terça-feira, 15 de julho de 2014

A opressão da mulher trabalhadora como experiência de classe: da formalidade da lei a debilidade das políticas públicas.


A opressão da mulher trabalhadora como experiência de classe: da formalidade da lei a debilidade das políticas públicas.


Anézia Viero[1]

Fabiana Sanguiné[2]

Sonia Ribas de Souza Soares[3]

"O proletariado não pode atingir a liberdade completa sem conquistar a plena liberdade para a mulher".
                  Lênin

Resumo: Este artigo discute a opressão da mulher trabalhadora na EJA como experiência de classe, as políticas de combate a opressão da mulher no Estado Brasileiro no governo atual. Na sociedade brasileira a opressão da mulher possibilita dupla exploração no momento que exercem no plano público, seu trabalho produtivo e no universo da vida privada consome horas no trabalho doméstico, contribuindo para reprodução do capital. O sistema capitalista oportunisticamente aproveita-se da naturalização dos aspectos culturais que coloca  a mulher como sendo capaz de melhor suportar sacrifícios,  ao mesmo tempo que a diferenças salariais entre homens e mulheres expressam a desvalorização das tarefas “femininas”, mesmo para trabalhos iguais. As conquistas femininas ainda não são asseguradas em todos os países, e mesmo onde são a formalidade da lei leva a uma fragilidade das políticas públicas contra a opressão da mulher.

Palavras-chave: opressão, experiência de classe, mulher

1. Introdução

Este artigo busca discutir a opressão da mulher trabalhadora como experiência de classe, as políticas voltadas ao combate à opressão da mulher no Estado Brasileiro no governo atual.

Partimos da concepção materialista da história, a partir do ponto de vista da mulher trabalhadora, classista, presente no “mercado de trabalho” que lutam pela sobrevivência, relutando e questionando os privilégios que reforçam todo tipo de opressão por meio da busca pela sua formação. O capitalismo, ao revolucionar as forças produtivas utiliza-se da opressão da Mulher, culturalmente anterior a esse sistema, para explorar ainda mais as mulheres da classe trabalhadora, por isso a da opressão da mulher não se resume a um problemas de gênero.

Segundo Toledo (2008, 15) tratar da opressão da mulher como um problema de gênero tem como conseqüência a luta por políticas de gênero fora do marco da luta geral da classe trabalhadora, sendo luta pela conquista do poder político que não deixa claro contra quem se luta. Ou seja, ignora-se o vínculo indissolúvel da opressão da mulher trabalhadora ao capitalismo e, portanto, o vínculo indissolúvel que existe entre a luta por superar a opressão  e a luta pelo socialismo.

A opressão da  mulher como um fator cultural assume diversas formas segundo o grau de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção em cada lugar e em cada período histórico. Por isso extrapola os marcos individuais e a questão de gênero e engloba toda a sociedade, visto que sua submissão tem o poder de impedir a emancipação de toda a humanidade e não apenas de uma parte dela.

Singularidade da opressão da mulher na sociedade capitalista, entre todas as demais formas de opressão, atinge mais da metade de toda a espécie humana (52% da população mundial é feminina). Em graus e intensidade diferentes, a opressão atinge burguesas e trabalhadoras. Dentro da classe trabalhadora, a mulher negra é aquela que concentra o mais alto grau de opressão: por ser negra, mulher e trabalhadora.

A dupla jornada de trabalho da mulher é uma das formas mais gritantes da relação entre a opressão e exploração da mulher trabalhadora, pois o trabalho doméstico consome horas da mulher no universo da vida privada junto com o trabalho no plano público.

Outro fator a ser considerado é o papel da mulher, como “objeto” por meio das várias formas de   mercantilização do corpo. Para Gramsci (1984) a ação da ideologia burguesa sobre a mulher constrói um ideal ‘estético’ masculino sobre a mulher, no qual a sexualidade vira um esporte e a mulher é um tipo de brinquedo de lazer. O ideal ‘estético’ da mulher oscila entre a concepção de “procriadora” e de “brinquedo”. Essa concepção para o autor faz parte da formação de um “novo homem” adaptado ao projeto burguês de sociedade em que a hegemonia do processo de produção da fábrica é o parâmetro para toda a sociedade e a formação da “personalidade feminina” é necessária para consolidar essa hegemonia. Por conseguinte a regularização da prática sexual do trabalhador tem a função de não desperdiçar suas energias nervosas para não produzir “estafa” ou “exaustão” junto com a disciplina de seus movimentos. É por meio da monogamia apoiada no puritanismo que a sociedade burguesa educa os trabalhadores e as trabalhadoras para os hábitos necessários à extração de mais-valia da classe trabalhadora.

