terça-feira, 15 de julho de 2014

A FORMAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES TRABALHADORAS NAS EXPERIÊNCIAS DE CLASSE


A FORMAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES TRABALHADORAS NAS EXPERIÊNCIAS DE CLASSE

VIERO, Anésia.

SOARES, Sonia.

SANGUINÉ, Fabiana

 

Resumo: Este artigo procura discutir as experiências de classe das mulheres trabalhadoras nas organizações classistas, em especial na CUT, nos anos 1980, na Conlutas e CSP - Conlutas, nos anos 2000. As experiências de classe das mulheres trabalhadoras nas organizações de classe da visibilidade a luta contra a opressão e esta fundamental para libertação da classe trabalhadora. O processo de fazer-se classe por meio de experiências de classe é central no enfrentamento político antagônico – classe contra classe, superando o caráter abstrato na luta dos trabalhadores e o papel secundário das bandeiras feminista. A presença das lutas das mulheres nas organizações classistas engendram um conteúdo político que alteram o eixo das centrais, no que concerne a luta dos trabalhadores.

 

Palavras chaves – Formação Política, Experiência de Classe, Organização Classista e Luta das Mulheres

 

Introdução

Este artigo procura discutir as experiências de classe das mulheres trabalhadoras nas organizações classistas, em especial na Central Única dos Trabalhadores – CUT, nos anos 1980, na Coordenação Nacional de Lutas – Conlutas e Central Sindical e Popular Conlutas – CSP Conlutas, nos anos 2000.

Tratar das experiências de classe das mulheres na materialidade das organizações da classe trabalhadora é tratar da mulher como sujeito político que luta pela sua libertação ao participar de espaços como: associações, sindicatos, partidos políticos etc. É buscar compreender como historicamente se materializa a especificidade da resistência da mulher a opressão e a exploração. É compreender que a luta pela emancipação se dá no fazer-se classe e nele é indispensável o enfrentamento político antagônico das mulheres o qual se dá num espaço de relações sociais - classe contra classe - e práticas culturais.

O conjunto das relações de produção e das forças produtivas do modo de produção capitalista distribui as pessoas em situações de classe que geram contradições essenciais, conflitos de interesses e condições de luta.  Logo a experiência de classe se manifesta tal como assume as diferentes formas de resistência a opressão e a exploração, ao mesmo tempo é o fazer-se classe da mulher que tenciona as fronteiras das organizações da classe trabalhadora.

A experiência de classe das mulheres trabalhadoras, em especial nas organizações de classe, imprime na auto-organização da classe trabalhadora forma e conteúdo criativo, envoltos num emaranhado de interações entre continuidade e mudança nas organizações classistas, que ocorrem no terreno determinado e contraditório de circunstâncias herdadas. (Wood 2003; Wilis 1996) A relação dialética das mulheres na relação de classe, situada na materialidade histórica cultural são experienciadas como novas, por cada geração, em especial, nos desdobramentos cotidianos da existência-consciência das mulheres que atuam, tanto nos sindicatos, como nos partidos e associações variadas.

As determinações objetivas se colocam sobre seres históricos e culturais na medida em que as mulheres “vivem” e “elaboram” formas de romper com situações de opressão e exploração na sua prática política, nas organizações classistas. Dessa forma elas materializam formas de romper com relações de mando-obediência (Viero, 2008) resultante de longas experiências no interior da cultura patriarcal que alicerçou a história do Brasil tanto no mundo privado da família, como no mundo público do trabalho e das organizações da classe trabalhadora, pela naturalização da opressão formadora da subjetividade complexamente articulada ao funcionamento da sociedade capitalista. (Soares, 2010; Viero, 2008)

As organizações de classe são espaços possíveis de fazer a diferença na vida das mulheres tanto privada como pública. Como espaço de luta e elaboração rompe com o papel social conferido pela sociedade patriarcal à mulher. Nesses espaços elas são sujeitos políticos, condição fundamental para romper com a divisão entre atividade intelectual e manual, no momento que suas experiências de classe abrem caminho para criarem formas próprias de resistência dentro das organizações de classe, onde as mulheres defendem suas próprias teses. É participando dos sindicatos, associações, partidos, que as mulheres criam processos emancipatórios específicos e desenvolvem sua consciência de classe.

