terça-feira, 15 de julho de 2014

A DIALÉTICA DO TRABALHO HUMANO E DO TRABALHO ALIENADO


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

PPGEDU

Artigo Carta X Carta Artigo

Professora: Carmem Lucia Bezerra Machado

Aluna: Sonia Ribas de Souza Soares

 

A DIALÉTICA DO TRABALHO HUMANO E DO TRABALHO ALIENADO

 

 

Temos de confessar que nosso trabalhador sai do processo de produção de maneira diferente daquela em que nele entrou. [...] O contrato pelo qual vendeu sua força de trabalho ao capitalista demonstra, por assim, dizer, preto no branco, que ele dispõe livremente de si mesmo. Concluído o negócio, descobre-se que ele não é nenhum agente livre, que o tempo em que está livre para vender sua força de trabalho é o tempo em que é forçado a vendê-la e que seu vampiro não o solta “enquanto houver um músculo, um nervo, uma gota de sangue a explorar”(Marx, 2004,346)

 

Foi escrevendo esta carta artigo que me encontrei com o livro Correspondências de Fiór Dostoievski, escritor russo, do século 19, um ser humano que se entregou a literatura de corpo e consciência, escreveu cartas, novelas, contos, poesias, criticas, ... foi um pensador, artista, visionário, preocupado com seu povo, ainda que inseguro, humano, vulnerável, apaixonado, com duvidas, esperanças e receio em relação ao seu trabalho. Seu talento mostra a capacidade de observador da vida humana, apesar de vivenciar e perceber uma vida de duras experiências. Dostoievski viveu 10 anos na Academia Militar de Engenharia de São Petersburgo escreveu por quase toda a sua vida para saldar dívidas, liquidar empréstimos, pagar contas e sobreviver. Numa de suas cartas ao irmão Mikhail, que tanto amava, dizia para não se preocupar que encontraria uma maneira de se sustentar.

Então, foi com a leitura deste pensador russo, na qual sua vida vislumbrava os traçados do destino de todos os homens, priorizando o  trabalho como uma das formas de sobrevivência, que me inspirei para correlacionar as discussões sobre o trabalho, sua origem e o sentido do mesmo, compreendendo nas fontes  teóricas de Marx, Gramsci e os clássicos, durante o seminário e no processo  de organização  inicial  da tese. 

Ao estudar a Prática Social dos Trabalhadores, e de forma particular, os Trabalhadores em Educação da EJA, implica compreender que o trabalho ocupa centralidade em nosso estudo. Isto se materializa quando Marx, já nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos (1979), coloca o “trabalho” e o papel que ele desempenha na organização da mulher, do homem e da sociedade. O Trabalho é visto como a “essência da mulher e do homem” e, ao mesmo tempo, como “trabalho alienado”.

Ao analisar que o trabalho concreto é o trabalho alienado, Marx conclui que a essência da mulher e do homem está divorciada de sua existência, e, embora tenha estudado particularmente a sociedade burguesa, ele demonstra que historicamente, dada a debilidade da mulher e do homem diante da natureza, nunca houve trabalho que não fosse alienação. Propõe, então, que a essência humana seja concebida como trabalho criador, em que a mulher e o homem se reconheça em seus produtos, em sua própria atividade e nas relações que estabelece com os outros, o que será possível por ocasião da superação do modo de produção capitalista.

Muitas vezes temos escrito a palavra Trabalho. Inclusive, dizemos que existe um Trabalho para os ricos e um Trabalho para os pobres, que existem um Trabalho intelectual e um Trabalho manual. Muitos reconhecem em muitos lugares que o Trabalho manual é de natureza inferior e que só é digno o Trabalho intelectual. Mas busco a raiz escondida da palavra Trabalho. “Trabalhar” tem sua origem etimológica no vocábulo latino. (Machado, 1959, v2, p. 1790), “tripaliare”, que significa “torturar” com o “tripaliu”, este de “tripalis” derivado de três-palus, pois aquele instrumento de tortura, o “tripaliu”, era formado por três paus. Desta maneira, trabalhar é ser torturado. Mas quem eram os torturados? Os escravos e os pobres que não podiam pagar impostos. Esta ideia de trabalhar como ser torturado foi de uso comum na antiguidade e com este significado atravessou quase toda a Idade Média. Só no séc. XIV começou a ter a acepção que hoje se reconhece.

Segundo Triviños (1984, p. 51), para milhões de seres humanos, neste momento, “trabalhar” é ser torturado. Por quê? Fala-se da maldição que expulsou ao homem do Paraíso. O Gênesis diz: “Por ti será maldita a terra.” “Com trabalho comerás dela todo o tempo de sua vida.” “E comerás das ervas dos campos.” “Com o suor de teu rosto, comerás o pão.” Podemos derivar desta maldição as diferenças que existem entre os homens em relação ao trabalho? Sem dúvida, não. Esta sentença é para todos os descendentes de Adão e Eva. Não se fala nem de pobres e nem de ricos, nem de trabalho manual e nem de trabalho intelectual. Mas, os homens rapidamente puderam observar que alguns não precisaram de seu suor, senão do suor dos outros, para comer o pão. Alguns seres humanos começaram a viver melhor que no Paraíso, porque ao não trabalhar, não eram “torturados”. Lá no Paraíso, havia serviço que cumprir. O Gênesis afirma: “E tomou Deus ao homem e lhe colocou no Jardim do Éden para que cultivasse e o guardasse”. Não estava ocioso Adão no Paraíso. Poder-se-ia concluir que Deus concebeu a Adão como homo “faber”, e assim o trabalho manual seria privilegiado. E maior seria o erro humano ao tornar desprezível o trabalho físico. Mas também não existe qualquer apoio para uma conclusão desta natureza, no Gênesis. Porque cultivar significa criar, isto é, pensar.

Seguindo o raciocínio do autor”, Adão era um homem ocupado no Éden. “A maldição que expulsou ao homem do Paraíso não o puniu com o trabalho, apenas tornou o trabalho mais árduo”. Assim, o ser humano trabalhou sempre, inclusive no Paraíso. E Deus não disse que alguns deveriam trabalhar e outros aproveitar-se de seus esforços. Deus falou para todos os seres humanos. Não estabeleceu categorias.

Segundo a Wood (2004) o princípio básico da política da teoria do conhecimento de Platão está na divisão entre os que governam e os que trabalham com o corpo, entre os que governam e são alimentados e os que produzem o alimento e são governados. A autora destaca que, em Platão, fica evidente o desprezo pelo trabalho e pelas capacidades moral e política dos que são tolhidos pela necessidade material de trabalhar para viver, decorrendo no princípio do conhecimento filosófico como virtude, aquele que se adquire por meio de um acesso privilegiado a verdades mais altas, universais e absolutas.

Em Aristóteles (1977, 26) o desgaste físico provocado pelo trabalho e a subordinação as suas atividades rotineiras para a sobrevivência embrutecem e subtraem à liberdade de pensar. Não só o trabalho escravo, mas todos os tipos de trabalho: os decorrentes do comércio, os inferiores ou aqueles que sujam mãos e rostos, os mais servis, estes não exigem qualquer espécie de virtude, porque seus espíritos estão subordinados às atividades e às atividades desenvolvidas pelo corpo, não estando, portanto, liberto ao pensamento. Por isto os trabalhadores devem sustentar as condições de produção da ciência, que permitem as classes proprietárias e dirigentes o tempo livre necessário à produção filosófica e à atuação política.

Para os trabalhadores não é necessária formação política, por isto podem estar fora dos ambientes onde se produzem conhecimento e política. A formação daqueles que trabalham (camponeses, artesãos, escravos, comerciantes, soldados) faz-se no próprio trabalho, iniciando-se na família, e a educação desses trabalhadores não se torna necessária, pois basta aprender apenas um ofício.