Esses são aspectos que naturalizam a violência contra a mulher no Brasil, retratada nos dados que apontam que a cada quatro minutos uma mulher é estuprada, onde a própria casa é o lugar mais perigoso.[4]

É nesta realidade da mulher que o capitalismo exerce alguns dos mais perversos mecanismos de opressão. Através de suas instituições e ideologias patriarcais - entre as quais se destaca o papel repressor das Igrejas – que contribui para perpetuar na consciência da humanidade ideologias geradoras de leis, moral e comportamentos que anulam a mulher como ser consciente de si mesmo. No Brasil a presidenta mulher por meio da  “Carta ao Povo de Deus” ao atender o apelo dos parlamentares da bancada evangélica, retirando do seu programa a legalização do aborto, transforma em moeda de troca uma bandeira histórica de luta das mulheres, numa realidade onde há um alto índice de mortalidade e complicações devido às intervenções clandestinas sem condições adequadas.
É a cultura patriarcal que alicerça as ideologias machistas que serve aos interesses do sistema no sentido de reproduzir gratuitamente sua mão-de-obra e superexplorar à metade tida como “inferior”. A ideologia machista se traduz em: superioridade dos indivíduos do sexo masculino;  função meramente reprodutora do sexo; negação do prazer sexual da mulher;  obrigação feminina de ter filhos; família patriarcal como “célula mater” da sociedade; propensão “natural” da mulher para a vida doméstica; incompatibilidade entre o trabalho feminino e a maternidade, entre outros.
É por meio da cultura patriarcal que as características fisiológicas da mulher, passaram a ser utilizadas contra ela colocando-a como inferior, mesmo na sociedade burguesa onde o avanço das forças produtivas proporcionam processos de trabalho que não exigem força física. Contudo o princípio burguês da igualdade formal dos indivíduos perante a lei permite que as divisões sociais sejam naturalizadas em desigualdades postas como inferioridades naturais. Dessa forma há um esvaziamento da gênese histórica da desigualdade permitindo assim a naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de violência, pois estas não são percebidas como tais(CHAUÍ.2001, p. 90).  
A relação entre opressão e exploração expressa-se como duas categorias desiguais e combinadas que embora se combinem, são distintas. Pois a opressão atinge todas as mulheres, envolvendo o seu desenvolvimento profissional, direito ao trabalho, sua liberdade para decidir sobre a sua vida e dispor de seu próprio corpo, sendo cultural e social, gera uma situação de discriminação que atinge mulheres de diversas classes sociais e pode ter efeitos econômicos de maior ou menor peso. Já a exploração atinge a mulher trabalhadora de forma historicamente específica, em especial na sociedade de classes, a exploração é uma forma de acumulação de capital e nesse sentido a opressão é utilizada pela classe dominante para explorar ainda mais a classe trabalhadora. É exatamente esse conceito que explica porque os setores oprimidos sejam a parcela da classe trabalhadora mais explorada e que o machismo é experimentado de maneira quantitativamente e qualitativamente diferente por mulheres de classes diferentes
2 A opressão da mulher trabalhadora no capitalismo.
No capitalismo, a opressão - exploração se manifesta de várias formas: a reprodução e manutenção da força de trabalho, através do trabalho doméstico não remunerado, e a utilização da mão-de-obra feminina por salários mais baixos, propiciando maior extração de mais-valia. As conquistas femininas: direito ao voto, legalização do aborto e do divórcio, leis que punem a discriminação no trabalho e na vida social e o abuso sexual praticado pelos homens, ainda não são exercidas em todos os países e mesmo onde são asseguradas pela lei, estão sempre ameaçadas.
A flexibilidade do capitalismo em se reestruturar para gerar suas próprias crises se expressa em aproveitar em benefício próprio toda a opressão que esteja histórica e culturalmente disponível, como é o caso do machismo, que esconde a realidade estrutural do sistema capitalista e divide a classe trabalhadora no momento que garante vantagens para parcelas dos trabalhadores no mercado de trabalho. Por conseguinte  as práticas de opressão mascaram a ordem estrutural do sistema capitalista colocando trabalhadores e trabalhadoras em competição entre si.