Nesse sentido, a presença das mulheres nas organizações classistas engendra um potencial político transformador, por meio da luta que expressa os problemas de gênero. Ao transformar a natureza das organizações da classe trabalhadora com sua prática política, as mulheres conferem o tom próprio no enfrentamento ao sistema capitalista em que a dinâmica conflitual aparece como inacabada e aberta a novas determinações. Á luta de classes se configura a partir de sujeitos reais e o caráter abstrato dado a ela no momento que expressa às diversidades de experiências, abre caminho para superar o caráter secundário dado a luta das mulheres trabalhadoras. Assim a dinâmica de luta da classe trabalhadora se dá de forma criativa, sendo necessária à organização desta classe, para fazer frente ao sistema, visto que o capitalismo, ao mesmo tempo, que destrói as diferenças ao nos tornar mercadoria, aproveita em benefício próprio, toda a opressão que esteja histórica e culturalmente disponível.

As práticas políticas que buscam a emancipação das mulheres não se dão isoladas dos movimentos da classe trabalhadora para transformar a sociedade que oprime e explora os seres humanos. Por meio da prática política as mulheres não só mudam a natureza das organizações classistas como também mudam as experiências diárias na família, no trabalho, na festa, em fim na totalidade de suas vidas.

1 - As experiências de classe e a mulher

            Tratar do fazer-se classe das mulheres trabalhadoras é tratar da participação das mulheres nas experiências dos trabalhadores como classe. Nesse sentido a organização da classe trabalhadora, autônoma do estado capitalista e das empresas, passa pelos movimentos: sindical, popular e das opressões.

A experiência em participar de movimentos que buscam unificar a luta classista dos trabalhadores, é um espaço fundamental do fazer-se classe das mulheres trabalhadoras. Ao mesmo tempo, que participando desses espaços as mulheres tencionam a natureza desses movimentos.

Da CUT dos anos 1980 para a Conlutas e CSP Conlutas dos anos 2000 tem diferenças significativas em sua natureza que está relacionada à participação das mulheres, dos negros, dos homossexuais. De Central Única dos Trabalhadores que busca unificar a luta dos sindicatos autônomos do Estado capitalista e das empresas passa a serem CONLUTAS e CSP CONLUTAS que buscam unificar as lutas dos trabalhadores sindicalizados, do movimento popular e dos movimentos contra as opressões (Mulheres, LGBT, Negros) e estudantes.

 A natureza mais ampla da Central retrata como as diferenças das experiências da classe trabalhadora agem no sentido de ampliar as organizações da classe trabalhadora que se contrapõe fundamentadas na conciliação de classe que contem as lutas dos trabalhadores dentro dos limites do Estado capitalista.

Nossa análise, como marxistas, busca compreender os espaços de participação das mulheres trabalhadores como experiência de classe. Para isso consideramos a base material que compunha a sociedade que define a posição que os indivíduos ocupam nela. Porém a posição estrutural dos trabalhadores na sociedade não é suficiente para compreender como os mesmos fazem-se como classe, num espaço de relações sociais que os tratam como sujeitos reais.

Buscamos a contribuição de Thompson (1987) pelo fato deste autor possibilitar a compreensão dos fenômenos históricos sociais que tem lugar no processo de formação da classe trabalhadora, em que a classe se faz por meio de um conjunto de relações sociais e de práticas culturais mais ou menos comum. Sendo assim o fazer-se classe não esta dada, ela constitui-se na trama histórica das relações, de forma que classe não é abstração, mas uma relação composta por sujeitos concretos e por meio de experiência comum que se reconhecem como membro da mesma.