No mundo feudal, o trabalho continua a ser o divisor dos estamentos sob os quais se organiza uma sociedade entre senhores (nobres e clero) e servos (camponeses). E a educação e o processo educativo conservam a essência na formação no processo de trabalho (formação do aprendiz junto ao mestre-artesão, formação do camponês junto a família), mas o exercício de pensar necessário a formação do clero e da nobreza se dá nas escolas monásticas e catedrais.

O rompimento das estruturas sociais dos estamentos materializada no movimento de constituição da classe burguesa (artesãos e comerciantes) e do modo capitalista de produção, no séc. XV e XVI, expressa-se na nova forma de divisão do trabalho, pois o trabalho exige do homem cada vez menos habilidade nas mãos e cada vez mais livre disponibilidade do corpo, configurando o trabalhador manufatureiro e industrial. (NOSELLA, 1995, p.31). Aqui, continua de forma mais complexa, a formação e a necessidade de produções exclusivas, e perdurará até o século XVIII. O próprio Marx (1985, p. 550) ressalta que é na manufatura onde o produtor fica subordinado a um ramo de produção exclusivo, visto que neste momento decompõe a multiplicidade primitiva de ocupações. E a divisão manufatureira do trabalho dentro da oficina constitui o fundamento geral da produção social.

O séc. XVII foi mais severo que o anterior. O Cardeal Richelieu disse que “as letras não deviam ser ensinadas a todos”. A própria lei dos pobres, na Inglaterra, promulgada para combater a pobreza e o desemprego propiciava a criação de oficinas para que trabalhassem os pobres e seus filhos, realizando a aprendizagem de um oficio. E o próprio Condorcet no séc. XVIII pensava que o povo, para defender-se da miséria, deveria aprender ofícios. (TRIVIÑOS, 1984, 51)

O movimento histórico mostra que durante o séc. XIX, a situação, com o desenvolvimento industrial, foi o pior para a classe denominada pobre. Seguindo os precedentes estabelecidos pela lei inglesa de 1646, de cuidadosa preparação de elementos para o trabalho nas fábricas, as colônias norte-americanas elaboraram planos de aprendizagem de ofícios para as camadas populares que somente tendiam a fornecer a mão-de-obra eficiente para o desenvolvimento econômico em que, meados do século passado, começa a apresentar-se como força no país do norte. Esta tendência continuou no século XX, onde não é de se estranhar que a Constituição do Brasil de 1937 estabeleceu em seu artigo nº129 que o ensino pré-vocacional e profissional, destinado às classes menos favorecidas, deva ser em matéria de educação, o primeiro dever do estado.

Marx (1985, p.557) ressalta que a indústria moderna capitalista transformou, através da divisão monstruosa do trabalho, o trabalhador no acessório consciente de uma maquina, e fora da fábrica, por toda a parte, utilizou-se do trabalho das mulheres e das crianças (exploração infantil).

Na indústria moderna, o trabalho assume a forma de trabalho penoso (etmologia “labor” – latim significa penoso), dobrar-se sob o peso de uma carga. Surge que a “liberdade” burguesa coloque o trabalhador no mercado de trabalho onde o mesmo pode dispor de sua força, de seu corpo, como sua propriedade inalienável e “livremente” comercializá-la com o capital em troca de salário. Só que no capitalismo o salário do operário, segundo Marx (1985, 201) responde apenas e minimamente pela sua necessidade de reproduzir-se, enquanto operário, pois o trabalhador não produz para si, mas para o capital. Por isto não é suficiente que ele apenas produza. Ele tem que produzir mais-valia. Só é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista.

Wood (2004, 173) enfatiza que o trabalho livre, sob a forma de trabalho assalariado, ao tornar-se dominante do capitalismo moderno, polariza cada vez mais as relações do poder do capitalista de se apropriar da mais valia dos trabalhadores, pois eles como despossuidores de propriedade, os obrigam a trocar a força de trabalho por salário. Esta relação expressa-se em uma ordem social que possibilita a coexistência da desigualdade e a exploração socioeconômica com a liberdade e igualdade cívica.

Diante desta relação, neste século, não se vê mudanças significativas, da época em que homens e mulheres, com seus filhos, viúvas e órfãos, perambulam em busca de trabalho e sobrevivência. Antes no século XIX, época do desenvolvimento industrial, estes trabalhadores eram presos, por não terem trabalhos, agora os trabalhadores, só não são recolhidos, mas continuam sendo atirados nas ruas, becos e vilas.

Exemplo desta afirmação materializa na vivencia dos povos que passam fome e vivem em estado de pobreza. No Jornal Correio do Povo de 12/10/2010, coloca que a pobreza, os conflitos e a instabilidade política são apontados como os principais fatores para um bilhão de pessoas com fome no mundo, a maioria crianças da África e da Ásia. Os dados estão no relatório do Índice Global de Fome, divulgado dia 11/10/2010. Dos 122 países incluídos no estudo, 25 tem níveis considerados “alarmantes” de fome e quatro nações da África registram números “extremamente alarmantes”, destaca o relatório de Pesquisas de Políticas de alimentação da Concern Worldwide e do Welthungerhilfe. A República Democrática do Congo é o país em pior situação, com 75% da população subalimentada e com uma das maiores taxas de mortalidade infantil do mundo, com exceção do Haiti e do Iêmen, todos os países que registram níveis “alarmantes” de fome se localizam na África subsaariana e na Ásia. A Coreia do Norte foi uma das nove nações nas quais o índice aumentou de 16,2 pontos em 1990 para 19,4 pontos em 2010. 

Neste sentido, o trabalhador, na realidade significa estar subordinado às determinações das relações capitalistas, na versão contemporânea, em que o desemprego é estrutural, de forma que se multiplica o contingente de pessoas que estão fora do mundo do trabalho “formal”, gerando uma classe de desempregados obrigados a realizarem trabalhos precarizados.

É uma materialidade da classe trabalhadora, e como resultado, se proliferam formas de sobrevivência que por um lado, intensificam a exploração das trabalhadoras e trabalhadores, e por outro, aprofunda as contradições colocadas por essa realidade, que resultam em experiências que sugerem outras formas de trabalho capaz de apontar para experiências alternativas às relações capitalistas.

Desse ponto de vista, estudar sobre os trabalhadores da EJA e pesquisar os trabalhadores em educação é lidar com seres humanos desprovidos dos direitos sociais básicos necessários para viver na sociedade atual.

Na dissertação de Mestrado (2007) quando trabalhei com os elementos que constituem o trabalho, mostrei, claramente, que suas vidas se resumiam exclusivamente ao trabalho, ou seja, “sem trabalho não são nada”, e por isso vão e voltam em busca do trabalho, onde lhes ofertam, como uma forma de melhorar as condições de vida, ou até mesmo para poder sobreviver. Veja o que disse um dos trabalhadores entrevistados sobre o seu trabalho:

É a minha sobrevivência, porque sem trabalho a gente nem come..não vive... Já fiquei desempregado a uns 20 anos atrás, antes de ser contratado nesse trabalho, e essa experiência é muito triste...apaga a gente...lembro, que minha mulher nos sustentou um bom tempo...eu me sentia o pior porque imagina um pai de família que não consegue trazer o alimento pros filhos... e naquela época as crianças eram pequenas...que desespero.... Áh, o  trabalho...eu o amo.... é uma realização pra mim acordar de manhã, pegar o ônibus e ir pro serviço....e também eu rezo muito pelos pais que estão desempregados.... Pra dizer a verdade, tu só é o que é, graças ao trabalho. (E3)

Trabalho pra mim traz tudo...né, sem trabalho a gente não sobrevive...a gente precisa trabalhar para desenvolver...é necessário trabalhar a gente se sente bem na vida porque sem ele tu não faz nada (E3)

Sabemos que o verdadeiro sentido do trabalho, que é a mediação essencial entre o homem e a natureza, nos dá dignidade, humanidade e felicidade social, sendo assim, vital o mundo do trabalho. Mas o atual sentido do trabalho no modo de produção capitalista, se converteu num esforço penoso, como já aprisionando os indivíduos e uniteralizando-os. Porque essa forma de trabalho de hoje explora, aliena e infelicita o ser social.

