais lucro, e assim, gerar mais mercadorias, gerar
mais capital.
Palavras Chaves: Educação de Jovens e Adultos –
Educação - Trabalhador
AS CONTRADIÇÕES DA
VIDA E DO TRABALHO DOS ALUNOS DA EJA
Este meu trabalho, como qualquer outro, parte de uma
realidade concreta, social e particular. Trata da realidade contraditória de
vida e trabalho dos alunos egressos, singularizando suas mudanças de vida
proporcionadas pelo processo de educação de jovens e Adultos.
Na evolução desse trabalho fui aos poucos desvelando o
fenômeno através de leituras, análises, de trocas com os colegas do grupo de
pesquisa, e das falas das pessoas entrevistadas. A compreensão da totalidade
dos fenômenos e suas ligações e relações me encaminharam para o encontro das
contradições deste fenômeno material social. Quando falo aqui de totalidade não
sigo a visão metafísica que a conceitua como um todo concluído, que não pode
ser alterado, no qual as partes estão presentes como realidades fixas e
a-históricas.
A totalidade que
compreendi, amparada em Kosik, Luckács, Marx e Triviños, a partir do
materialismo dialético ressalta aspectos essenciais como: a historicidade e sua
constante transformação. E o desvelamento do fenômeno material em estudo se
constituiu num primeiro momento quando me “afastei”[1] do
fenômeno para relacioná-lo com outros fenômenos e inclusive para descobrir a
origem e seu desenvolvimento, mas que logo, com todo o acervo de informações
que captei no processo de relações e de desenvolvimento, o fenômeno em estudo,
surgiu no espírito, com outras dimensões, muito mais ricas das que
inicialmente, apresentava.
Este meu
concreto sensível aparecia agora como um produto do pensamento, como uma
totalidade concreta, ou seja, uma reprodução mental do fenômeno não como ele se
oferece numa primeira instância, mas como emerge depois de haver sido
relacionado com outros fenômenos econômicos, políticos, culturais, sociais.
Marx [2]
coloca que a totalidade concreta não é, de maneira nenhuma, dada ao pensamento.
E o concreto é concreto, porque é a síntese de diversas determinações,
portanto, unidade do múltiplo.
Compreender o
fenômeno em sua totalidade a partir das contradições, no caminhar histórico,
não em sentido linear, mas na dinâmica da vida material, este, apresentou em
seu aspecto prioritário, contradições materializadas na vida desses egressos da
EJA, principalmente em suas condições de luta pela sobrevivência, através do
trabalho, categoria central deste estudo. Os alunos egressos em seus
depoimentos colocam a necessidade do estudo para se manterem no trabalho, para
arrumarem emprego, para sobreviverem e terem vida digna. E apontam que a EJA
modificou as suas vidas em vários aspectos, menos na condição prioritária, que
é o aspecto econômico.
Nessas falas foi
possível perceber que as contradições presentes em suas condições de vida e
trabalho bem como o seu significado, são profundas e de difícil superação
individual, principalmente, por serem contradições que se fazem presentes num
contexto econômico, político e social especifico, (capitalista), que condicionam
as condições materiais de vida das pessoas em geral, de suas famílias, e que
para sobreviverem tem que ser trabalhadores que vendem a única coisa que ainda
lhes restam, sua força de trabalho.
Vejo que essas
pessoas são usadas pelo sistema capitalista e que estas, ajudam a manter com
suas características mais essenciais a exploração do trabalhador e sua força de
trabalho, para obter mais lucro, e assim, gerar mais mercadorias, e gerar mais
capital.
Como diz
Siqueira (2004, p. 274):
(...) o sistema
capitalista para se manter precisa de pessoas com pouca formação, precisa da
divisão do trabalho em intelectual e manual, da divisão em classes sociais,
mesmo que este contexto gere lutas organizadas que conflitue com o sistema.
Precisa, também, que o conhecimento sistematizado e elaborado seja sobrepujado
pelo conhecimento de massa passado pela mídia. Precisa, portanto, do forte
sistema de idéias que o capitalismo passa para as mentes das pessoas, a ponto
de não permitir a elas verem com clareza a realidade que as rodeia.
Nesse trabalho
investiguei as condições de vida e trabalho dos alunos que se formaram no
Ensino Supletivo (Atual Ensino Fundamental – EJA) entre 1990 e 1995 e as
possibilidades que esse estudo proporcionou a essas pessoas, no processo de
luta pela sobrevivência.
Apresento agora,
dentro deste contexto de estudo os muitos aspectos que constituem as suas
condições de vida e trabalho.
As pessoas
entrevistadas, a grande maioria, são do interior e vieram para Porto Alegre, e
grande Porto Alegre, em busca de trabalho, e conseqüentemente melhores
condições de vida; o trabalho é a própria sobrevivência; trabalham em péssimas
condições, devido a falta de garantias legais como carteira assinada, décimo
terceiro, férias...; Todos trabalham muitas horas por dia, chegando a ter dois
empregos para poder se manterem; retornaram para a escola para garantir a sua
sobrevivência, mas o estudo não possibilitou melhores condições financeiras, ou
seja, o tempo que ficaram na escola pouco se tornou uma real possibilidade
futura para ajudar a negar sua condição de pobreza; e apesar de muitos não
enxergarem esse fato, a escola é vista como uma possibilidade para tal.