Contraditoriamente o capitalismo tem uma tendência em diluir identidades, no momento que absorve as pessoas no mercado de trabalho, reduzindo-as em mercadorias. Nesse sentido há uma indiferença estrutural em relação às identidades específicas no momento que transforma pessoas em unidades intercambiáveis de trabalho. Ao mesmo tempo que sua história é marcada pelos mais violentos machismos, visto que aproveita-se das opressões com base nas identidades específicas para intensificar a extração de mais-valia. As formas de opressão existem, mas ao situar no contexto material e histórico possibilita destacar mecanismos discriminatórios variados que são fundamentais para o capitalismo, como sistema ( STABILE. 1999, p. 145-160).
Encontramos na análise de Marx, dados que apontam como a sociedade industrial capitalista absorve as opressões como forma de maximizar a exploração da classe trabalhadora. Segundo Marx (1996, p. 550-575) a indústria capitalista reproduz a divisão do trabalho de maneira mais monstruosa das formações sociais anteriores. Na fábrica capitalista transforma-se o trabalhador no acessório consciente de uma máquina, e, fora dela, por toda a parte, com o trabalho das mulheres, das crianças e dos trabalhadores sem habilitação servem de nova base  à divisão do trabalho.
No capitalismo atual, intensifica-se a exploração da mulher, visto que por um lado elas se inserem no mercado de trabalho, por outro continua realizando o trabalho doméstico que garante a reprodução da força de trabalho necessária ao sistema.
Os dados apontam que a participação das mulheres no mercado de trabalho não reduziu a jornada delas com os afazeres domésticos.  Segundo IBGE/PNAD 2001 e 2005 na faixa etária de 25 a 49 anos de idade o trabalho doméstico ocupa 94,0% das mulheres. No Brasil 109,2 milhões de pessoas de 10 anos ou mais de idade declararam realizar tarefas domésticas; sendo que, deste conjunto, 71,5 milhões (65,4%) são mulheres e 37,7 milhões (34,6%) são homens.
Desde a infância, o trabalho doméstico está relacionado a uma atividade feminina. Em 2005, cerca de  83% das meninas, de 10 a 17 anos de idade, realizaram tais afazeres, enquanto que entre os meninos nesta mesma faixa etária a proporção foi de 47,4%. O tempo despendido nessas atividades diferencia significativamente entre os sexos: meninos 8,2 e meninas, 14,3 horas semanais.
Considerando a jornada do trabalho produtivo mais os afazeres domésticos nos cinco dias úteis da semana, as mulheres, em média, trabalham 11,5 horas por dia contra 10,6 horas para os homens.
Ao relacionar a dupla jornada, com a indistinção cada vez maior da vida pública e privada o trabalho doméstico torna-se cada vez mais mercadoria num sentido mais profundo, destacando-se o emprego doméstico. Segundo dados do  IBGE/2007, existem 6 milhões de brasileiras no desempenho da  função de domética, na sua maioria mulheres negras, que recebem em média o salário mínimo. O número, porém, se refere àquelas trabalhadoras com visibilidade no mercado, pois segundo dados do IBGE, apenas 25% das trabalhadoras têm carteira assinada. Porém dados do Departamento de Qualificação do Ministério do Trabalho pode haver mais 2 milhões de pessoas não contabilizadas, trabalhando em residências. São crianças e jovens que passam por afilhadas, sobrinhas, mas que, na realidade, arrumam, lavam, cozinham e sofrem humilhações.
Segundo pesquisa da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), estima-se que no Brasil existam cerca de 500 mil crianças e adolescentes trabalhando de forma irregular no cenário doméstico. As meninas são as mais exploradas. O perfil dessas crianças e adolescentes trabalhadoras domésticas no Brasil é quase sempre o mesmo: 93% são meninas e mais de 60% são negras.
As pesquisas de Antunes(2001, 108) mostram que o trabalho feminino no mundo fabril tem desenhado uma nova divisão sexual do trabalho. O trabalho feminino tem sido reservado as áreas de trabalho intensivo, com níveis ainda mais intensificados de exploração, sendo o trabalho mais precarizado  reservado as mulheres. Com o regime de part-time, marcado por uma informalidade ainda mais forte, os desníveis salariais entre homens e mulheres continuam acentuados. Nesse sentido, no universo do mundo produtivo e reprodutivo a divisão sexual do trabalho possibilita que os capitalistas se apropriem do trabalho de forma desigual, beneficiando-se.
Segundo pesquisa realizada via Internet com 300.000 mulheres, de 24 países, publicada em 2009 – (Des)igualdade de gênero no mercado de trabalho - Confederação Internacional dos Sindicatos (ITUC/CSI),  as mulheres ganham em média 22% a menos que os homens, sendo que as trabalhadoras brasileiras são as que sofrem com uma diferença salarial em relação aos homens com diferença de 38,8% entre o salário dos homens e mulheres.