Na história da humanidade nem sempre o trabalho foi de exploração. Nas sociedades antigas, o homem trabalhava para a sua subsistência e com instrumentos de trabalho primitivos. Nas sociedades primitivas e pré-industriais, os homens detinham o controle sobre o seu processo de trabalho, bem como decidiam sobre sua duração e a intensidade. Eram donos de seu tempo.

A alienação do trabalho começou com as formas primitivas de apropriação por outro do trabalho excedente, com a aparição do trabalho forçado; mas sua verdadeira história é recente, é a do surgimento do trabalho assalariado e, sua evolução, a do processo de produção capitalista (ENGUITA, p. 1989) . O produzir da atividade humana transformado em trabalho alienado é um resultado histórico devido à divisão originária do trabalho e da propriedade privada. Sendo assim o trabalho alienado é o efeito da divisão do trabalho.

Para compreender a questão da alienação busquei nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de Marx, com o auxílio da análise de Florestan Fernandes (1989, p.146),  no qual Marx trabalha neste texto as quatro formas do trabalho alienado, enfatizando que parte dos pressupostos da Economia Política, aceita suas linguagens e leis, mas o seu ponto de partida é um fato econômico-político, presente:

“O trabalhador se torna tão mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz só mercadorias; produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na proporção em que produz mercadorias em geral.” (MARX, 1989, 148)

A 1ª forma do trabalho alienado está presente na relação do trabalhador com os produtos do seu trabalho, ou seja, o objeto que o trabalhador produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser alheio, como um poder independente do produtor. O produto do trabalhador é o trabalho que se fixou num objeto, se fez “coisal”, é a objetivação do trabalho. Segundo Calvez (1959, p.253) “O operário é alienado antes de tudo em relação ao seu produto. Este lhe escapa, tão logo é criado; o operário é desapropriado”.

A 2ª alienação do trabalho se dá na relação do trabalho com o ato da produção dentro do trabalho, ou seja dentro da atividade produtiva mesmo. Segundo Marx (1989) é a própria exteriorização da atividade do trabalhador, significa que seu trabalho é forçado, é um meio para satisfazer necessidade fora dele. É um trabalho auto-sacrifício, de mortificação. Sua perda é a perda de si mesmo, porque não te pertence. Calvez (1959, p.255) coloca que esta 2ª alienação “o operário não é menos alienado no ato mesmo da produção do que no seu resultado”.

A 3ª forma de alienação do trabalho mostra que o “trabalho alienado faz do ser genérico do homem, tanto da natureza quanto da faculdade genérica espiritual dele, um ser alheio a ele, um meio da sua existência individual. Aliena do homem o seu próprio corpo, tal como a natureza fora dele, tal como a sua essência espiritual, a sua essência humana” (MARX, 1989, p.158). Resumindo, o homem é um ser genético e está inserido na natureza e também é natureza. Mas no processo de produção capitalista o homem se anula enquanto natureza, e enquanto produto de trabalho, pois ele passa a viver como alguém que usa e abusa com os meios de produção, matéria prima, energia, etc. Calvez coloca:

“No fundo da alienação do produto, isto é, da alienação do homem em relação ao seu produto, há uma alienação do homem em relação a natureza. A natureza toda inteira assume diante do homem a figura inimiga. (...) Quando o seu produto lhe é tirado, é a natureza toda inteira que deixa de ser sua. (...) Para ele, a natureza não é mais que meio de subsistência, meio de existência (lebensmittel), como ela é para o animal. Ele não se realiza mais nela, ele não a reproduz mais verdadeiramente de maneira humana.” (CALVEZ, 1956, 257)        

A 4ª forma alienação do trabalho se dá na relação do fato de o homem estar alienado do produto de seu trabalho, da sua atividade vital, do seu ser genérico, é o homem estar alienado do homem. Pois todas as suas produções não lhe pertencem e sim a outros. Segundo Calvez (1956, 258) “dizer que o homem esta alienado em relação à espécie, é dizer também, (...) que ele esta alienado em relação à sociedade, portanto em relação ao outro homem.”

Em síntese Marx coloca que a alienação se dá na medida em que se torna um meio, meramente de necessidade, para sobreviver. E é na Propriedade Privada (PP) que se tem a origem do trabalho alienado. No 1º momento aparece a PP como causa da alienação, depois fica claro, 1º a divisão de meios de produção e trabalho, para trabalhar para outro, e neste processo que se desenvolve a PP. Um fato fundamental que produz a alienação é a separação dos meios de produção do trabalhador. Pois se não tiver trabalho alienado, não tem como ter lucro, no fundo a PP é a sistematização do processo capitalista de produção. 

O trabalho sob a produção capitalista traz em si a impossibilidade de suplantação do estranhamento humano, uma vez que seu controle é determinado pela necessidade da reprodução privada que se apropria do trabalho alheio. O trabalho, então, não é orientado por aquilo que poderia considerar a necessidade humana, ancorada na reprodução social liberta da posse privatizada. A função de mediador universal do trabalho tem continuidade, mas ele se submete às exigências da troca capitalista, da divisão do trabalho sob a orientação da propriedade privada.

Marx descobriu e denunciou esse caráter contraditório do trabalho. Ele acusou a economia política nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844 de ocultar a alienação que está na essência do trabalho. Porque para ele o trabalho é historicamente determinado, sendo historicamente determinado, é a única forma de trabalho existente.

“Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participa o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza.” (Marx, 1982, p. 202) 

 

Segundo Manacorda, (1986) o trabalho e sua natureza contraditória estiveram ininterruptamente no centro do pensamento de Marx, desde 1844 até 1867, quando publicou o primeiro volume de “O Capital”. Na evolução de seus estudos, Marx chegou a uma visão antropológica de trabalho e ontológica (Meszáros). Essa visão traz a idéia de trabalho como transformação da natureza pelo homem, a humanização dessa natureza e a comunhão entre os homens.

Um modo de produção capitalista é sempre uma especificidade histórica, ou seja, não é eterno, pode ser transformado pela humanidade. E Marx, seguindo o materialismo dialético, examinou o modo de produção capitalista e mostrou que o trabalho dos seres humanos transformou-se historicamente e que, em particular nesse modo de produção capitalista a exploração e o estranhamento do trabalho aprofundaram-se.

Pelo trabalho, o homem se autoproduz, se educa, se organiza e se sistematiza, desenvolve a imaginação, aprende a conhecer a natureza, a conhecer suas próprias forças e limites, relaciona com os companheiros e vive o afeto de toda relação, impõe se a uma disciplina. O homem não permanece o mesmo, pois altera sua visão de mundo e de si mesmo. Dessa forma ao atuar sobre a natureza, ao trabalhar, o homem transforma-se desenvolvendo ao mesmo tempo, a sua cultura material e espiritual, e as suas aptidões físicas e espirituais.

Marx mostra bem claro, que os trabalhadores sempre estão aprendendo e o trabalho vai nos modificando, em virtude do próprio trabalho e das relações que traçamos entre eles, conosco e as relações com os outros, relações ora de carinho e de afeto, e ora não,  mesmo nessa contradição que há entre o verdadeiro sentido do trabalho e o sentido que atribui o modo de produção capitalista, ou melhor, determina.