Para Thompson (1987)a experiência comum se dá por meio de determinações objetivas e subjetivas. A formação da classe operária é inseparável do enfrentamento político antagônico. A luta entre indivíduos opostos que se reconhecem por experiências comuns dá a natureza política entre classes, onde a centralidade está no embate político. Portanto, é por meio da prática que se dá o fazer-se classe e a consciência de classe.

Segundo o autor a experiência de classe, herdada e partilhada entre os indivíduos tanto é determinada pelas relações de produção em que homens e mulheres nascem ou entram involuntariamente, como pela experiência que se refere as práticas de homens e mulheres envolvidos em relações produtivas determinadas. A experiência de classe é a forma como essas práticas são tratadas pelos indivíduos em sua cultura. Experiência de classe não se trata de práticas autônomas dos indivíduos, mas se dá nas práticas dos indivíduos em relações sociais de produção no tempo e são vividas a partir de um conjunto de valores culturais. Sendo assim a determinação material é compreensível por meio da ação-experiência-consciência de homens e mulheres concretos. A experiência e a cultura evidenciam um sentido de tempo que realça a ação humana no processo histórico, o sentido político das práticas culturais e das ações dos sujeitos.

A classe é vista mediante a experiência dos sujeitos históricos. Logo experiência e consciência são mediadas pelas práticas culturais das mulheres trabalhadoras. Por isso o enfoque desse artigo na participação política das mulheres no processo de formação da classe trabalhadora, no Brasil contemporâneo.

Para analisar o fazer-se classe das mulheres trabalhadoras, situamos a “experiência” como categoria mediadora na formação das organizações da classe trabalhadora. É na experiência política vivida pelas mulheres que a consciência social gera a “disposição de agir como classe” engendrando, portanto as particularidades históricas e culturais específicas (Wood, 2003. 89). A experiência é vista como mediação entre o ser social e a consciência social, em que o ser social determina a consciência, que por sua vez é em si uma força material e assume uma variedade de formas empíricas, historicamente específica, pois o processo histórico intervém nas formas da consciência. Situações de classe das mulheres criam diferentes formas de consciência. “Experiência,” então, se refere ao modo como as mulheres vivem sua prática política, por que experienciam de forma específica o modo de produção capitalista.

 As relações de classe assumem diferentes formas, válidas nas suas circunstâncias históricas como se manifestam nas experiências vividas. É na experiência de classe que o processo de “experiência vivida” assume a forma de “experiência percebida” formando a consciência de classe. A constituição da “classe para si” é dada pelas interações e discussões das experiências diárias e das interpretações dessas experiências. Por isso, pode assumir tantas formas quanto for às configurações históricas no movimento da classe trabalhadora. Nesse sentido, a distinção entre “classe em si” e “classe para si” não é uma distinção analítica entre estrutura objetiva de classe e consciência subjetiva de classe. Se refere a estágios no processo de formação de classe, e em momentos históricos de relações entre estrutura e consciência, em que “classe em si” diz respeito a “luta de classes sem classes”.(Thompson 1981/1987 e Wood. 2003)

Recorrer a referência de Thompson é buscar um profundo senso de processo, identificando as emaranhadas interações entre continuidade e mudança na luta de classes, em que as relações de produção não aparecem como abstração, mas como um princípio histórico operacional visível onde as práticas concretas da classe trabalhadora são visível em sua luta.

Os debates sobre os direitos das mulheres e as desigualdades entre sexo integra a luta de classes e a pauta do projeto socialista ao longo da história. As mulheres dos partidos socialistas e comunistas sempre colocaram o caráter político das desigualdades de gênero, porém com a luta de classes sendo colocada de forma abstrata, a diversidade dos sujeitos reais subsumiam na estrutura produtiva, por isso a luta das mulheres assumiam um caráter secundário. (Martins, 1998)

O caráter abstrato da luta dos trabalhadores deixa de fora os mecanismos discriminatórios variados que se originam a partir de relações patriarcais, materializadas no mando e obediência, relações essas fundamentais para o capitalismo como sistema. Focar a experiência de classe das mulheres nas suas práticas políticas, as relações de gênero e de classe, dão lugar a um senso dinâmico em que ambas são tomadas na prática criativa da produção e reprodução da vida material da história da classe trabalhadora, sendo fundamental para superar o caráter abstrato da luta de classes.