As falas dos
alunos apresentam um conceito de trabalho não como humanizador, mas como algo
necessário, vital para poder consumir e se igualar a todos ideologicamente. Por
que assim podem comprar suas coisas como roupas, calçados, etc, melhorar sua
vida em família. A grande maioria, não possui direitos trabalhistas e por
viverem do trabalho informal se submete a qualquer tipo de trabalho.
A maioria busca
o lazer em atividades próximas de sua casa devida à falta de condições
financeiras. Diverte-se nas festas de religião, no jogo de futebol do bairro,
nas festas de samba, pagode e nos cultos de finais de semanas, uma das alegrias
deles, agradecer a Deus o trabalho e a vida que tem, apesar de toda dor e
cansaço dessa luta. Pois para eles é na igreja que encontram forças para
agüentar a batalha do dia-a-dia.
Para eles a escola e o estudo são tudo, é fundamental, é
uma possibilidade de melhorar suas condições de vida futura; os ajudou muito a
mudaram a sua vida nos aspectos de aprenderem a se relacionar melhor com as
pessoas, isso pra eles é um dos dados mais importantes.
Nesse estudo, a
escola aparece como uma instituição submetida à lógica do mercado e ainda
silenciam as causas da exploração em que essas pessoas são submetidas. Sendo
que, essas pessoas retornaram a escola depois de muitos anos, justamente
porque, o próprio trabalho, os afastou da escola.
Vejo que as
profundas contradições do sistema capitalista determinam à escola, e o conhecimento,
por ela produzida, sejam de classe. E o trabalho também segue essa mesma
conjuntura, formando uma grande reserva de mão-de-obra.
A escola pública
destinada à classe popular tinha que fortalecer essa classe, mas hoje a vemos
fortalecer os princípios capitalistas se enquadrando nos moldes de mercado e
consumo. O que queremos é uma escola que dê possibilidades aos alunos para que
estes possam analisar sua realidade, contextualizando e fazendo relações com os
elementos que determinam a organização de nossa sociedade, como o aspecto
social, político e o econômico. A escola é uma instituição onde se circula o
conhecimento sistematizado e organiza outros, dessa forma a escola
politicamente não é neutra.
Por isso a
necessidade de um currículo que contemple a singularidade do aluno, que aqui
luto por um currículo de EJA, na qual a escola e seus alunos possam lutar por
melhores condições de vida e trabalho. Para isso o currículo deve ser aberto,
organizado e reorganizado com base na realidade dos alunos na qual possa dar
possibilidades para que estes compreendam as questões do mundo do trabalho
versus o mercado de trabalho e as relações sociais que se dão nesse modo de
produção capitalista, mas que não é eterno, e por isso possível de mudança. Eis
a nossa esperança!
Referências Bibliográfica
Colao, Magda. A formação do técnico e do tecnólogo no curso de
viticultura e enologia do Centro federal de educação Tecnológica de Bento
Gonçalves-RS e a educação Profissional. Um estudo de caso. Tese doutoral.
UFRGS. Porto Alegre. 2005. p. 324.
Marx, Karl. Contribuição a Crítica da Economia Política. São
Paulo, Editora Martins Fontes, 1983, p. 289
Siqueira, Janes. A luta do jovem que trabalha e estuda nas escolas
estaduais de Porto Alegre/RS. Um estudo de Caso. Porto Alegre.
UFRGS. 2004. Tese de doutorado.
Triviños, Augusto Nibaldo S.. A| formação do Educador como Pesquisador
no Mercosul - Conesul. Porto alegre: Editora da UFRGS.2003.
Viero, Anésia. A Educação dos Professores. Reconstituindo as
Dimensões do Trabalho do Educador do Serviço de Educação de Jovens e Adultos de
Porto Alegre. Porto alegre. UFRGS. 2001. Dissertação de Mestrado.
Viero, Anésia; Siqueira, Janes Fraga; Viegas, Moacir Fernando. As
Políticas Públicas e as Concepções de Educação de Jovens e Adultos no Brasil no
contexto da reestruturação capitalista. Reflexão e Ação. V.07, nº 2
(jul/dez) 1999. Santa Cruz do Sul: Editora da UNISC. 2000.
[1] Esta concepção de totalidade do materialismo dialético
baseia-se na relação dialética do todo com as partes, no sentido que um
fenômeno só abstratamente, pode ser isolado e explicado em si mesmo, alheio às
circunstâncias que o produziram ou nas quais está inserido.
[2]
Marx, Karl. Contribuição a Crítica da Economia Política. São Paulo,
Editora Martins Fontes, 1983, p. 289
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