Marx foi o primeiro a demonstrar que o trabalho não pode ter um valor. “O próprio trabalho não tem nenhum valor. O que o trabalhador vende é sua força de trabalho que desaparece quando começa a trabalhar”. (MARX, 2006, p.617) Por si mesmo, o valor não é mais do que a expressão do trabalho humano socialmente necessário representado por um objeto. O trabalho não pode ter um valor no sentido de mercadoria, porque é o próprio ato criativo da humanidade. E nesse processo coletivo, o homem com outros homens faz a história.

O valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário/gasto para a sua produção. Sendo o trabalho um processo social coletivo, esse tempo socialmente necessário, para a produção de valores-de-uso, seria o tempo médio de destreza e intensidade do trabalho.

É importante referir que o trabalhador com a simples adição de certa quantidade de trabalho acrescenta novo valor, e com a qualidade do trabalho adicionado, preservam-se no produto os valores originais dos meios de produção. Marx assinala que D. Ricardo e nenhum outro economista, antes ou depois dele, fez a distinção dos dois aspectos do trabalho e muito menos analisaram seus papéis diversos na formação do valor (MARX, 2006).

Adam Smith, para demonstrar que o trabalho é a única medida definitiva e real com que se avalia e compara o valor de todas as mercadorias, menciona que “quantidades iguais de trabalho, em todos os tempos e em todos os lugares, devem ter o mesmo valor para o trabalhador”. À propósito, Marx refere que Adam Smith confundiu “a determinação do valor pela quantidade de trabalho despendido na produção da mercadoria com a determinação dos valores das mercadorias pelo valor-do-trabalho, e procura, por isso, demonstrar que iguais quantidades de trabalho têm sempre o mesmo valor” (MARX, 2006, p.68). A análise feita por Adam Smith, além de obscura e confusa, reforça o fetiche em torno da avaliação do valor da mercadoria.

Nesse sentido, Vázquez refere que os economistas clássicos do século XVIII, entre esses, Adam Smith e David Ricardo, tem:

 

o mérito de ter visto no trabalho humano a fonte de toda a riqueza social e de todo o valor. Marx e Engels, diante desses méritos, ressaltaram as limitações dessa concepção do valor do trabalho ao não levá-la, em virtude de seu ponto de vista de classe, até as últimas consequências (VÁZQUÉZ, 2007, p.49).

 

É importante entender que o trabalho individual de cada trabalhador não é considerado no valor de troca. Nesse valor é considerado o trabalho socialmente necessário num contexto histórico determinado. Esse se modifica conforme a produtividade do trabalho, estabelecida principalmente pelo desenvolvimento das forças produtivas. Estas constituem os elementos, que por meio de uma articulação dinâmica, compõem o processo de trabalho e traduzem o grau de desenvolvimento técnico do homem sobre a natureza na produção e reprodução de sua existência (FRIGOTTO, 1984, p.79).

Marx apresentou não só o valor-de-uso e o valor-de-troca da mercadoria, mas verificou também que o trabalho também possui duplo caráter materializado na mercadoria: Trabalho como Valor-de-Uso, Trabalho como Valor, um processo de produzir a Mais-Valia, ou seja, trabalho Excedente. Para a compreensão do duplo caráter do trabalho é necessário compreender a mercadoria.

A mercadoria considerada isoladamente é a forma elementar da riqueza acumulada na produção capitalista. Nesse modo de produção todos os produtos tendem a serem mercadorias. Nesse sentido, Marx refere que: “para compreender a economia política, é essencial conhecer essa questão, que, por isso, deve ser estudada mais de perto” (2006, p.63).  “A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia” (MARX, 2006, p.57). As mercadorias como valores de uso “são,  antes de mais nada, de qualidade diferente; como valores de troca, só podem diferir na quantidade, não contendo, portanto, nenhum átomo de valor-de-uso” (MARX, 2006, p.59).

A partir do entendimento acima, chego ao duplo caráter do trabalho: Trabalho que se expressa como criador de valores-de-uso é o trabalho útil e o Trabalho que se expressa como valor é o trabalho homogêneo geral-abstrato.

As mercadorias como valores-de-uso representam trabalho em que aparece a individualidade dos trabalhadores, o trabalho útil, como valores de troca representam o trabalho homogêneo, geral-abstrato. (MARX, 2008, p.52). Frigotto (1984) salienta que o importante no modo de produção capitalista não é a utilidade dos bens para seus produtores, mas a troca.

Nesse sentido o processo de produzir valor torna-se o processo de produzir a mais-valia (valor excedente). Quanto a esse aspecto Marx refere que:

Se compararmos o processo de produzir valor com o processo de trabalho, verificaremos que este consiste no trabalho útil que produz valores-de-uso. A atividade, neste processo, é considerada qualitativamente, em sua espécie particular, segundo seu objeto e conteúdo. Mas quando se cogita da produção de valor, o mesmo processo de trabalho é considerado apenas sob o processo quantitativo (2006, p. 228)

 

No processo de trabalho o conteúdo do trabalho é considerado qualitativamente, enquanto que no processo de produzir valor o conteúdo do trabalho é valorizado em sua dimensão quantitativa o que gera a produção de mais-valia.

Quando o trabalhador realiza as atividades de trabalho, além dos limites do trabalho necessário, mesmo que seja dispêndio de força de trabalho não constitui para ele nenhum valor. Aqui é gerada a Mais-valia que Marx refere ser para o capitalista “o encanto de uma criação que surgiu do nada”. Marx denomina esse fenômeno de tempo de trabalho excedente e ao trabalho nela despendido de trabalho excedente. (2006, p.253).

Para prolongar o trabalho excedente diminui-se o trabalho necessário por meio de métodos que proporcionem produzir, em menos tempo, o equivalente ao salário (MARX, 2005, p.578).

Ao analisar a compreensão dos trabalhadores, através das falas dos entrevistados, trabalhadores da EJA em minha dissertação de mestrado, encontro o trabalho se resumindo como uma forma de mercadoria para comprar, para ter, para adquirir, para consumir. Ou seja, como um meio para satisfazer suas necessidades. A sistematização que eles têm sobre o trabalho relaciona-se aos valores predominantes que existem sobre o trabalho na sociedade capitalista, ou melhor, sobre a ideologia que perpassa na escola, nos meios de comunicação de massa, em todos os veículos que o capitalismo conseguir atingir, transferindo às consciências um tipo de conhecimento específico. Esta ideologia capitalista está enraizada na materialidade dos trabalhadores, como que cristalizados. Acreditam que o mundo é assim, mas tem esperança e que tudo depende de sua garra e vontade de batalhar, se responsabilizando por suas condições sociais. A responsabilidade e aprendizado dado ao trabalho correspondem à concepção idealista de trabalho visto ideologicamente como uma atividade organizadora dos sujeitos e sem olhar suas contradições econômicas-políticas, sociais, culturais e educacionais.

Nesse modo capitalista a própria vida aparece como meio de vida, vemos que os trabalhadores se transformam em mera ferramenta da sobrevivência material. Estão todos aprisionados à mercadoria e seu valor de uso, vendem sua força de trabalho (a qualquer preço) o único meio que tem, e ainda se rastejam para vendê-la. A luta dos trabalhadores é travada diariamente; o trabalhador precisa do emprego oferecido pelo capitalista e o capitalista não pode existir sem o trabalhador e sua força de trabalho. Um não pode existir sem o outro, apesar de se excluírem reciprocamente, neste modo capitalista de produção. Ou seja, o trabalhador, para ter acesso aos meios de sobrevivência, precisa vender sua força de trabalho, gerando o excedente para o capitalista, pra poder receber no mês uma quantia do qual ele “sobrevive”, para pagar, água, luz, aluguel, comida, roupa, estudo, lazer, etc. É muito triste saber que somos apenas contingência para este sistema.

Na face contemporânea do capitalismo, a pobreza e o desemprego aumentaram, e o próprio sistema não oferece alternativas de vida digna para quem vive do trabalho, porque esse fato não interessa ao sistema. Existe mais exploração no que se refere ao tempo de trabalho, ao salário, ao tipo de contratação, as atividades realizadas para quem tem pouca formação.