O caráter abstrato da luta dos trabalhadores acaba por produzir e reproduzir a cultura do silêncio que se origina na cultura patriarcal, em que o patriarca domina desde o escravo, o peão, agregado, o empregado até os filhos e a mulher. São praticas culturais que se traduzem em formas simbólicas de dominação e reprodução social herdadas, por isso a mudança na natureza das organizações de classe criam possibilidades de  enfrentar essa praticas culturais e nesse sentido apontam alternativas de emancipação da classe trabalhadora, que tem relação com a emancipação do ser humano. É nas experiências de classe que as mulheres encontram forças necessárias para superarem as práticas culturais que as tornam seres físicas e mentalmente mutiladas.(Viero, 2008; Soares, 2010)

A produção em Marx envolve tanto a reprodução da vida, da espécie humana como a produção social, sendo a última que determina à natureza da sociedade onde a reprodução da vida fica historicamente destinada a mulher a qual envolve a procriação, o cuidado com os filhos e o trabalho doméstico. Daí que as experiências comuns das mulheres orientam os debates e as lutas feministas, que buscam questionar e romper com o papel social colocado historicamente a ela.

Todavia a natureza capitalista da sociedade confere a indistinção cada vez maior entre esfera pública e privada. Por um lado o trabalho historicamente destinado a mulher antes não mercantil tornam-se mais a condição de mercadoria num sentido mais profundo, por outro lado as atividades intersubjetivas, da mulher passam a ser articulada ao conceito de produção no momento que é absorvida no mundo fabril, segundo pesquisas (Antunes, 2001) nas áreas de trabalhos mais intensivos, com níveis maiores de precarização e exploração. Sendo assim a presença da mulher no mundo fabril desenha nova forma de divisão sexual do trabalho, conferindo experiência comum entre as mulheres no interior do mundo fabril.

Tem sido experiência comum das mulheres, além de realizarem jornadas mais prolongadas no plano público, são elas que continuam realizando as atividades domésticas que consomem horas de sua vida privada, sendo duplamente exploradas pelo capital.  O trabalho das mulheres é parte da necessidade do modo de produção, por isso, segue as regras da produção geral de mercadorias.

Mesmo com a visibilidade dessa experiência comum entre as mulheres só as organizações mais recentes (Conlutas e CSP CONLUTAS) tem uma natureza sindical, popular e de opressões. Embora a CUT tenha nascido nos anos 1980 quando o debate feminista já era uma realidade no Brasil, tinha um caráter de luta sindical classista.

A dicotomia natureza e cultura, classe e sexo: divisão entre sexo natural e divisão de classe histórica continuava embasando a CUT. Por mais universal que pudesse ser a causa feminista era considerada insuficiente como ação coletiva incapaz de eliminar a economia e a política do capital. Somente os trabalhadores teriam tal força. Essa análise coloca em primeira instância na ação política a posição do sujeito na produção e não as experiências diferenciadas dentro da produção. Nesse sentido a luta de classes não contempla as experiências de classe dos trabalhadores e trabalhadoras. (Martins, 1998)

Porém na história das lutas da classe trabalhadora as marxistas buscam romper com abordagens dicotômicas, defenderam a imbricação histórica entre sexo e classe como divisões sociais que se manifestavam como dominação e exploração sendo que as experiências comuns das mulheres é sua história de opressão e exploração. Assim a experiência de classe toma importância para a questão da mulher e as análises de Thompson contribuem de forma significativa tornando visíveis os sujeitos sociais subsumidos em agentes coletivos ou em estruturas. Abre espaço para a análise histórica das relações sociais, “vista de baixo”.