Esses dados exemplificam como a opressão da mulher culturalmente anterior ao  capitalismo intensifica a exploração das trabalhadoras, visto que elas exercem no plano público, seu trabalho produtivo e no universo da vida privada consomem horas no trabalho doméstico, possibilitando a reprodução do capital, mesmo na esfera do trabalho não diretamente mercantil. Por conseguinte o trabalho doméstico cria as condições indispensáveis para a reprodução da força de trabalho dos maridos, filhos e de si própria.
3. A origem da opressão da mulher trabalhadora.
A história do marxismo é marcada pela luta contra concepção de que as “mulheres são por natureza inferiores”, colocando a opressão desde um fundamento social e histórico.
É no “lar” que se reproduz a ideologia da sociedade burguesa patriarcal, onde toda criança nasce aprendendo a respeitar “a autoridade paterna” e ver na mulher um ser destinado a servir os demais, em todos os sentidos. Esta ideologia vem justificando uma desigualdade dos sexos e uma posição degradante das mulheres desde o surgimento de formas mais ou menos estruturais de exploração dos seres humanos.
Estudos antropológicos demonstram que em sociedades primordiais (período que compreende cerca de 90% da historia da humanidade) quando ainda não existia a propriedade privada sobre os meios de produção, o conceito de masculino / feminino e os papeis sociais eram diferenciados da lógica dos recentes 6000 anos de história “oficiail”.
Milhares de achados arqueológicos dão conta de que as mulheres chegaram, inclusive, a serem consideradas deusas num mundo onde a procriação e o fato de um corpo possuir o alimento necessário para a sobrevivência da espécie era reverenciado por seu valor material/mágico.
Engels,(1980, 56) entre outros, demonstrou como  a opressão sexual/política das mulheres surgiu com a apropriação individual do trabalho coletivo (sociedade de classes). Nas sociedades primordiais, além das mulheres serem consideradas seres dotados de atribuições físicas que permitiam a perpetuação da espécie, o modelo de família era completamente diferente. A liberdade sexual e a possibilidade de relacionamentos livres vinham acompanhados da linhagem matrilinear. As comunidades eram mães e pais coletivos.[5]
O excedente de produção, o fato de que os homens detivessem os instrumentos de guerra (armas de caça) foi paulatinamente obstruindo a liberdade sexual das mulheres em função do direito de herança. É o surgimento da herança que instaurará ao longo dos tempos/lugares um local domesticado e controlado para a perpetuação da propriedade privada. Os filhos “legítimos”, o controle da natalidade passou, então, dos ventres das mulheres para os homens senhores da guerra. (Viero, Colombo 2011)
 Segundo Toledo (2008, 29) foi somente com o advento da indústria que a produção social foi novamente aberta à mulher sem que sua dominação pelo patriarcado fosse resolvida. No moderno sistema fabril, a relação familiar não deixou de ser uma relação de poder. As mulheres como trabalhadoras assalariadas, participam da produção social, do domínio do trabalho coletivo, e adquirem assim, maior independência diante do homem. Kolontai (2008, 15) expressa que esse novo momento da mulher adquirindo maior independência do homem, produz modificações psicológicas, que muitas vezes não são percebidas, mas que na realidade a sua inserção no mercado de trabalho, nada mais é,  que uma grande reserva de mão de obra necessária ao capitalismo. A monogamia e o patriarcado não só se mantiveram como foram agravados com o advento da indústria moderna. Aquele que poderia ter sido o passo decisivo para a emancipação da mulher – sua entrada na produção coletiva foi transformado pelo capitalismo em mais uma forma de opressão e super-exploração da mulher.
A origem da opressão da mulher esta, portanto, ligada as transformações ocorridas nas relações humanas desde as primeiras sociedades que se conhece. As descobertas antropológicas permitem afirmar, que a mulher não nasceu oprimida, mas passou a sê-lo devido a inúmeros fatores dentro os quais foram decisivos os fatores econômicos, que determinaram toda a superestrutura de sustentação desta opressão: as crenças, os valores, os costumes, a cultura em geral. Em especial, a opressão da mulher esta vinculada a Propriedade privada dos meios de produção. Esse fato mostra que a opressão só  poderá ser superada com o rompimento total deste modo de organização das relações sociais.
 