Segundo Engels, o grande amigo de Marx , a descoberta da Mais-valia é o grande mérito de Marx. O trabalhador vende sua força de trabalho pelo seu valor, que é o tempo de trabalho necessário para reproduzir sua subsistência, mas o valor que ela produz é maior porque a jornada de trabalho ultrapassa o tempo necessário para reproduzir sua subsistência. Esta diferença é um valor a mais, apropriado pelo capitalista que adquire o direito de usar a força de trabalho em um dia inteiro, mesmo que ela custe apenas algumas horas do dia.

A jornada de trabalho, assim, divide-se em duas partes: o tempo de trabalho necessário para o trabalhador criar um valor correspondente ao de sua força de trabalho, acrescido de um tempo de trabalho excedente, no qual ele cria mais-valor, que não lhe é pago, sendo este, então, a mais-valia apropriada pelo capitalista. Essa produção é uma contradição da própria organização capitalista. Na mais-valia absoluta é exigida uma maior produção do trabalhador a partir do aumento abusivo das suas horas de trabalho, no entanto o fruto desta produção enriquece o dono do meio de produção e empobrece o dono da força de trabalho, força esta que é vendida ao capital.

Marx  explica da seguinte forma:

 

A produção da mais valia absoluta se realiza com o prolongamento da jornada de trabalho além do ponto em que o trabalhador produz apenas um equivalente ao valor de sua força de trabalho e com a apropriação pelo capital desse trabalho excedente. Ela constitui o fundamento do sistema capitalista e o ponto de partida da produção da mais valia relativa. (MARX, 1988, p.585)

 

Ao explicar sobre a mais-valia relativa Marx coloca:

 

A produção da mais-valia relativa pressupõe, portanto, um modo de produção especificamente capitalista, que, com seus métodos, meios e condições, surge e se desenvolve, de início, na base da subordinação formal do trabalho ao capital. no curso desse desenvolvimento, essa subordinação formal é substituída pela sujeição real do trabalho ao capital. A mais valia relativa pressupõe que a jornada de trabalho já esteja dividida em duas partes trabalho necessário e trabalho excedente. Para prolongar o trabalho excedente, encurta-se o trabalho necessário com métodos que permitem produzir-se em menos tempo o equivalente ao salário. a produção da mais valia absoluta gira exclusivamente em torno da duração da jornada de trabalho; a produção da mais valia relativa revoluciona totalmente os processo técnicos de trabalho e as combinações sociais. (Marx, 1988, p. 585)

 

Ao mesmo tempo em que vejo essa realidade, vejo também os trabalhadores em busca de trabalho, mesmo sendo um trabalho alienado, mesmo sendo um trabalho que destrói, explora e desqualifica, porque precisam materializar suas necessidades, suprir suas condições econômicas, sociais, culturais e educacionais.

Marx considera o processo de trabalho por sua natureza geral, independente da determinação capitalista de produzir um valor de uso particular. Ratifico novamente esta materialidade porque o trabalho original não é o trabalho alienante.

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercambio material com a natureza. Defronta-se com a natureza com uma de suas forças. Põem em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. Não se trata aqui das formas instintivas, animal, de trabalho. Quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua força de trabalho, é imensa a distancia histórica que medeia entre sua condição e a do homem primitivo com sua forma ainda instintiva de trabalho. (Marx, 1988, p. 202)

 

Marx nos fala do trabalho como um processo de transformação da natureza pelo homem e deste pela natureza. Fala-nos ainda da capacidade especificamente humana de transformação e autotransformação. Pressupõe o trabalho sob a forma especificamente humana. Para ele, só os humanos têm a capacidade de projetar, planejar, de pôr em prática suas capacidades imaginativas que podem ser desenvolvidas com o trabalho. Com isso, a visão de si mesmo e do mundo se altera, transformam suas condições de vida, transcendem sua condição de animal e torna-se um animal social.

Como já citei anteriormente, Marx desmascarou e mostrou aos economistas políticos clássicos como se dava a acumulação capitalista. Fortaleço esse caminhar com Wood  :

Refere-se às relações sociais e a disposição do poder que se estabelecem entre os operários e os capitalistas para quem vendem sua força de trabalho. (...) a disposição de poder entre o capitalista e o trabalhador tem como condição a configuração política do conjunto da sociedade – o equilíbrio de forças de classe e os poderes do estado que tornam possível a expropriação do produtor direto, a manutenção da propriedade privada absoluta para o capitalista, e seu controle sobre a produção e a apropriação. (WOOD, 2003, p. 28)

A evolução da mercadoria desenvolvida por Marx passando pela Mais-valia e chegando até o segredo da acumulação primitiva, em “O Capital” ele chega ao “ponto x” da produção capitalista que é o processo histórico de isolar o produto dos meios de produção. Na face contemporânea da sociedade capitalista existem indagações sobre a categoria trabalho. Em Marx sabemos que a categoria trabalho é central, para ele, independente da forma de organização social, ela existe. Observe suas palavras:

O trabalho como criador de valores-de-uso como trabalho útil, é indispensável à existência do homem qualquer que sejam as formas de sociedade é necessidade natural e eterna de efetivar o intercambio material entre homem e a natureza e, portanto, de manter a vida humana. (Marx, 1988, 50)

 

Antunes  coloca com o olhar situado num canto particular de um mundo marcado por uma globalidade desigualmente articulada, alguns elementos sobre o significado dessa categoria trabalho. Ele coloca que ao contrário daqueles autores que defendem a perda da centralidade da categoria trabalho na sociedade contemporânea, as tendências em curso, em direção a uma maior intelectualização do trabalho fabril ou ao incremento do trabalho qualificado ou a subproletarização, não permitem concluir pela perda desta centralidade no universo de uma sociedade produtora de mercadorias.

O trabalho que está em crise não é, portanto, o trabalho concreto. Nos dizeres de Marx evidencia a distinção entre o trabalho concreto e o trabalho abstrato. O trabalho concreto é a qualidade de trabalho útil, que produz valores de uso, enquanto que o trabalho abstrato é criador de valores de troca. O trabalho abstrato, forma de trabalho assumida e aprofundada pelo capitalismo estaria em crise. “Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos trabalhos neles corporificados; desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto”. (MARX, 2006, p. 60). Essas formas reduzem-se a um único tipo de trabalho, o trabalho humano abstrato. O trabalho concreto útil é o oposto do trabalho humano abstrato, eis sua contradição. Esse entendimento só é percebível se olharmos com olhos marxianos.

Segundo Antunes, enquanto criador de valores de uso, coisas úteis, formas de intercâmbio entre o ser social e a natureza, não parece plausível conceber-se, no universo da sociabilidade humana, a extinção do trabalho social. Se é possível visualizar a eliminação da sociedade do trabalho abstrato (capitalista) a outra forma distinta é a de conceber a eliminação, no universo da sociabilidade humana, do trabalho concreto, que cria coisas socialmente úteis, e que ao fazê-lo (auto) transforma o seu próprio criador.

Bensaid  coloca que a crise do trabalho não anuncia o fim do trabalho, designa sim, uma crise específica do trabalho explorado e da relação capital trabalho, ou uma crise da relação capitalista de produção. Essa crise reflete diretamente na vida daqueles que não detêm os meios de produção. E a esses resta apenas a força de trabalho. Para o capitalista, que tem sede de lucro e capital, lhe interessa o trabalho vivo, senão como diz Marx (1988, p. 355) não teria como transformar o trabalho morto (objetos e meios de trabalho) em valor; acabariam podres, estéreis.