O foco dicotômico opressão - exploração passa a ser analisado e tratado nas lutas da classe trabalhadora como relações de opressão, de exploração, de submissão, de acomodação, de luta, de resistência. Complexifica-se as relações de poder entre antagônicos. Assim rompe-se com os pares opostos opressor-oprimido ao considerar a mulher, como sujeito da história, como sujeito político. A história de luta da classe trabalhadora resgata a ação e a palavra da mulher, fornecendo elementos não só da opressão, mas também da luta, da resistência para sobrevivermos ao sistema opressor. São as reflexões sobre o caráter político das relações de classe que contribuiu para tratar da história da participação das mulheres na CUT anos 1980, na COLUTAS e CSP CONLUTAS anos 2000, com ênfase na participação política das mulheres nessas organizações.

São as mulheres marxistas que redesenham as organizações classistas, tensionado os contornos da luta de classes, visto que a classe, como processo histórico, tem diferenças internas que levam a experiências igualmente diversificadas. É a presença das mulheres nas organizações classistas que contribui para romper com a ideologia da domesticidade e o tratamento secundário da questão da mulher na luta de classes. Por isso a importância do significado político da categoria experiência de classe, pois as mulheres aparecem como ativistas políticas, participando da sociedade, de clubes, de sindicatos, de partidos.

Nesse artigo buscamos recolocar o significado da experiência das mulheres nas organizações classistas quando consideramos que a experiência de classe não é vivida igualmente pelos trabalhadores.

2 - O fazer-se classe das mulheres na Central Única dos Trabalhadores dos anos 1980

A CUT é fundada em 1983 e faz parte do processo de reorganização da sociedade brasileira, no pós ditadura. Logo a sua fundação decorre do ascenso da luta da classe trabalhadora desde a década de 1970, como movimento que se organiza em torno dos sindicatos. Ela surge para romper com a estrutura sindical, criada no governo de Vargas, nos anos do Estado Novo e tem como objetivo mudar o rumo da estrutura sindical, ao mesmo tempo, derrotar a ditadura militar. Com isso consolida-se como Central Sindical combativa e representa o sindicalismo autônomo do estado e das empresas, organizando lutas contra-hegemônicas dos trabalhadores no plano sindical e num âmbito geral, tendo como tarefa histórica a ruptura da sociedade capitalista e a construção socialista.

Nos anos 1990 a CUT passa por um processo de redefinição de conteúdo das práticas de luta. De central, nos anos 1980, que unifica a luta autônoma do Estado e das empresas numa luta classista, para a configuração da CUT cidadã, nos anos 1990, que neutraliza esta perspectiva, confundindo o movimento da classe trabalhadora e as instituições burguesas, numa relação de conciliação de classes.

Desloca o eixo da organização dos trabalhadores no confronto com o projeto capitalista de sociedade para a predominância na negociação política no campo institucional, nos marcos dessa sociedade, contribuindo de forma significativa para que os movimentos da classe trabalhadora assumam uma posição de colaboração de classes. (Neves, 2005)

Assim lideranças sindicais ao fazerem parte de uma experiência de classe reprodutora da lógica do capital, vivem em condições materiais incompatível com os trabalhadores em geral, e atuam em instituições burguesas (ministros do governo, Conselheiros do BNDS, administradores de fundos de previdência complementar, das empresas estatais privatizadas) como representantes dos trabalhadores, de fato, já não são mais e sim representam o capital. Em decorrência acatam as diretrizes políticas do Banco Mundial e suas orientações no que se refere à relação entre governo e sociedade no Brasil. (Oliveira, 2003)

Todavia o processo de revolucionar os sindicatos com a natureza que a CUT assumiu manteve em sua essência a mesma estrutura sindical, no momento em que a luta assume a forma abstrata no fazer-se classe não considerando os sujeitos reais. As experiências sociais das mulheres, dos negros e dos homossexuais subsumiram na prática política da CUT como se o fazer-se classe fossem iguais e não houvessem situações de opressões entre trabalhadores que resultam em diferentes experiências de classe. Este processo abriu caminhos para afastar os trabalhadores do controle de sua direção, resultando na manutenção do caráter burocrático da natureza dos sindicatos.