4. A opressão das mulheres trabalhadoras no Brasil atual: da formalidade da lei a debilidade das políticas públicas de combate a opressão.
As políticas públicas para mulheres dos países semi-coloniais, em especial o Brasil, seguem as orientações do imperialismo. Na medida que o Banco Mundial financia projetos sociais, impõe aos governos a perspectiva de políticas focalizadas e compensatórias para aliviar as possíveis tensões decorrentes da contenção de despesas públicas na área social.  Ao seguir a cartilha do Banco Mundial o governo, implementa políticas compensatórias na linha da economia de recursos para políticas sociais, a exemplo do corte de 50 milhões do orçamento do governo  Dilma que atingiu as várias áreas sociais.
Os programas de transferência de renda, em especial para o Brasil, foram acompanhados de condições a serem implementadas. Estas foram apresentadas em diversos documentos, discursos e entrevistas, e representam um retrocesso em relação a conquista dos direitos sociais, pois são fundamentadas no Estatuto da superação da pobreza e as mulheres são as responsáveis pela sua implementação.
Na década de 1970 as pesquisas apontam para a “feminização da pobreza,” ou seja, as mulheres vêm se tornando, ao longo do tempo, mais pobres do que os homens. O Relatório do Desenvolvimento Humano 1995 constatava que “a pobreza tem o rosto de uma mulher”.
Nas décadas de 90 e primeira década de 2000, a mulher passou a ser imprescindível para a noção de sustentabilidade do BM. Isso se expressa nas Conferência Educacionais que tiram diretrizes para a educação mundial. A Conferência de Nova Delhi, realizada em 1993 enfatiza a importância da escolaridade feminina e sua participação crescente no mercado de trabalho. Essas diretrizes são incorporadas no Brasil pelos Planos Decenais das décadas de 90 e 2000, que enfatizam a produtividade da mulher por meio aumento da escolaridade. Contudo é destinada a mulher trabalhadora uma escolaridade  aligeirada e a baixo custo, implicando no rebaixamento da aspiração profissional, limitando a expectativa  da mulher aos setores de trabalho mais precarizados.
Nessas mesmas décadas se consolidam as políticas públicas com base na perspectiva de gênero, as mesmas voltam-se para empoderamento das mulheres, por meio de programas voltados a aumentar a auto-confiança das mulheres.
  O Programa da presidenta do Brasil, eleita em 2011, expressa a perspectiva do  empoderamento das mulheres,  configurando-se no aumento da presença feminina nos ministérios. No Brasil não é um fato menor, pois segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo, por ano, mais de um milhão de mulheres são vítimas de violência doméstica. A cada três minutos, uma mulher sofre agressão física: a maior causa de invalidez de mulheres entre 16 e 44 anos é a violência doméstica. Dez mulheres são assassinadas por dia, e 70% dos agressores são maridos, companheiros ou ex-companheiros. Um em cada cinco dias de trabalho perdidos pelas mulheres decorre de algum problema de saúde causado por violência doméstica.
Todavia o projeto de  empoderamento da presidenta expressa a face feminina do projeto de conciliação de classes, que atende as perspectivas do Banco Mundial. Nesse sentido uma mulher por ser mulher não combaterá a opressão da mulher com um  projeto de Conciliação de classe. Ao contrário coloca de maneira distorcida o sentimento e a esperança de ver mudanças, pois ao não ter um projeto que atenda a classe trabalhadora não enfrenta o Estado opressor, logo não enfrenta a situação de opressão da mulher  e, ao criar programas focalizados para mulheres pobres, que não resolvem a situação estrutural, atribui à pessoa que se encontra em situação de pobreza a responsabilidade de superá-la e as políticas publicas de combate a opressão não passam de formalidade.