Segundo Marx (2006, p.214) o trabalho está incorporado ao objeto sobre o que atuou, concretizou-se, e a matéria está trabalhada”. O que fazia parte do movimento do trabalhador, concluído o produto, agora existe na forma de ser. “O homem teceu e o produto é um tecido”. Nesse sentido, o trabalho é trabalho produtivo.

É importante salientar que quando um valor-de-uso sai do processo de trabalho como produto, para a sua elaboração, concorrem outros valores-de-uso, produtos de processos de trabalho anteriores. Os produtos do trabalho anterior saem da inércia e se mantém como valores-de-uso pelo trabalho vivo.

Os valores-de-uso ao servirem de meios de produção perdem o caráter de produto. Nesse processo é desconsiderado que já foram produtos de trabalho anterior. No cálculo do valor da mercadoria nova é desconsiderado o valor do trabalho anterior. O trabalho realizado anteriormente passa à categoria de trabalho abstrato, mesmo sendo produto de um trabalho concreto útil.

Em síntese, o trabalho morto, pretérito, passado, refere-se ao trabalho que já se encontra incorporado num meio ou objeto pela via de um trabalho anterior. Exemplo: as instalações de uma empresa, seus equipamentos, a matéria prima, resultam de um trabalho que já foi feito anteriormente. Já o trabalho vivo é aquele realizado pelo trabalhador que, através de sua atividade produtiva, dá vida, faz ressuscitar o trabalho morto. Esta distinção é fundamental para realçar o fato de que é o trabalho vivo, a atividade do trabalhador, que é o verdadeiro determinante da riqueza social e não, ao contrário, o trabalho morto, o capital.

Na realidade se vê hoje, a partir de várias literaturas, presentes no item “Encontro com outros estudos realizados” que na materialidade do trabalho dos trabalhadores (alunos e professores) a predominante exploração/estranhamento própria do capitalismo que comprime os direitos, diminui espaços e possibilidades e tira o tempo da vida criativa. E esta é uma das lutas fundamentais dos trabalhadores: garantir os direitos conquistados e criar novas formas que nos direcione para outras formas de pensar a sociedade, a vida e consequentemente o trabalho.

Também há uma precarização e uso de um sistema de ideias que deformam consciência, levando muitas pessoas ingênuas a pensar que essa é a única realidade possível, que precisa ser esforçado e ter estudo pra vencer na vida. Mas todo este emaranhado ideológico se materializa na divisão social do trabalho resultando na separação do trabalho manual e do trabalho intelectual. Marx ao analisar a divisão social do trabalho refere que essa “surge com a troca por meio dos ramos de produção que são originalmente diversos e independentes entre si”.  Mediante essa consideração, refere que o fundamento geral de toda a produção da mercadoria reside na relação entre a divisão manufatureira do trabalho e a divisão social do trabalho ( 2006, p. 407). 

De acordo com Marx, a separação da produção social em seus grandes ramos: agricultura, indústria etc., levando em conta apenas o trabalho, pode ser chamada de divisão do trabalho em geral. Há diferenciação desses ramos em espécies e variedades, de divisão do trabalho em particular, e a divisão do trabalho numa oficina, de divisão do trabalho individualizada, singularizada. (2006, p. 406).

A divisão social do trabalho vai desde a separação das profissões à divisão entre os trabalhadores numa produção de um único produto. Marx refere que: “o fundamento de toda a divisão do trabalho desenvolvida e processada através da troca de mercadorias é a separação entre a cidade e o campo” (2006, p. 407).

No modo de produção capitalista, a produção e a circulação de mercadorias constituem seus aspectos fundamentais, dessa forma, a divisão manufatureira do trabalho pressupõe que a divisão do trabalho na sociedade tenha atingido certo grau de desenvolvimento. A partir desse movimento, a manufatura desenvolve e multiplica a divisão social do trabalho. Cria uma hierarquia nas forças de trabalho e com isso uma diferenciação salarial.

Seguindo essa dinâmica a indústria moderna reproduz a divisão de trabalho ainda de forma mais monstruosa, “transformando o trabalhador no acessório consciente de uma máquina parcial” (MARX, 2006, p. 549).

A divisão do trabalho também contribui para a diminuição do valor da força de trabalho. As diferentes funções do trabalhador coletivo são simples ou complexas, inferiores ou superior, e seus órgãos, as forças individuais de trabalho, exigem diferentes graus de formação, possuindo por isso, valores diversos. A desvalorização relativa da força de trabalho produz para o capital o aumento da mais valia, pois tudo o que reduz o tempo de trabalho necessário para a reprodução da força de trabalho aumenta o domínio do trabalho excedente (MARX, 2006, 407)

Ao estudar o fenômeno da divisão do trabalho, é importante referir, ainda, a divisão territorial do trabalho em ramos particulares de produção confiados a determinadas áreas do país e a divisão internacional do trabalho produzida pela expansão da produção, aos saltos, do sistema fabril e sua dependência do mercado mundial.

A divisão internacional do trabalho é resultado do avanço do capitalismo que vem ao longo de sua existência, reforçando as especificações de cada país nesse sentido.

 Nesse contexto, os países de industrialização tardia tornam-se presas fácil dos países de capitalismo central. A China é um exemplo dessa divisão e das condições subumanas no modo de vida e de trabalho da maioria dos trabalhadores explorados pelos países de capitalismo central.

Na divisão territorial podemos citar o que acontece em nosso próprio país. A transferência de fábricas de sapatos da região sul para a região do nordeste constitui um bom exemplo. Nos estados onde o nível educacional e de preparo profissional é maior, como no Rio Grande do Sul, o nível de exigência dos trabalhadores é maior do que nos estados, onde a educação ainda não atingiu o grau de desenvolvimento que confira melhor qualidade nas reivindicações de direito.

A separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual se materializa quando Marx analisa o trabalho na fábrica, a partir da realidade técnica que envolve o emprego da maquinaria. Marx refere-se que a “a separação entre as forças intelectuais do processo de produção e o trabalho manual e a transformação delas em poderes de domínio do capital sobre o trabalho se tornam uma realidade consumada” (MARX, 2006, p. 483).

A constituição de um abismo entre o trabalho manual e intelectual vai se acentuando cada vez mais, na medida em que o capitalismo vai se expandindo. Frigotto (1987, p. 81) coloca que na submissão real do processo de trabalho e do trabalhador ao capital a conjugação da dimensão pensar–fazer do trabalhador não constitui mais limite para o capital. A situação se inverte, pois o instrumento não é mais a mediação entre o homem e natureza. Nesse sentido a máquina é que atua diretamente sobre a natureza, ficando, o trabalho na condição de mediação.

A subordinação técnica do trabalhador, a organização da relação instrumental e trabalhadores, comandada por uma disciplina de caserna, vão desenvolvendo outras formas de trabalho, entre essas, a de supervisão, acentuando a divisão entre os trabalhadores em trabalhadores manuais e supervisores, que Marx denomina de soldados rasos e suboficiais, respectivamente. Nesse sentido Gramsci menciona que:

Todo o grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função não apenas no campo econômico, mas também no campo social e  político (2001, p. 15).

 

A atividade intelectual aos poucos vai se diferenciando em graus. Gramsci refere que existem posições diferentes dos intelectuais de tipo urbano e de tipo rural. Os primeiros se desenvolveram junto com a indústria e seguem as características da mesma. As suas funções podem ser comparadas às dos oficiais subalternos, reforçando o que já havia sido analisado por Marx. Os de tipo rural, pequenos burgueses, estariam ligados com administração estatal e local (2001, p. 22-23). 

Gramsci continua sua análise referindo que “não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do homo sapiens (2001,  p.53).