 

3- O fazer-se classe das mulheres trabalhadoras na Conlutas e CSP Conlutas nos anos 2000

A partir da reorientação de rumos da CUT, um setor da classe dos trabalhadores sindicalizados, rompem com a CUT. Desse rompimento surgiu a Intersindical e a Conlutas, representando as descontinuidades das mudanças que ocorrem no interior do movimento da classe trabalhadora, resultantes das diferentes experiências da classe trabalhadora.  

 O setor que rompe com a CUT funda a Intersindical buscando reconstruir uma central sindical combativa aos moldes da CUT. A Conlutas por sua vez propõe organizar uma Central de natureza Sindical, Popular e Social.  Ambas buscam superar organizações da classe trabalhadora que tem como princípio a colaboração de classes e  retomar o caráter  classistas do movimento dos trabalhadores que os organizam tanto  em torno das lutas imediatas, como históricas.

Nossa análise está focada na Conlutas pela sua natureza sindical, popular e social, sendo esse um passo significativo no sentido de superar o caráter abstrato dado a luta da classe trabalhadora, no momento que as diferentes experiências da classe trabalhadora aparecem de forma organizada.  Nas resoluções do Congresso Nacional dos Trabalhadores – CONAT, Congresso de Fundação da Conlutas, em maio de 2006 em Sumaré - São Paulo, consta que:

A CONLUTAS e uma entidade de caráter classista que se constitui como instrumento para a defesa das reivindicações, direitos e interesses da classe trabalhadora em seu conjunto. Busca agrupar em seu interior os trabalhadores organizados nos sindicatos, os desempregados, os aposentados, os trabalhadores que se organizam nos diferentes movimentos populares e sociais da cidade e do campo, as organizações e movimentos que lutam contra toda a forma de discriminação e opressão, as organizações estudantis, as da juventude e outras afins, que decidirem participar das lutas da classe trabalhadora.

Nas resoluções I Congresso da Conlutas realizado em julho de 2008, em Betim - Minas Gerais, reafirma a natureza da Conlutas como uma central sindical e popular:

A Conlutas é uma organização de natureza sindical e popular, que organiza os trabalhadores que estão no chamado mercado formal de trabalho, da cidade e do campo, e que se organizam através dos sindicatos. Mas também aos desempregados, aos precarizados, aos que estão na chamada economia informal, à legião de “deserdados” da cidade e do campo, que se organizam em movimentos populares urbanos e rurais de diversos tipos, bem como à juventude que se agrupam nas organizações estudantis e movimentos sociais, como também as lutas contra a opressão que atingem de forma diferenciada os setores da nossa classe, como é o caso da luta contra o racismo, o machismo, a homofobia, etc.(...) Unir a todos em uma luta de classe, contra o capitalismo e em defesa de uma sociedade socialista.(...)

O papel da Conlutas não deve ser o de ditar regras e formas de organização e de luta para cada setor. Devemos apoiar e impulsionar os esforços de cada setor respeitando a sua autonomia e as escolhas de cada um sobre como avançar em sua organização para a luta. Nosso esforço deve ser, sim, o de dar um sentido comum à luta de todos, o sentido da luta da classe trabalhadora contra a burguesia e o capitalismo.

Portanto, o respeito a especificidade não é retórica, no momento que a  estrutura da Conlutas comporta as especificidades, sendo nelas onde se dá a elaboração das reivindicações. Destacamos como as diferentes experiências da classe trabalhadora se organizam em forma de Congressos específicos. Precedeu o Congresso da Conlutas  no mesmo ano, o Congresso das Mulheres da Conlutas. Nele as mulheres elaboraram suas reivindicações que são defendidas no Congresso da Conlutas, que por sua vez reafirma as mesmas, as quais estão expressas as diferenças das experiências da classe trabalhadora :

Pelo fim da diferença salarial entre homens e mulheres, entre brancos (as) e negros (as)(...) assim como o aumento dos salários de acordo com o aumento do custo de vida.

