terça-feira, 15 de julho de 2014

Carta de Rosa Luxemburgo para Sophie Liebknecht (Sonitchka)


Carta de Rosa Luxemburgo para Sophie Liebknecht (Sonitchka)

 

Ontem fiquei longo tempo deitada desperta – no momento nunca consigo dormir antes de uma hora, mas as dez já tenho de ir para a cama, porque a luz é apagada, então fico sonhando no escuro com varias coisas. Assim, ontem eu pensei: como é estranho que eu vivia constantemente em um estado de alegre embriaguez – sem nenhum motivo especial. Aqui estou, por exemplo numa cela escura, sobre um colchão duro feito pedra, na casa, ao redor de mim, reina o costumeiro silencio de cemitério, a gente se sente como se estivesse num tumulo; através da janela a luz do poste que fica na frente da prisão e permanece acesa a noite inteira lança seus reflexos no teto. De tempos em tempos se ouve o ruído surdo de um trem que passa ou, bem perto sob a janela, a tossezinha da sentinela que dá uns lentos passos com suas botas pesadas para desentorpecer as pernas dormentes. Sob os passos dele o rangido da areia é tão desesperado que todo o vazio e a falta de perspectiva da vida ressoam na noite úmida e escura. Aqui estou eu, deitada, sozinha, envolta de todos esses panos negros da escuridão, do tédio, da falta de liberdade, do inverno – e meu coração bate como uma incompreensível, desconhecida alegria intima, como se eu caminhasse à clara luz do sol por um prado florido. E no escuro sorrio a vida, como se soubesse de algum segredo mágico que castigasse tudo que há de mal e triste e o transformasse em pura claridade e felicidade. E procuro um motivo para essa alegria, não encontro nada e sorrio novamente – de mim mesma. Eu creio que o segredo não é senão a própria vida; se a olharmos bem, a profunda escuridão da noite é tão bela e macia como o veludo; e o ranger da areia úmida sob os passos lentos e pesados da sentinela canta também uma pequena e bela canção da vida – basta que saibamos ouvir. Ofereço-lhe todas as alegrias verdadeiras dos sentidos que se possam desejar. E que você pudesse caminhar pela vida envolta num manto bordado de estrelas que a protegesse de tudo quanto há de mesquinho, trivial e assustador. (Loureiro, 2011, 332)

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