Quando se dissocia, no processo de trabalho, a conjugação do trabalho do cérebro e o das mãos tornando-os opostos, “o produto deixa de ser o resultado imediato da atividade do produtor individual para tornar-se produto social, comum de um trabalhador coletivo”. Nesse sentido para se trabalhar de forma produtiva passa a não ser mais necessário manipular o objeto de trabalho, basta ser “órgão do trabalhador coletivo, exercendo qualquer uma das suas funções fracionárias” (MARX, 2005, p. 577).

Com a divisão do trabalho em trabalho manual e intelectual aumenta-se a extração da mais-valia, desenvolve-se uma nova categoria, a subsunção real, em que o trabalhador perde seu saber-fazer pelo uso da maquinaria na produção. Como diz Romero (2005):

Foi preciso criar um segmento de trabalhadores técnico-científicos separado da classe trabalhadora tradicional (do proletariado), vinculado a um trabalho unicamente intelectual (sem nenhuma relação direta com algum trabalho manual específico, responsável unicamente pela gestão e organização do trabalho (2005, p.87).

 

Como já referido, ficam redefinidas as relações de poder no interior do processo de trabalho e as condições de trabalho. E nesta realidade encontram-se muitos dos trabalhadores, que não têm a quantidade de elementos básicos que necessitam ter no local de trabalho para desenvolver uma unidade entre fazer e pensar.  

Trago para pensar na categoria da Esperança, presente em muitos trabalhadores, e em mim mesmo, como propriedade do ser humano. Trabalhando com trabalhadores da EJA, militando num partido, participando de associações de trabalhadores em educação, o que singulariza é que apesar da realidade dura e alienante, as pessoas mantem a Esperança. As pessoas são movidas pela esperança de superar seus problemas e conseguir trabalho, viver feliz, em paz e ter qualidade de vida.

Fromm (1983) fala em Revolução da Esperança. A Esperança é paradoxal. Não é nem uma esfera passiva nem um forçar irreal de circunstancias que não podem ocorrer. É como o tigre agachado que só saltará quando chegar o momento de saltar. O reformismo e o aventurismo pseudo-radical não são expressão de Esperança.

Quero trazer para discussão, não a esperança idealista, mas a esperança dos trabalhadores, enquanto ser social, enquanto produto histórico, resgatando a categoria da Utopia, que está correlacionada com categorias básicas como Classe Social, Ser Social, Consciência Social, luta de classe que serão trabalhadas, posteriormente de forma mais aprofundada em minha pesquisa.

Falar em ser social implica resgatar em “O Capital” quando Marx (2004) define o homem como um animal social. O objetivo da sociedade é a produção. Os homens, para produzirem sua vida social entram em determinadas relações, imperiosas e independentes de sua vontade; são estas relações de produção que regulam sua existência. É verdade que os homens fazem a história, mas fazem em condições pré-determinadas. O homem não é certamente a criatura intermediária entre a natureza divina e a humana na história, mas é o seu instrumento, consciente ou não. O processo de transformação da natureza pelo homem e a própria transformação deste se realizam dentro do marco predeterminado do desenvolvimento das forças produtivas.

A meta de Marx é libertar o homem de opressão das necessidades econômicas, de modo a poder ser completamente humano. Marx está fundamentalmente interessado na emancipação do homem como indivíduo, na superação da alienação, na restauração da capacidade dele para relacionar-se inteiramente com seus semelhantes e com a natureza. (Fromm, 1983, pág 16).

 

O Ser Social para Marx se constrói na relação do homem com a natureza, mas também na relação imediata, direta e natural da espécie. Esta relação imediata, natural e necessária de ser humano com ser humano também é a relação do homem com a mulher. “Nesta relação natural da espécie, a relação do homem com a natureza é diretamente sua relação com aquela, com sua própria função natural.” (FROMM, 1983, p. 39).

Marx parte do homem que faz a sua própria história. Isto nos permite pensar a necessidade de uma organização destes homens e sua consequente relação com a natureza e com tudo mais que nela existe. Os homens podem ser distinguidos dos animais por muitos elementos que queiramos considerar, mas o aspecto principal reside no fato dos homens possuírem consciência, o que permitem eles próprios a produzir seus meios de subsistência, como fato condicionado pela forma de sua organização. Pelo fato de produzirem seus meios de subsistência, os homens estão produzindo sua vida material real.

A importância de se entender a ideia fundamental de Marx: o homem faz sua própria história; ele é seu próprio criador. Neste fazer sua própria história, o homem se constrói como um ser social, enquanto se humaniza. Uma formulação completa das teses fundamentais do materialismo aplicado à sociedade humana e à sua história é dada por Marx no prefácio à sua obra Contribuição à Crítica da Economia Política, nestes termos:

Na produção social da sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade; relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência.Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de desenvolvimento das forças Produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução social. A transformação da base econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. Ao considerar tais alterações é necessário sempre distinguir entre a alteração material – que se pode comprovar de maneira científica rigorosa – das condições econômicas de produção, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito, levando-o às últimas conseqüências. Assim como não se julga um indivíduo pela idéia que ele faz de si próprio, não se poderá julgar uma tal época de transformação pela mesma consciência de si; é preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. (MARX, 1983, p. 24/5).

 

Compreendendo a essência do ser social, fui buscar no livro da Wood (2003), “Democracia e Capitalismo”, mais especificamente no capítulo “Classe como processo e como relação”, o estabelecimento que a autora traz, a partir da análise do pensamento de E. Thompson, entre a formação do Ser Social e a Consciência Social deste indivíduo enquanto ser de relações.

Ela salienta, que teoricamente, existem apenas duas formas de pensar em Classes: uma como local estrutural, na forma de estratificação por critérios de rendimento econômico, oportunidade de mercado ou mesmo ocupação (conceito quase que geral pela sociedade capitalista) e, outra, como relação social, na concepção sócio-histórica.

Embora algumas teorias tivessem insistido no enfoque de classe da concepção das relações sociais da extração da mais-valia dentro da concepção de distribuição de dividendos, considerando as desigualdades como fator preponderante e não as relações diretas entre apropriadores e produtores, Ellen Wood indica o marxismo “clássico” como elemento diferencial para enfoques que no seu entendimento são equivocados. Diz ela:

Para efeito de comparação, para o marxismo “clássico”, o foco está na relação social em si, na dinâmica da relação entre apropriadores e produtores, na contradição e nos conflitos que explicam os processos históricos e sociais; e a desigualdade, como medida simples de comparação, não tem valor teórico. (WOOD, 2003, p. 73, 2º§).

 

Buscar a ligação do Ser Social, Classe Social, Consciência de Classe e Luta de Classe se faz necessário quando pretendemos conhecer a formação de um ou de outro como categoria do Materialismo Histórico. Torna-se impossível não relacioná-las para uma melhor compreensão de cada uma delas. As classes sociais só podem ser entendidas enquanto consciência de classe, uma vez que como definição, elas simplesmente existem, mas que ambas só podem ser entendidas no contexto da própria luta de classe.

Para uma compreensão dentro da teoria marxista de classe, se busca ater mais nos processos de formação de classe como processo histórico formado pela “lógica” das determinações materiais, do que identificar onde elas se localizam como se fossem realidades objetivas estáticas.

Wood   no capítulo “Classe como Processo e Como Formação” encaminha para nossa compreensão a presença da consciência social que os homens e mulheres estão construindo ao se constituírem como classe social.

As formações de classe surgem e se desenvolvem “à medida que homens e mulheres vivem suas relações produtivas e experimentam suas situações determinadas, no interior do conjunto das relações sociais, com a cultura e esperanças que herdaram, e à medida que trabalham de formas culturais suas experiências. (2003, pág 76, 3º§). 

 

O importante na organização e sistematização do entendimento sobre Classes Sociais está em perceber como a sociedade estruturada em classes realmente influencia nas relações sociais e nos processos históricos. Neste sentido Ellen Wood nos chama atenção salientando: 

A questão é, então, ter uma concepção de classe que nos convide a descobrir como situações objetivas de classe formam a nossa realidade, e não simplesmente afirmar e reafirmar a proposição tautológica de que “classe é igual a relação com os meios de produção. (2003, p. 78, 1º§).