Punição às empresas que pagam salários diferenciados para a mesma função ou que fazem exigência de “boa aparência” para contratação.

Incorporação das bandeiras específicas das mulheres nas pautas de reivindicações dos sindicatos.

Campanha para a aprovação da lei que descriminaliza e legaliza o aborto no país e que este procedimento seja feito em todos os hospitais públicos e pelos convênios médicos com toda a segurança física e psicológica que garanta a segurança da mulher.

Defesa do direito a maternidade, com garantia de emprego, alimentação, salário digno (DIEESE), creches, saúde e educação pública. Direito da mulher em optar pelo tipo de parto, conforme as necessidades.

Impulsionar uma campanha nacional de combate ao turismo sexual que tem como principal alvo as mulheres negras. Campanha nacional da Conlutas para dar visibilidade à mulher negra trabalhadora e das comunidades pobres.

Lançar um movimento feminista da Conlutas, classista e socialista; um movimento das mulheres trabalhadoras.

Considerando, a crise do capitalismo, a precarização e a feminilização da força do trabalho e que, portanto 50% da classe é composta por mulheres, na maioria negras, as análises de conjuntura bem como as políticas da Conlutas precisam refletir esta realidade (mulheres negras, negros e gays não devem ser pontos separados).

 

            A diversidade da experiência da classe trabalhadora que se organiza em torno da Conlutas se dá na especificidade das mulheres lésbicas, as quais se organizam conforme sua experiência comum. As lésbicas elaboram pauta de reivindicações a partir de suas experiências comuns, assim expressas:    

Que a Conlutas encaminhe a construção de secretarias ou departamentos GLBT, de mulheres, negros e negras nos seus sindicatos.

Elaborar um Plano de lutas de combate à repressão racial, homofóbica contra a mulher e política de cotas.

Unificar as reivindicações imediatas dos setores GLBT, negros e mulheres, como necessidade mais imediata.(...)

Temos plena consciência de que as ideologias racistas, machistas e, particularmente, homofóbicas estão disseminadas no conjunto do proletariado, contudo, queremos dar a batalha para combater tais ideologias que nos dividem e enfraquecem, criando uma nova cultura no movimento de massas brasileiro, (....)

           

O processo de preparação para o Congresso da classe trabalhadora – CONCLAT em Santos – SP em junho de 2010, que se traduz numa tentativa de unificação dos diversos grupos que haviam rompido com a CUT (Intersindical e Conlutas) através de debates em seminários e encontros dos diversos organismos como: sindicatos, associações, grêmios, DCEs, discutiram amplamente a natureza de uma Central que unificassem a classe trabalhadora.

Neste processo se expressam as diferentes concepções, por um lado, uma concepção mais abstrata da organização dos trabalhadores e por outro, uma concepção que trata a classe trabalhadora em sua diversidade de experiência de classe. Este movimento de preparação do CONCLAT garantiu o caráter social e popular reafirmando que a organização deve expressar as diferenças dentro do movimento dos trabalhadores, deste modo elaborando a política mais adequada para sua organização, por exemplo, a sistematização em torno das questões de opressões. E neste sentido a luta contra as opressões aparecerem de forma organizada, não estão mais subsumidas nem secundarizada dentro do movimento dos trabalhadores, ao contrário passam a serem consideradas fundamentais a sua superação no processo de emancipação da classe trabalhadora e a construção de uma nova sociedade.

Na Conlutas, o que ainda era a proposta, “Lançar um movimento feminista da Conlutas, classista e socialista; um movimento das mulheres trabalhadoras”, na CSP – Conlutas transforma-se em ação, através da fundação do MML – Movimento Mulheres em Luta.

4 – Apontamento finais

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