O Plano Nacional de Enfrentamento à violência contra às Mulheres elaborado a partir do Plano Nacional para Proteção para as Mulheres (PNPM), formulado com base na I Conferência Nacional de Políticas para às Mulheres, realizado em 2004, pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM-criada em janeiro de 2003, com estatus de Ministério) e pelo Conselho Nacional de Direitos da Mulher,  foi formulado ainda no primeiro governo Lula tem o objetivo sistematizar as políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher e a atuação do Estado brasileiro neste sentido.
De 1985-2002  o eixo da política de proteção à Mulher vítima de violência era basicamente a instituição de delegacias especiais para mulheres e casas-abrigo de proteção à mulher em situação de risco de morte.
A Lei 10.778\2003 estabelece a  notificação compulsória nos sistemas de saúde, pela rede Infoseg (rede nacional de informações que integra o sistema de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização).
A formalidade da Lei Maria da Penha (11.340/2006) que sem eu texto tem como propósito caracterizar a violência doméstica e familiar como violação dos direitos humanos da mulher e garantir proteção e procedimentos policiais e judiciais para as vítimas, a criação do sistema nacional de dados estatísticos sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher, criminalizando a violência contra a mulher, prevê a criação de juizado especial para julgar os casos de violência contra a mulher,  classifica os tipos de violência doméstica em física, sexual, psicológica, patrimonial ou moral, passa a ser proibida a aplicação de leis pecuniárias aos agressores e a penalidade que não passaria de um ano pode agora chegar a três anos de prisão dando-se encaminhamento às mulheres e seus dependentes aos serviços de proteção social.
Embora essa lei contribua para desnaturalizar a violência doméstica e familiar que garante a supremacia masculina e a subordinação feminina, não prevê gastos para a sua implantação e não havendo determinação de investimento público e nem direcionamento do orçamento para a aplicação de políticas de prevenção (âmbito educacional, cultural, social, saúde e estrutural da mão-de-obra feminina), assim como de políticas punitivas aos agressores, pode-se dizer que a lei não passa de mera formalidade, já que as ações do Estado não passam da criação de poucas delegacias especializadas, mas sem nenhuma articulação de fato entre os sistemas de saúde, de segurança e de assistência as vítimas e seus dependentes para proteger a vida e prevenir futuras violências.
Uma outra face da violência do Estado contra a mulher é a criminalização do aborto. A lei que proíbe o aborto é reafirmada no governo de uma mulher. Com a carta ao povo de Deus, dirigido ao publico religioso, Dilma reafirmou a criminalização do aborto, ignorando inúmeras mulheres que morrem  todos os dias vítimas de procedimentos mal sucedidos. De acordo com a pesquisa Nacional de Aborto  uma em cada 7 mulheres até quarenta anos realizaram aborto. Metade delas recorreram ao sistema de saúde e foram internadas por complicações, além do aborto clandestino estar entre as principais causas de morte de mulheres no Brasil, principalmente as mulheres pertencentes a classe trabalhadora, que não tem condições de ir a uma clinica clandestina, além disso o negócio do aborto é um dos mais lucrativos.
Outra face da opressão do  Estado é a negação dos direitos básicos às mulheres como: o direito à maternidade quando a licença-maternidade de seis meses não vale para todas, o não acesso a educação das crianças de 0 a 6 anos, para que as mães possam trabalhar e estudar. Os dados oficiais apontam que no Brasil, o atendimento de 0a 6 anos está entre 10 a 16%. Isso significa que mais de 80% das crianças não tem acesso a creches.