 

Continua Wood:  

O conceito de classe como relação e processo enfatiza que relações objetivas com os meios de produção são significativas porque estabelecem antagonismos e geram conflitos e lutas; que esses conflitos e lutas formam a experiência social em “formas de classe”, mesmo quando não se expressam como consciência de classe ou em formações claramente visíveis; e que ao longo do tempo discernimos como essas relações impõem sua lógica e seu padrão sobre os processos sociais. (2003, p. 78, 2º§).

Thompson tem sido um dos únicos marxistas que tem buscado explicações para mostrar (sem reduzir classe à consciência de classe, como fazem seus críticos), como os determinantes de classe dão forma aos processos sociais e como as pessoas se comportam em “formas de classe”, mesmo antes de ter as condições necessárias para tal. Isto é, sem amadurecimento consciente das instituições e valores definidos por classe.

Portanto, Thompson realmente afirma que as classes surgem ou “acontecem” porque pessoas em “relações produtivas determinativas” que consequentemente compartilham uma experiência comum, identificam seus interesses comuns, passando a pensar e atribuir valores às “formas de classe”.,

As classes sociais significam para o marxismo, em um e mesmo movimento, contradições e luta das classes, referindo-se a unidade das lutas econômica, política e ideológica de classe, expressando-se essas lutas pelas posições de classe na conjuntura, ao mesmo tempo em que estas posições são reflexos de uma organização política autônoma.

Assim, a Consciência de Classe equivalerá a uma organização política autônoma das classes em luta, constituindo as condições de intervenção das classes como forças sociais, para que a luta de classe tenha lugar em todos os domínios da realidade social. Isto significa no  entendimento que a eficácia na luta contra a burguesia não será a mesma se a classe trabalhadora possuir uma organização política autônoma e um grau elevado na formulação de seus interesses específicos, ou seja, uma estratégia de classe – Consciência de Classe.

A questão da Consciência de Classe, só pode ser entendida no contexto da própria luta de classe. Para classe trabalhadora não basta entender o que é consciência de classe ou consciência social. A questão da consciência social da classe trabalhadora tem um significado particular, já que está ligado à sua prática na luta de classe. Não se trata, portanto, de um conceito abstrato. Para a Classe trabalhadora, a consciência de classe tem um sentido metodológico, cujo objetivo é a conquista do socialismo e o domínio do trabalho sobre o capital, isto é, a transformação revolucionária do sistema social.

Como essa transformação não se dará espontaneamente, a classe trabalhadora e as camadas oprimidas da população necessitam adquirir um grau cada vez mais elaborado de consciência da opressão da classe dominante. A consciência não é alguma coisa que possa ser conduzida e entregue como um presente, doada às massas populares. Trata-se de aprender com elas, caminhar com elas.

A classe trabalhadora necessita de uma consciência de sua posição, em relação à classe burguesa. Citando a Miséria da Filosofia, de Marx, Lukács afirma que:

O proletariado tem que se tornar uma classe não só “face ao capital” mas também “para si próprio”; isto é, tem que elevar a necessidade econômica da sua luta de classe ao nível de uma vontade consciente, de uma consciência de classe atuante. (LUKÁCS, 1974, p. 91)

 

Isto se revela pela estreita unidade entre a luta econômica e a luta política do proletariado.

Dessa forma, vimos que Marx ao estudar o homem e a história, partiu do homem real e das condições econômicas e sociais em que ele tem de viver, e não primordialmente das idéias dele, o que nos remete ao entendimento de que os homens são os produtores de suas representações, de suas idéias etc., mas, ao mesmo tempo, estes homens reais, atuantes, estão condicionados pelo desenvolvimento determinado de suas forças produtivas e pelas relações a elas correspondentes. Portanto, a consciência social que se constrói, jamais pode ser outra coisa que o Ser Social, consciente do seu processo real de vida.

Para Marx, vimos que a consciência social exprime e constitui, ao mesmo tempo, as relações sociais. Por isso, a análise dialética das relações capitalistas exige que a interpretação apanhe sempre a maneira pelas quais os homens pensam-se a si mesmos e uns aos outros. A autoconsciência só é possível no reflexo do outro. Assim, a condição de operário e de capitalista somente se revela nas relações que um e outro estabelecem entre si. Mas essas relações não se realizam, a não ser que um e outro se pensem no processo de compra e venda de força de trabalho, de produção de mercadoria, de intercâmbio entre trabalho necessário e o trabalho excedente. Isto é, o trabalho pago e o trabalho não pago.

O entendimento sobre a organização do ser social perpassa em situá-lo em suas relações sociais do seu cotidiano. Vivendo em um contexto de exploração do capital sobre o trabalho, identificar como se vai construindo este ser social na pessoa, será preciso compreender a existência do operário e do capitalista, ambos os sujeitos de um mesmo processo, e analisar como cada um se percebe e se compreende frente a si próprio e frente ao outro. Para reconhecer-se como operário, é indispensável que este operário reconheça como se dá o processo, nesta sociedade, entre o capital e o trabalho e vice-versa, que é o seu próprio processo. Esse reconhecimento é, ao mesmo tempo, uma condição fundamental da existência e negação recíprocas, que culmina na única alternativa de desenvolvimento de superação que é a luta de classe.

Para afirmar-se como capitalista, por exemplo, o capitalista precisa não só apropriar-se do produto de valor excedente (não pago), mas também reconhecer o produtor de valor excedente, a mais-valia, que aparece na consciência do capitalista como lucro.

Por outro lado, o trabalhador para reconhecer-se como explorado precisa não só reconhecer-se como produtor de mercadoria ou vendedor de força de trabalho, mas também reconhecer o proprietário dos meios de produção que se apropria do produto do trabalho não pago. Essas são as relações básicas de dependência, alienação e antagonismo, que fundam a existência e a consciência tanto do operário, como do capitalista, como seres sociais com uma consciência de classe.

É verdade que a formação social do ser humano e sua consciência social precisam ser analisadas dialeticamente para que sejam entendidas as suas relações, como se encadeiam e como se determinam, uma vez que as diferentes modalidades de consciência social fazem parte das condições de existência social. Marx, neste sentido, vai sempre recomendar uma análise das relações de produção, isto é na economia política.

Na sociedade capitalista, as relações de produção tendem a configurarem-se em ideias, conceitos, doutrinas ou mesmo teorias que acabam esvaziadas de seus principais fundamentos de exprimir e constituir as relações sociais. Porém, os diferentes tipos de consciências que vão se constituindo pelas posições relativas das pessoas, grupos e classes sociais, nas relações de dependência, alienação e antagonismo em que se acham inseridas são as verdadeiras expressões resultantes do modo de produção da sociedade.

Sei que me estendi na tentativa de compreensão da realidade do estudo, mas retornando à questão da esperança e utopia, este sentido de utopia encontrado em Marx está mais relacionado com a ideia de um progresso inevitável, de um socialismo como resultado necessário das contradições capitalistas do que com a concepção da sociedade e da história como Prática social. Estas situações não são contraditórias. O que é preciso entender em Marx, que emancipação do proletariado não se encontra em um horizonte utópico, mas está no centro de sua filosofia política, procurando apresentar-se como uma previsão científica do futuro.

Marx, na verdade, não se dedicou a sistematizar uma utopia. A etimologia grega da palavra utopia, remete aquilo “que não existe em lugar algum”. E Marx não saiu à procura de um lugar inatingível, muito menos de um ideal abstrato. Ele partiu concretamente do desenvolvimento do modo de produção capitalista e analisou, logicamente, quando e como o embrião do socialismo cresce e amadurece no ventre da sociedade burguesa.

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