Ao mesmo que o governo Dilma reforça as políticas focalizadas como o bolsa família  para resolver a defasagem  de vagas nas Creches públicas, corta 3 bilhões de Reais do orçamento destinado a educação. As políticas de bolsas para a educação de 0 a 6 anos surgem na primeira década de 2000 obedecendo a lógica do Banco Mundial expressa nas políticas do  MEC, que cria incentivos por meio de bolsa para as mães cuidarem de seus filhos de até 3 anos de idade fora das creches, jogando para as mães a responsabilidade da educação infantil, reafirmando a naturalização do papel da mulher como responsável exclusiva da educação dos filhos, confinando-as como cuidadoras.
Os programas focalizados são de baixo custo destinado a trabalhadores sob a perspectiva das políticas públicas de combate à pobreza. Desses destaca-se o Programa Bolsa Família (PBF), implementado durante a presidência de Luis Inácio Lula da Silva com continuidade na presidência Dilma. É um programa que fornece transferência de renda às famílias consideradas em situação de extrema pobreza e responsabiliza as mulheres para o cumprimento de suas condicionantes. Por esta razão, são as mães de família as titulares que recebem as transferências monetárias correspondentes, como forma de “dar poder as mulheres”. Contudo as mulheres não participam dos processos decisórios relativos à concepção, execução e avaliação do Programa. A responsabilidade do Estado é substituída pela responsabilidade das mulheres em garantirem a inserção nos serviços de saúde e educação, num contexto marcado pela deterioração da educação e da saúde pública em face da retirada dos já poucos recursos destinados a esses setores.
Neste ano a presidenta lançou o programa Rede Cegonha, para ampliar o acesso e qualificar a atenção a saúde da mulher antes durante a após o parto. Para isso prevê um conjunto de medidas, para a construção de uma rede de cuidados primários ás mulheres e crianças desde o pré-natal até os dois anos de idade das crianças. No mesmo momento que a presidenta lança  o programa  Rede Cegonha prevendo investimento de 9. 397 milhões até  2014, promoveu cortes de 1 bilhão dos recursos destinados a saúde, com a justificativa de combate a inflação. Ou seja, os dados do governo em relação o reajuste estrutural, apontam que os objetivos de programas como Rede Cegonha não passam de formalidade.
  O Bolsa Família, o Rede Cegonha e a Lei Maria da Penha  expressam que o governo Dilma por meio da utilização da mídia fortalece a hegemonia para implementar o Plano de Ajuste Estrutural que mantém as condições e pobreza por meio da implantação de políticas voltadas às famílias, em especial para as mulheres, para formar reserva de mão de obra.  Esses programas não incluem iniciativas estruturais que permitam as beneficiárias superarem a situação de extrema pobreza em que se encontram. Logo são programas que expressam a natureza opressora do Estado brasileiro reproduzindo as experiências de classe das mulheres trabalhadoras.
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[1]Doutora em Educação na UFRGS, profª da Rede Municipal de Porto Alegre/ Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores Paulo Freire, pesquisadora da Linha de Pesquisa: Trabalho, Movimentos Sociais e Educação-FACED/UFRGS.  viero.anezia@gmailcom 
[2]  Acadêmica de pós-graduação, em nível de Especialização, em História do Brasil Contemporâneo (FAPA). E-mail: fabisanguine@hotmail.com.
[3] Doutoranda em Educação na UFRGS, profª da Rede Municipal de Porto Alegre e da Rede Estadual do Rio Grande do Sul, pesquisadora da Linha de Pesquisa: Trabalho, Movimentos Sociais e Educação-FACED/UFRGS  soniaribassoares@hotmail.com
[4] (“Injustiça Criminal - A Violência contra a Mulher no Brasil”, relatório da Organização Norte-americana de Direitos Humanos Américas Watch, 1.992).
[5][5] Engels estuda os trabalhos do inglês Lorimer Fison sobre as formas de matrimônios por grupos. (p. 56)

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